sábado, 19 de abril de 2025

SEMANA SANTA MAIOR: SÁBADO SANTO

    VIGÍLIA PASCAL

Estamos prostrados em silêncio diante o Santo Sepulcro. Hoje é o dia da bênção do Fogo Novo, do Círio Pascal, da renovação das nossas promessas do batismo. Cantamos o Exultet com Maria. Com Maria, Mãe de todas as vigílias, aguardamos, em súplice espera, a Ressurreição do Senhor.


Vamos nos juntar à devoção com que Maria, o discípulo amado, Maria Madalena e as santas mulheres recolheram, em seus braços, o corpo de Jesus descido da cruz por José de Arimatéia e Nicodemos. Com que ternura e amor Maria considera todas as suas chagas, olha todo o seu corpo dilacerado, beija todas as suas feridas! E o discípulo amado, como se projeta sobre aquele peito em que havia repousado a cabeça na noite anterior! Como o beija e se acende de vontade de se enterrar naquele peito aberto! E Madalena, como abraça os sagrados pés, de quem recebera o perdão; como os lava com as suas lágrimas e os enxuga com os seus cabelos! Entremos nos piedosos sentimentos dessas almas santas.

I - O QUE NOS ENSINA O ENTERRO DE NOSSO SENHOR

Este mistério nos ensina primeiro COMO DEVEMOS COMUNGAR. Depois que o adorável corpo foi deposto da cruz, Nicodemos trouxe cem libras de um perfume precioso, composto de mirra e aloés, para embalsamá-lo. José de Arimatéia ofereceu-se para envolvê-lo em linho branco e para levar o corpo até um sepulcro novo, talhado na rocha, que ainda não tinha sido utilizado; depois, a entrada do túmulo foi fechada por uma pedra, ficando sob a guarda da autoridade pública e a custódia de soldados. 

QUANDO O CORPO DE NOSSO SENHOR CHEGA ATÉ NÓS NA SAGRADA COMUNHÃO, DEVEMOS TAMBÉM ENVOLVÊ-LO COM O PERFUME DAS SANTAS INTENÇÕES, COM O PERFUME DAS BOAS OBRAS, COM A APRESENTAÇÃO DE UM CORAÇÃO PURO DA INOCÊNCIA, FIGURADA NAQUELE LINHO SEM MANCHA; COM UMA RÍGIDA DETERMINAÇÃO DE FAZER O BEM TAL QUAL A PEDRA DO SEPULCRO; UMA CONSCIÊNCIA INTEIRAMENTE RENOVADA PELA PENITÊNCIA; E, DEPOIS DA COMUNHÃO, DEVEMOS CERRAR AS PORTAS DO NOSSO CORAÇÃO COM A PEDRA E O SELO DO NOSSO RECOLHIMENTO, FRENTE A MODÉSTIA, MESURAS E ATENÇÃO COM NÓS MESMOS, COMO GUARDAS VIGILANTES PARA IMPEDIR QUE NOS ARREBATEM O TESOURO PRECIOSO QUE ACABAMOS DE RECEBER.

É assim que fazemos? Este mistério nos ensina, em segundo lugar, AS TRÊS PREMISSAS QUE CONSTITUEM A MORTE ESPIRITUAL A QUE ESTÁ CHAMADO TODO CRISTÃO, segundo a doutrina do Apóstolo: 'tomai-vos por mortos, porque mortos estais e vossa vida está escondida com Cristo em Deus'. O primeiro dessas premissas é AMAR A VIDA OCULTA; estar como morto, em relação a todas as coisas que podem ser ditas ou pensadas sobre nós, não buscar nem ver o mundo, nem ser visto por ele. Jesus, na noite do seu sepultamento, dá-nos esta lição. Que o mundo nos esqueça e até nos possa pisar, pouco nos importa. Nós não devemos nos preocupar com isso, mais do que se importa um morto. A felicidade de uma alma cristã é se esconder em Jesus e em Deus. Nossa perversa natureza se compraz em deleitar-se, em querer ser louvado, amado, ser distinguido de reputação e amizades; não lhe façamos caso; quanto mais sensível e extremado sejamos ao apreço dos outros, mais indigno este se torna e maior é a nossa necessidade de privar-nos dele. Que se nos livre da reputação, para que em nada nos levem em conta, que nem pensem em nós, que nos olhem com horror. Faça-se, Senhor, Vossa Santa Vontade! 

A segunda premissa da morte espiritual é USAR OS BENS SENSÍVEIS POR NECESSIDADE, SEM DAR-LHES NENHUMA IMPORTÂNCIA; não nos deleitar com a preguiça nem com os prazeres da vida, nem os prazeres da gula, nem a satisfação da curiosidade que quer ver e saber de tudo; estar, em suma, como mortos para os prazeres dos sentidos. Nesta segunda premissa é preciso juntar O ABANDONO DE SI MESMO À DIVINA PROVIDÊNCIA, abandono que, tal como um cadáver, nos deixamos levar, sem argumentar e nem querer ou desejar qualquer coisa, indiferentes a todas as coisas e a todas as ocupações. Quando deixarei de me amar desordenadamente? Quando morrerei em mim para viver somente em Vós?

II - O QUE NOS ENSINA A DESCIDA DA ALMA DE JESUS AO LIMBO

Este mistério nos ensina, em primeiro lugar, O AMOR DE JESUS AOS HOMENS. Ao deixar o sagrado corpo, sua santa alma poderia ter-se apresentado diante de Deus para descansar ali todas as suas dores; mas o seu amor para os homens o inspirou a descer ao limbo para consolar os Patriarcas e anunciar-lhes que, dentro de quarenta dias, eles o iriam acompanhar ao paraíso. É assim, pois, que o amor de Jesus não tem repouso. Após sua morte, como em sua vida, fez todo o bem possível aos homens. Obrigado, ó Jesus, mil vezes obrigado por este esforço em nos fazer tanto bem. 

Este mistério nos ensina, em segundo lugar, O NOSSO AMOR A JESUS. À vista dessa santa alma, os justos retidos não podem conter o seu júbilo e entoam cânticos de louvor, gratidão e amor, e entregam todos os seus corações ao Deus libertador. Eis aí os nossos modelos: Por que teríamos menos gratidão e amor, uma vez que Jesus morreu por nós e por eles, porque nos ama como amou a eles e, como a eles, nos prometeu seu Paraíso?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

sexta-feira, 18 de abril de 2025

SEMANA SANTA MAIOR: SEXTA-FEIRA SANTA

   CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO E MORTE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


Nós Vos adoramos, Nosso Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos,
porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Penitência, jejum, abstinência, silêncio, oração. Jesus agonizante acabou de pronunciar suas últimas palavras, entregando o Espírito ao Pai. E morre sobre a cruz. José e Nicodemos o descem do lenho das flagelações para os braços da Mãe Dolorosa. E, então, o conduzem para o Santo Sepulcro.


Transportemo-nos em espírito ao Calvário; adoremos ali a Jesus cravado na Cruz por nós e, à vista do seu Corpo transformado em uma única chaga, deixemos transbordar a compaixão dos nossos corações, em ato de agradecimento, contrição, amor e devoção.

I - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE AMOR 

Contemplemos amorosamente o divino Crucificado desde os pés até à cabeça, desde o menor movimento de seu Coração até às suas mais vivas emoções; tudo nos conduz a amá-lo; todo Ele nos diz: 'Meu Filho, dá-me o teu coração'. Seus braços estendidos nos revelam que Ele nos abraça a todos sem distinção; sua cabeça, que não pode repousar a não ser sobre os espinhos que a mantém suspensa, inclina-se para nos dar o beijo da paz e da reconciliação; seu peito, retalhado pelos golpes, ergue-se sob a cadência de um coração cheio de amor; suas mãos e os seus pés, perfurados pelos cravos; sua visão esmaecida, suas veias exangues, sua boca seca pela sede, todas as chagas, enfim, que cobrem o seu corpo, formam um concerto de vozes a nos dizer: 'Vede o quanto Ele nos ama!' 

AH! SE PENETRÁSSEMOS NESTE CORAÇÃO, O VERÍAMOS TODO OCUPADO EM NOS AMAR A TODOS, PEDINDO MISERICÓRDIA POR NOSSAS INGRATIDÕES, NOSSA FRIEZA E NOSSOS PECADOS; PEDINDO POR NÓS TODOS OS SOCORROS DAS GRAÇAS QUE TEMOS RECEBIDO E RECEBEREMOS; OFERECENDO AO PAI A SUA VIDA POR NÓS, O SEU SANGUE, TODAS AS SUAS DORES INTERNAS E EXTERNAS; ENFIM, CONSUMINDO-SE EM ARDORES INDESCRITÍVEIS DE AMOR, SEM QUE NADA POSSA DISTRAÍ-LO.

Ó amor! Seria demasiado morrer de amor por tanto amor? 'Ó Bom Jesus', direi como São Bernardo, 'nada me enternece tanto, nada me abrasa e incendeia meu coração de vosso amor do que a Vossa Paixão'. É ela que me atrai mais a Vós, é ela que me une a Vós mais estreitamente, é ela que, com mais firmeza, me comove. Ó quanta razão tinha São Francisco de Sales ao afirmar que o Monte Calvário é um monte de amor; que ali, nas chagas de Jesus, as almas fieis encontram o mais puro amor e, no próprio Céu, depois da bondade divina, é a Vossa Paixão o motivo da maior alegria, o mais doce e o mais poderoso instrumento para sublimar de amor os bem aventurados! E eu, Jesus, diante disso, ó Jesus Crucificado, poderia ter outra vida que não Vos amar?

II - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE CONVERSÃO 

PARA PROVAR A JESUS CRUCIFICADO QUE EU O AMO VERDADEIRAMENTE, É PRECISO QUE EU ME CONVERTA, QUE EU DEIXE MORRER, AOS PÉS DA CRUZ, TUDO QUE AINDA EXISTE DO MUNDO EM MIM, todas as minhas negligências e todas as minhas tibiezas, todo o meu amor próprio e meu orgulho; todas as minhas futilidades, desejos de gozos e prazeres, tão grandes inimigos do despojamento e da mortificação; a sensibilidade que, de tudo, se ressente; o espírito de crítica e de maledicência, que de tudo murmura; a tibieza, a dissipação e o espírito errante, que não quer refletir em recolhimento; a intemperança da língua, que fala de tudo que está no nosso interior; enfim, de tudo aquilo que é incompatível com o amor que nos pede Jesus Crucificado. 

Há que se substituir todas estas más inclinações pelas sólidas virtudes que a Cruz nos ensina: a humildade, a mansidão, a caridade, a paciência, o despojamento. Jesus nos pede tudo isso, por todas as suas chagas, por tantos outros modos. Podemos recusar? Poderia eu conservar meus apegos, quando o vejo desnudo na Cruz? Desta nudez não poderia eu me vestir, fazer minha veste dos seus opróbrios, minha riqueza de sua pobreza, minha glória de sua vertigem, minha alegria dos seus sofrimentos?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

quinta-feira, 17 de abril de 2025

SEMANA SANTA MAIOR: QUINTA-FEIRA SANTA

   CELEBRAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA E DO SACERDÓCIO

Nesta Quinta-Feira Santa, a Igreja recorda a Última Ceia de Jesus e a instituição da Eucaristia, sacramento do Seu Corpo e do Seu Sangue: 'Fazei isto em memória de Mim'; a instauração do novo Mandamento: 'Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei' e a suprema lição de humildade de Jesus, quando o Senhor lava os pés dos seus discípulos.


Transportemo-nos em espírito à última Ceia, na qual, Jesus Cristo, às vésperas de sua morte, reúne os seus Apóstolos como o pai de família, próximo ao seu fim, reúne os seus filhos em torno do leito de morte para dar-lhes as suas últimas vontades e legar-lhes a herança do seu amor em comum. Sobretudo, então, lhes atesta o quanto os ama. Assistamos, com recolhimento e amor, a este espetáculo amoroso e meditemos nos grandes mistérios deste dia: a instituição da Eucaristia e a instituição do sacerdócio.

I - A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA 

Admiremos de princípio Jesus ajoelhado diante dos seus Apóstolos, lavando-lhes os pés para ensinar a todos os dons da humildade profunda; da caridade perfeita, da pureza sem mancha, que pede o Sacramento que Ele vai instituir e que eles vão receber. Sentando-se em seguida à mesa, toma o pão, o abençoa, o parte e o distribui aos seus discípulos, dizendo: 'Tomai e bebei; ESTE É O MEU SANGUE, O SANGUE DA NOVA ALIANÇA QUE QUE SERÁ DERRAMADA POR VÓS EM REMISSÃO AOS VOSSOS PECADOS'

Ó como se conhece bem o amor de Jesus! O Divino Salvador, próximo a deixar-nos, não pode se separar de nós. 'Não os deixarei órfãos', Ele havia dito,' meu Pai me chama; porém, ao ir ao Pai não me separarei de vós; minha morte está determinada por decretos eternos; mas, morrendo, permanecerei vivo para ficar convosco. Minha sabedoria idealizou como obter isso e o meu amor como fazê-lo'.

Na sequência, transforma o pão em seu Corpo e o vinho em seu Sangue, em face da união indissolúvel entre a Pessoa Divina e a natureza humana, e o que pouco antes era apenas pão e apenas vinho é agora a Pessoa Adorável de Jesus Cristo por inteiro, sua Pessoa Divina, tão grande, tão poderosa, como está diante do Pai, governando todos os mundos e adorado por todos os anjos que se estremecem na Sua Presença.

A este milagre sucede outro: 'O que acabo de vos dizer', disse Jesus, 'vós, meus Apóstolos, o fareis; dou-vos este poder não somente a vós, mas a todos os seus sucessores até o fim dos tempos, uma vez que a Eucaristia será a alma de toda a Religião e a essência do seu culto, e deve perdurar tanto quanto ela mesma'. Esta é a rica herança que o amor de Jesus transmitiu aos seus filhos pelo longo dos séculos; este é o testamento que este bom Pai de Família fez, no momento de sua partida, em favor de seus filhos; suas mãos moribundas o escreveram e, em seguida, o selou com o seu Sangue; esta é a bênção que o bom Jacó deu a seus filhos reunidos em torno de Si antes de deixá-los. Ó preciosa herança, ó bendito e amado testamento, ó tão rica bênção! Como podemos agradecer tanto amor?

II PONTO - A INSTITUIÇÃO DO SACERDÓCIO 

Parece, Senhor, que havia se esgotado para nós todas as riquezas do vosso amor e eis, então, que surgem novas maravilhas: NÃO É SOMENTE A EUCARISTIA QUE NOS LEGAIS NESTE SANTO DIA, MAS TAMBÉM O SACERDÓCIO, COM TODOS OS SEUS SACRAMENTOS, COM A SANTA IGREJA, COM A SUA AUTORIDADE INFALÍVEL PARA ENSINAR, O PODER DE GOVERNAR, A GRAÇA DE ABENÇOAR E A SABEDORIA PARA DIRIGIR. Porque tudo isso está ligado essencialmente com a Eucaristia, como preparação da alma para recebê-la, como consequência para conservá-la e para multiplicar os seus frutos. Assim, Jesus Cristo, como Pontífice soberano, quis estabelecer e estabeleceu realmente todos estes poderes de uma só vez e numa só ordem: 'Fazei isso!' 

Ó sacerdócio que esclareceis, purificais e engrandeceis as almas, que dispensais sobre a terra os mistérios de Deus e, em socorro das almas caídas e das almas dos justos, as riquezas da graça; sacerdócio que, em socorro das almas caídas e das almas dos justos, fazeis nascer o arrependimento e abris as portas do Céu, acolhendo os pecadores e fazendo-os volver à inocência; sacerdócio pelo qual sustentais a alma vacilante e a fazeis avançar na virtude, que protegeis o mundo contra si mesmo e à corrupção, contra a ira santa de Deus; sacerdócio, bem inefável, eu o bendigo e bendigo a Deus por tê-lo herdado à terra! 

Que seria do mundo sem vós? Sem vós, o que seria o sol, sua luz, seu calor, seu consolo, sua força e seu apoio! Ó Quinta - Feira Santa, mil vezes bendita, porque trouxestes tanta felicidade para os filhos de Adão! Jamais poderemos celebrar por completo esta graça com a devida piedade, recolhimento e amor.

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

quarta-feira, 16 de abril de 2025

INDULGÊNCIAS PLENÁRIAS DA SEMANA SANTA

   

No riquíssimo acervo das indulgências concedidas pela Santa Igreja, concessões diversas são dadas aos fieis por ocasião do Tríduo Pascal (Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Vigília Pascal) para a obtenção de indulgências plenárias, desde que atendidas as demais condições habituais*:

Quinta-Feira Santa

· Recitação ou canto do hino eucarístico 'Tantum Ergo' durante a solene adoração ao Santíssimo Sacramento que se segue à Missa da Ceia do Senhor;

· Visita e adoração ao Santíssimo Sacramento pelo prazo de meia hora.

Sexta-Feira Santa

· Participação piedosa da Veneração da Cruz na solene celebração da Paixão do Senhor.

Sábado Santo  

· Recitação do Santo Rosário.

· Participação piedosa da celebração da Vigília Pascal, com renovação sincera das promessas do Batismo.

Domingo de Páscoa

· Participação devota e piedosa à benção dada pelo Sumo Pontífice a Roma e ao mundo (bênção Urbi et Orbi), ainda que por rádio ou televisão.

* É sempre importante lembrar que a indulgência não é o perdão dos pecados, mas a reparação das penas e danos devidos aos pecados. Para se obter a indulgência plenária é preciso:

1. ter uma disposição interior de afastamento total de todo o pecado, mesmo do pecado venial;
2. ter feito confissão recente;
3. receber a Sagrada Comunhão;
4. rezar em intenção do Santo Padre e da Santa Igreja (orações livres, mas que se recomenda fazer na forma de 'Pai Nosso', 'Ave Maria' e 'Glória').

OFÍCIO DE TREVAS

 

'Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se toda a terra de trevas' (Mt 27,45)

Ofício de Trevas é um rito litúrgico cristão com origem no século XIII e relacionado à Paixão de Cristo, integralmente celebrado em latim, comumente no período da tarde/noite da Quarta-Feira Santa. No início do rito, um candelabro com formato triangular contendo quinze velas - chamado tenebrário - é instalado junto do altar-mor com todas as suas velas acesas. A partir de então, são entoados séries de quinze salmos (sendo nove constantes das Matinas e cinco das Laudes) sendo que, ao final de cada um deles, as velas vão sendo progressivamente apagadas, começando pelo ângulo inferior direito do candelabro e depois pela sequência do lado esquerdo, conservando-se sempre acesa a vela central e mais elevada do conjunto, símbolo perene da luz de Cristo.


Na medida em que se apagam as velas, também se apagam, em estágios sucessivos, as luzes do templo, dos fundos e em direção ao altar, fazendo avançar progressivamente sobre todos e o templo completa escuridão. As velas que se apagam são as luzes inconstantes da nossa fé de discípulos e seguidores de Jesus, que pouco a pouco se afastam do Senhor durante a sua Paixão e Morte de Cruz. A crescente escuridão simboliza o triunfo crescente da iniquidade no drama do Calvário.


Com a conclusão do último salmo, o sacerdote recolhe a vela branca no ponto mais alto do candelabro e a conduz para trás do altar, mantendo-a assim longe de todos durante a recitação do Miserere e da oração de conclusão do ofício, evento que simboliza os três dias que Jesus permaneceu sepultado, ficando a igreja às escuras e em silêncio por alguns instantes.

Na sequência, os presentes começam a bater os pés no chão do templo, símbolo da perturbação que irrompeu sobre os inimigos de Jesus e do terremoto que abalou o Calvário por ocasião da morte de Cristo. A vela branca que permaneceu acesa durante todo o rito é então novamente trazida às vistas de todos e recolocada no ponto mais alto do tenebrário anunciando, assim, o encerramento do Ofício das Trevas, com a luz de Cristo permanecendo viva e cintilante entre nós.

terça-feira, 15 de abril de 2025

O SENHOR DOS PASSOS DO ÚLTIMO ENCONTRO

A Procissão do Encontro, em muitas regiões, acontece na Quarta-feira Santa à noite; em outras, é comumente realizada na tarde do Domingo de Ramos.

Neste momento em que o Senhor de todos os passos e caminhos encontra a Senhora de todas as dores, a Terra inteira se detém e os Céus esperam... Potestades e coortes angélicas se calam, os santos e santas de Deus se emudecem, o Purgatório congela, os infernos são calcinados e a humanidade hiberna... neste momento extremo, tudo o mais se retém no mais íntimo dos recolhimentos.

Eis o Homem! O Senhor dos Passos, desfalecido em dores, esmagado pelo horror ao pecado, incensado de misericórdia até a última gota de sangue, ergue os olhos ensanguentados à Mãe de Todas as Dores e estremece de angústia. O coração de Deus pulsa fragilmente dentro do corpo flagelado; o coração de Deus é flagelado pela visão da Mãe de todas as dores. Neste momento de agonia extrema, Jesus sabe que Maria tem que partilhar com Ele esse Calvário de dores. E, ainda assim, o Senhor dos Passos do Último Encontro levanta os olhos aos Céus, num murmúrio de misericórdia infinita pelos homens de todos os tempos: 'Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem' (Lc 23,34 a).

Os gritos, as imprecações, os sentidos nublados e a dor extrema, tudo conspira contra esse olhar entre a Mãe e o seu Filho amado. São agora dois corações dilacerados pelos flagelos humanos e divinos. A angústia física é superada pela miséria dos nossos pecados; as chagas do corpo não exprimem nem de longe as necroses da alma. O Senhor dos Passos do Último Encontro ainda se desvela com o filho resgatado de última hora: 'Hoje estarás comigo no paraíso' (Lc 23,43).

E segue a trilha da última caminhada com a mesma determinação dos tempos de Caná. E Jesus grita, dentro de nossas mentes e almas, que nada nos pode separar do amor de Deus: nem as mãos e os pés ensanguentados, nem as chagas, nem os cravos, nem a coroa de espinhos, nem o flanco aberto, nem a agonia de três horas na Cruz podem fazer Deus, o Senhor dos Passos do Último Encontro, afastar os olhos de sua Mãe e de uma misericórdia infinita pela humanidade pecadora: 'Mulher eis aí o teu filho, filho eis aí a tua mãe' (Jo 19,26-27).

Aos pés da Cruz, está a Mãe de todas as dores, o discípulo amado e as santas mulheres. Maria está de pé aos pés da Cruz para estar mais perto do Filho que lhe escapa ao último abraço. Sangue e lágrimas é o cenário derradeiro do Filho do Homem e daquela que Ele tornou a Mãe de Deus. No silêncio da Terra e do Céu, pasmos diante dos mistérios da graça, parece quebrada a unidade do universo e o Senhor dos Passos do Último Encontro invoca então ao Pai o seu lamento: 'Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?!' (Mc 15,34).

E o silêncio do Céu permanece como uma cortina de chumbo sobre o Calvário. A natureza não ousa um estremecimento qualquer. Tudo se reveste de uma atmosfera estranha e perturbada, que não se pode explicar com palavras. E o tempo dos homens flui devagar entre as testemunhas da Paixão. O estertor da crucificação se molda à realidade dos fatos consumados. Enquanto o riso e o pranto se encolhem, subjugados pelo indiferentismo de homens moldados pela rotina do castigo, o Senhor dos Passos do Último Encontro é agora mortalmente açoitado pelos sentidos: 'Tenho sede' (Jo 19,28 b).

Jesus tem sede de água. Jesus tem sede de almas. Jesus tem sede de conversão e de salvação dos homens de todos os tempos. Por isso, morre pregado numa cruz, humilhado entre dois ladrões, objeto de escárnio e zombaria dos que o sacrificam. Jesus tem sede do amor de cada criatura de Deus, criada para a glória de Deus, criada para ser salva pelo mistério da Cruz! Jesus tem sede de mim, de você, dos homens de ontem e de hoje, Jesus tem sede de amar e de ser amado pela humanidade inteira. E, ciente desta ânsia de amar,  o Senhor dos Passos do Último Encontro conclui então o seu mandato de amor: 'Tudo está consumado' (Jo 19,30 a).

Eis a hora extrema da Paixão e Morte do Senhor. Tudo está feito, tudo está consumado. O senhor de todas as coisas faz-se agora senhor de coisa alguma e apenas se deixa consumir numa morte de cruz para resgatar o homem como criatura eterna do Pai. O Senhor dos Passos do Último Encontro volve os seus olhos turvados pelas sombras da morte ao olhar angustiado de sua Mãe aos pés da Cruz. Na angústia tremenda dos corações despedaçados, a paz de Deus os retém num último abraço e, volvendo os olhos para o Céu, O Senhor dos Passos do Último Encontro exala finalmente o seu último suspiro: 'Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito' (Lc 23,46 b).

segunda-feira, 14 de abril de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXI)

 

97. É necessário discernir no Evangelho as coisas que são de conselho e as que são de preceito. Renunciar a tudo o que se tem e sofrer a pobreza por amor a Deus é só de conselho, mas renunciar a si mesmo e ser pobre de coração é de preceito. E, da mesma forma, certas humilhações exteriores podem ser apenas de conselho, mas a humildade de coração é sempre de preceito e, como não só é possível cumprir todos os preceitos de Deus, mas também, com a ajuda da sua graça, torna-se fácil e doce para nós praticá-los; até mesmo os leigos têm muitas grandes oportunidades de se tornarem santos simplesmente pelo exercício da humildade. Para fazer de um homem de mente mundana um santo, basta torná-lo um cristão.

Quando pensamentos como esses surgem nos recônditos secretos do coração: Eu fiz essa fortuna com meu conhecimento, com minha indústria; eu adquiri esse mérito, essa reputação por meu próprio valor, minha virtude, minha engenhosidade, é suficiente elevar o coração a Deus e dizer como o Homem Sábio: 'Como poderia subsistir qualquer coisa, se Vós não o tivésseis querido?' [Sb 11, 25]. Ó meu Deus, como eu poderia ter feito a menor coisa, se Vós não a tivésseis desejado? Essa é a verdadeira humildade e nela reside o verdadeiro conhecimento e a santidade. A alma é santa na medida em que é humilde, porque na mesma medida em que tem santidade, tem-se a graça, e na mesma medida em que tem a graça, tem-se a humildade, porque a graça só é dada aos humildes. Do fundo do meu coração, ó meu Deus, eu vos peço isso, e como o salmista eu exclamo: 'Renova em mim um espírito reto' [Sl 1, 12].

98. Mas o maior motivo que temos para nos obrigar a ser humildes é o exemplo de nosso Senhor Jesus Cristo, que desceu do céu para nos ensinar a humildade de que tanto necessitamos para curar nosso orgulho, a causa de todos os nossos males e o maior impedimento para nossa salvação eterna. 'Portanto, Cristo' - diz São Tomás - 'nos recomendou a humildade acima de tudo, porque por ela, mais especialmente, todos os obstáculos à salvação dos homens são removidos' [2a 2æ, qu. clxxi, art. 5 ad 3].

E, na verdade, Ele nos ensinou de forma excelente, não apenas por palavras, mas por ações. Meditemos sobre a vida de nosso Senhor na terra, desde a gruta de Belém até a cruz do Calvário; tudo respira humildade. Mais de uma vez, Ele declarou no Evangelho que veio não para cumprir a sua própria vontade, mas a do seu Pai celestial; não para buscar a sua própria glória, mas a do seu Pai celestial; e assim como pregou, assim viveu. Ele poderia ter glorificado a Majestade Divina de diversas outras maneiras, mas, em sua infinita sabedoria, escolheu o caminho da humildade como o mais adequado para render a Deus, por sua própria humildade, a honra da qual o orgulho do homem o privou.

Que humildade nascer em um estábulo... Aquele que era o Rei da Glória! Que humildade nele, que era a própria inocência, aparecer como pecador na circuncisão! Que humildade na fuga para o Egito para escapar da perseguição de Herodes, como se Ele fosse incapaz de se salvar de outra forma que não fosse pela fuga! Que humildade em sua sujeição a Maria e José, Ele que era o Rei de todo o universo! Que humildade em viver por trinta anos uma vida oculta de pobreza, Ele que poderia ter sido cercado por todo o esplendor do mundo! Com que humildade Ele suportou todos os insultos e calúnias que recebeu em troca das verdades que pregou e dos milagres que realizou, sem nunca reclamar ou lamentar os males que lhe foram feitos, nem a injustiça que lhe foi mostrada! Oh, se alguém pudesse olhar em seu coração, veria que a sua humildade não era obrigatória, mas voluntária, 'porque era a sua própria vontade' [cf Is 53,7].

Ele desejou humilhar-se dessa forma para que pudéssemos torná-lo nosso modelo, e Ele diz a cada um de nós: 'Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também' [Jo 13,15], o que significa que Ele nos deu esse exemplo para que pudéssemos aprender a nos humilhar, assim como Ele se humilhou de coração. Ah, será que esses exemplos de um Deus que se tornou homem e se humilhou não são suficientes para despertar em nós o desejo de nos tornarmos humildes também? 'Que o homem tenha vergonha de ser orgulhoso' - diz Santo Agostinho - 'por causa de quem um Deus se tornou humilde' [Enarr. in Ps. xviii].

99. E que lições de humildade não podemos aprender com a sagrada Paixão de nosso Senhor? São Pedro nos diz que Jesus Cristo sofreu por nós, deixando-nos o seu exemplo para que pudéssemos imitá-lo: 'Também Cristo sofreu por nós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos' [1Pd 2,21]. Ele não pretende que devamos imitá-lo sendo açoitados, coroados de espinhos ou pregados na cruz. Não; mas em toda a sua vida, e especialmente durante a sua Paixão, Ele repete a importante exortação de que devemos aprender com Ele a ser humildes: 'Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração' [Mt 11,29].

Que a nossa alma possa contemplar o Crucificado, 'que suportou a cruz, desprezando a vergonha' [Hb 12,2] e, ao confrontar assim a sua humildade com o nosso orgulho, ficaremos cheios de vergonha e confusão. E aprendamos ainda outra lição. Parece-lhe bem adorar a humildade de Jesus Crucificado e não desejar imitá-lo? Professar seguir Jesus Cristo em sua religião, que se baseia na humildade, e ainda assim sentir aversão e até mesmo ódio por essa mesma humildade? Mas quando tantas vezes ouvimos dizer e pregar que todo aquele que deseja ser salvo deve imitar o Salvador, em que imaginamos que essa imitação, que nos é ordenada e que é necessária para nossa salvação, deveria consistir senão na humildade? É muito bom dizer que devemos imitar Jesus, mas em que devemos imitá-lo senão nessa humildade que é o resumo de toda a doutrina e dos exemplos da sua vida?

Pois aquele Humilde na Cruz será o nosso Juiz e sua humildade será o padrão pelo qual se verá se seremos predestinados por tê-la imitado ou eternamente condenados por tê-la rejeitado. É necessário que estejamos firmemente convencidos dessa verdade. Deus não nos propõe que todos nós imitemos o seu Filho encarnado em todos os mistérios da sua vida. A solidão e a austeridade que Ele suportou no deserto são reservadas apenas para a imitação dos anacoretas. Em seus ensinamentos, Ele deve ser imitado apenas pelos apóstolos e pregadores do seu Evangelho. Na realização de milagres, só podem imitá-lo aqueles que foram escolhidos por Ele para serem coadjutores no firmamento da fé. Nos sofrimentos e na agonia do Calvário, ninguém pode imitá-lo, a não ser aqueles a quem Ele concedeu o privilégio do martírio.

Mas a humildade de coração praticada por Jesus Cristo em todas as horas da sua vida na Terra é dada a todos nós como um exemplo que somos obrigados a seguir e, a essa imitação, Deus uniu a nossa salvação eterna: 'A menos que você se converta e se torne como uma criancinha' [Mt 18,3]. Podemos acreditar que Jesus Cristo estava comparando-se com uma criancinha que tinha diante de si quando disse então: 'se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus' [Mt 18,3].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)