sábado, 7 de setembro de 2024

O MILAGRE EUCARÍSTICO DE AVIGNON

Avignon, cidade situada na região sul da França e cortada pelo rio Ródano, é a única cidade que recebeu oficialmente o papado fora de Roma em toda história. Disputas pelo poder envolvendo o rei francês Filipe IV, levaram o papado para a França. O período histórico de 1309 a 1377 ganhou o nome de Papado de Avignon e esta permanência dos papas na região provençal constitui um dos períodos mais conturbados da história da Igreja. Foram sete papas franceses em um período de 68 anos.

Desde o século XII, a região do sul da França era cenário do desenvolvimento intenso de um dos maiores movimentos heréticos da Idade Média, o chamado catarismo ou heresia albigense, que negava a existência de um único Deus e a presença real de Cristo na sagrada eucaristia, propagando a salvação fundamentada apaenas no conhecimento direto de Deus.

Para celebrar a vitória da Igreja contra a heresia albigense, o então rei Luís VIII fez construir a Capela de Santa Cruz, em honra ao Santíssimo Sacramento. Mais ainda, promoveu e participou ativamente de uma procissão ao Santíssimo Sacramento que percorreu várias ruas da cidade e foi encerrada na capela recém-construída, durante a Festa da Exaltação da Santa Cruz em 14 de setembro de 1226. Desde então, teve início a adoração perpétua do Santíssimo Sacramento nesta igreja e, para a salvaguarda dessa devoção, foi instituída a chamada Confraria Real dos Penitentes Cinzentos de Avignon.


Cerca de duzentos anos depois, no final de novembro de 1433, a região foi assolada por chuvas torrenciais que produziram cheias históricas do rio Ródano e a inundação completa das áreas ao seu redor. As águas subiam sem parar e os penitentes da confraria, responsáveis pela devoção eucarística na Capela de Santa Cruz, temeram fortemente pela inundação da igreja. Dois membros da confraria decidiram, então, acessar a igreja por barco e resgatar a custódia contendo o Santíssimo Sacramento antes do pior. Diante deles, entretanto, a situação era bem mais crítica, pois uma muralha de água de quase 1,8m de altura já submergia o local e a própria porta frontal do templo.

Ao adentrarem na igreja, porém, os dois religiosos foram tomados por um estupor sem tamanho: à semelhança da partição das águas do Mar Vermelho, as águas da enchente conformavam dois paredões laterais próximos às paredes internas do templo, mantendo irretocavelmente seco o espaço central da igreja situado desde a porta frontal até o altar, conservando-se intacta, assim, a custódia contendo as hóstias consagradas da ação da enchente.


Após prostarem-se em oração e jubilosos com tal milagre, recolheram o Santíssimo e o conduziram a uma outra igreja em terreno mais elevado e protegido da inundação. A notícia do milagre espalhou-se rapidamente e centenas de pessoas foram testemunhas dele. A confraria franciscana instituiu a celebração do milagre desde então na capela, todos os anos, no dia de Santo André Apóstolo, 30 de novembro. Neste dia, antes da bênção do Santíssimo Sacramento, canta-se ali o Cântico que Moisés teria composto após a travessia do Mar Vermelho (Ex 15, 1-18):

'Cantarei ao Senhor, porque ele manifestou sua glória. Precipitou no mar cavalos e cavaleiros. O Senhor é a minha força e o objeto do meu cântico; foi ele quem me salvou. Ele é o meu Deus – eu o celebrarei; o Deus de meu pai – eu o exaltarei. O Senhor é o herói dos combates, seu nome é Javé. Lançou no mar os carros do faraó e o seu exército; a elite de seus combatentes afogou-se no mar Vermelho; o abismo os cobriu; afundaram-se nas águas como pedra. A vossa (mão) direita, ó Senhor, manifestou sua força. Vossa direita aniquilou o inimigo. Por vossa soberana majestade derrotais vossos adversários; desencadeais vossa cólera, e ela os consome como palha. Ao sopro de vosso furor amontoaram-se as águas; levantaram-se as ondas como muralha, solidificaram-se as vagas no coração do mar. Dizia o inimigo: perseguirei, alcançarei, repartirei o despojo, satisfarei meu desejo de vingança, desembainharei a espada, minha mão os destruirá. Ao sopro de vosso hálito o mar os sepultou; submergiram como chumbo na vastidão das águas. Quem entre os deuses é semelhante a vós, Senhor? Quem é semelhante a vós, glorioso por vossa santidade, temível por vossos feitos dignos de louvor, e que operais prodígios? Apenas estendestes a mão, e a terra os tragou. Conduzistes com bondade esse povo, que libertastes; e com vosso poder o guiastes à vossa morada santa. Ao ouvir isso, estremeceram os povos. Um pavor imenso apoderou-se dos filisteus; os chefes de Edom ficaram aterrados; a angústia tomou conta dos valentes de Moab; tremeram de medo todos os habitantes de Canaã. Caíram sobre eles o terror e a angústia, o poder do vosso braço os petrificou, até que tivesse passado o vosso povo, Senhor, até que tivesse passado o povo que adquiristes para vós. Vós o conduzireis e o plantareis na montanha que vos pertence, no lugar que preparastes para vossa habitação, Senhor, no santuário, Senhor, que vossas mãos fundaram. O Senhor é rei para sempre, sem fim!'.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A ESCOLHA DE MARIA

As palavras de nosso Senhor Jesus Cristo nos advertem que, em meio à multiplicidade das ocupações deste mundo, devemos aspirar a um único fim. Aspiramos porque estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda no tempo do desejo e não na posse plena. Mas devemos aspirar, sem preguiça e sem desânimo, a fim de podermos um dia chegar ao fim.

Marta e Maria eram irmãs, não apenas irmãs de sangue, mas também pelos sentimentos religiosos. Ambas estavam unidas ao Senhor; ambas, em perfeita harmonia, serviam ao Senhor corporalmente presente. Marta o recebeu como costumam ser recebidos os peregrinos. No entanto, era a serva que recebia o seu Senhor; uma doente que acolhia o Salvador; uma criatura que hospedava o Criador. Recebeu o Senhor para lhe dar o alimento corporal, ela que precisava do alimento espiritual. O Senhor quis tomar a forma de servo e, nesta condição, ser alimentado pelos servos, por condescendência, não por necessidade. Também foi por condescendência que se apresentou para ser alimentado. Pois tinha assumido um corpo que lhe fazia sentir fome e sede.

Portanto, o Senhor foi recebido como hóspede, ele que veio para o que era seu, e os seus não o acolheram. Mas, a todos que o receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,11-12). Adotou os servos e os fez irmãos; remiu os cativos e os fez co-herdeiros. Que ninguém dentre vós ouse dizer: Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa! Não te entristeças, não te lamentes por teres nascido num tempo em que já não podes ver o Senhor corporalmente. Ele não te privou desta honra, pois afirmou: 'Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes' (Mt 25,40).

Aliás, Marta, permite-me dizer-te: Bendita sejas pelo teu bom serviço! Buscas o descanso como recompensa pelo teu trabalho. Agora estás ocupada com muitos serviços, queres alimentar os corpos que são mortais, embora sejam de pessoas santas. Mas, quando chegares à outra pátria, acaso encontrarás peregrinos para hospedar? Encontrarás um faminto para repartires com ele o pão? Um sedento para dares de beber? Um doente para visitar? Um desunido para reconciliar? Um morto para sepultar? Lá não haverá nada disso. 

Então o que haverá? O que Maria escolheu: lá seremos alimentados, não alimentaremos. Lá se cumprirá com perfeição, e em plenitude, o que Maria escolheu aqui: daquela mesa farta, ela recolhia as migalhas da palavra do Senhor. Queres realmente saber o que há de acontecer lá? É o próprio Senhor quem diz a respeito de seus servos: Em verdade eu vos digo: 'Ele mesmo vai fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá' (Lc 12,37).

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXXVIII)

 

Capítulo LXXXVIII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - O Relato do Abade Postel sobre a Pobre Serva de Paris

O Abade Postel, tradutor da obra de F. Rossignoli, relata o seguinte fato, ocorrido em Paris, por volta do ano 1827, e que está inserido como nº 27 na sua obra Merveilles du Purgatoire. Uma pobre criada, educada como boa cristã na sua aldeia natal, tinha adotado o piedoso costume de mandar rezar todos os meses uma missa pelas almas defuntas. Os seus patrões mudaram-se para a capital levando-a consigo e, aí também, nunca se descuidou disso, tendo ainda como regra assistir ao Divino Sacrifício e unir as suas orações às do sacerdote, especialmente pela alma que estava mais perto de completar a sua expiação. Esta era a sua intenção habitual.

Deus não tardou prová-la com uma longa doença, que não só lhe causou cruéis sofrimentos, mas também a fez perder o seu lugar de trabalho e dispender os seus últimos recursos. No dia em que pôde deixar o hospital, só lhe restavam um franco e alguns centavos. Depois de ter dirigido aos Céus uma oração fervorosa, cheia de confiança, foi à procura de um serviço. Disseram-lhe que provavelmente encontraria emprego numa certa família no outro extremo da cidade, para onde se dirigiu e, como era obrigada a passar diante da Igreja de Saint Eustache, ali entrou. A presença de um padre no altar recordou-lhe que, neste mês, ela havia esquecido da sua habitual missa pelos defuntos, e que este era o dia em que, desde há muitos anos, estava habituada a fazer tal boa obra. Mas o que é que ela haveria de fazer? Se se desfizesse do seu último franco, não lhe restaria mais nada, nem mesmo algo para matar a fome. Era uma luta entre a devoção e a prudência humana. A devoção levou a melhor. 'Afinal de contas' - disse para si mesma - 'o bom Deus sabe que é para Ele, e Ele não me abandonará!' Entrando na sacristia, fez o seu ofertório para a missa, à qual assistiu com o seu fervor habitual.

Poucos minutos depois, continuou o seu caminho, cheia de ansiedade, como facilmente se pode depreender. Não dispondo de quaisquer meios, o que é que havia de fazer se não conseguisse arranjar emprego? Estava ainda ocupada com estes pensamentos, quando um jovem pálido, de figura esguia e aspecto distinto, se aproximou dela e lhe perguntou: 'Você está à procura de emprego?' - 'Sim, senhor'. 'Pois bem, vá até a rua tal, número tal, à casa de Madame... Penso que a agradarás e serás admitida lá'. Depois de dizer estas palavras, desapareceu no meio da multidão que passava, sem esperar pelos agradecimentos da pobre rapariga.

Ela encontrou a rua, reconheceu o número e subiu aos apartamentos. Uma criada saiu carregando um embrulho debaixo do braço e proferindo palavras de queixa e raiva. 'A senhora da casa está? - perguntou a recém-chegada. 'Pode estar ou pode não estar' - respondeu a outra - 'o que é que isso me interessa? A senhora abrirá a porta se lhe convier e eu não mais me preocuparei com isso. Adeus!' E desceu os degraus. A nossa pobre rapariga tocou a campainha com mão trêmula e uma voz suave convidou-a a entrar. Encontrou-se na presença de uma velha senhora de aspecto venerável, que a encorajou a manifestar a sua necessidade.

'Senhora' - disse a criada = 'soube esta manhã que a senhoea eta´precisando de uma criada e vim oferecer os meus serviços. Asseguraram-me que a senhora me receberia com bondade'. - 'Oh, minha querida filha, o que me dizes é muito extraordinário. Esta manhã não precisava de ninguém; só ao cabo de meia hora é que despachei uma doméstica insolente, e não há ninguém no mundo, exceto ela e eu, que o possa saber. Quem vos mandou, então?' - 'Foi um cavalheiro, senhora; um jovem cavalheiro que encontrei na rua, que me mandou vir aqui para este fim, e eu louvei a Deus por isso, porque é-me absolutamente necessário que eu encontre um serviço hoje porque não tenho uma moeda nos bolsos'.

A velha senhora não estava compreendendo quem era a pessoa, e estava perdida em conjecturas, quando a criada, erguendo os olhos para os móveis da pequena sala, viu um retrato. 'Veja, senhora' - disse ela imediatamente - 'não se confunda mais; este é o retrato do jovem cavalheiro que falou comigo. É por causa dele que eu vim'.

A estas palavras, a senhora soltou um grande grito e pareceu perder a consciência. Fez a rapariga repetir a história da sua devoção às almas do Purgatório, da missa da manhã e do seu encontro com o desconhecido; depois, lançando-se sobre o pescoço da rapariga, abraçou-a no meio de uma torrente de lágrimas e lhe disse: 'A partir de agora não serás minha serva; serás a minha filha. É o meu filho, o meu único filho, que viste - o meu filho, morto há dois anos, que deve a ti a sua libertação, e que Deus mandou enviar-te até aqui. Não tenho como duvidar disso. Que sejas, pois, abençoada, e rezemos continuamente por todos aqueles que ainda padecem no limiar da eternidade abençoada'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A BÍBLIA EXPLICADA (XXV) - A CRIAÇÃO


Existem duas narrativas distintas sobre a criação: a primeira, de forma mais estilística, detalhada a seguir, e a segunda, mais formal e didática, na qual a abordagem é exposta sob o ponto de vista humano, visando apresentar, pela própria sucessão dos acontecimentos, a relação que as criaturas, como dons de Deus, têm para com o homem. 

Na primeira narrativa da criação é de evidência imediata a forma estilística particular, cuja lei suprema, no antigo Oriente, era a simetria. Esta simetria, além de utilizar da repetição de fórmulas semelhantes, exigia que se desdobrasse um pensamento ou acontecimento em duas partes que, embora não fossem absolutamente idênticas, esteticamente ficassem em confronto. Uma vez que uma coisa só não pode ser simétrica, sendo duas pelo menos exigidas para isso; se a coisa a ser expressa fosse uma só, era necessário subdividi-la, considerando-a sob dois aspectos diferentes. Por exemplo:

'Não é o discípulo maior que o seu mestre nem o servo maior que o seu patrão; basta ao discípulo tornar-se como o seu mestre e ao servo, como o seu patrão' (Mt 10, 24).

Nesta narrativa artística, o protagonismo da criação é expresso sob a forma de oito quadras sucessivas, repetindo oito vezes os mesmos sete tipos de fórmulas: 1. introdução; 2. mandado; 3. execução; 4. descrição; 5. denominação ou bênção; 6. louvor e 7. conclusão:

1. E disse Deus:
2. faça-se a luz;
3. e a luz foi feita.
4. e separou Deus a lua das trevas.
5. e chamou Deus à luz dia e às trevas chamou noite
6. e viu Deus que a luz era boa
7. e foi tarde e foi manhã, um dia

Estas fórmulas não se repetem uniformemente, mas são quebradas em partes menores (6 ou 5), para se estabelecer um padrão clássico de simetria entre as oito quadras:


Neste contexto de simetria regular, a Bíblia apresenta de forma artística a narrativa da Criação da seguinte forma geral (em 8 quadras):




(Excertos adaptados da obra 'Páginas Difíceis da Bíblia - Antigo Testamento', de E. Galbiati e A. Piazza)

terça-feira, 3 de setembro de 2024

3 DE SETEMBRO - SÃO GREGÓRIO MAGNO

 

Gregório (540 - 604), monge beneditino e doutor da Igreja, foi papa entre 3 de Setembro de 590 e 12 de março de 604. De família nobre romana, assumiu inicialmente carreira política (foi pretor de Roma). Mais tarde, ao conhecer os escritos de São Bento, abandonou tudo, doando os seus bens aos pobres e, ingressando na vida monacal, fundou vários mosteiros regulados pelas regras de São Bento

Eleito papa em 590 como Gregório I, defendeu a supremacia do papado e trabalhou arduamente pela reforma do clero e da vida monástica. Publicou a chamada 'Regra Pastoral', um verdadeiro manual de santidade para os servos de Deus.  Promoveu o fervor missionário e um amplo e completo trabalho de reorganização da estrutura administrativa e litúrgica da Igreja, consolidando preceitos litúrgicos, sistematizando procedimentos da vida religiosa, padronizando as funções e os rituais católicos, promovendo a unificação territorial da Igreja, fomentando a música religiosa (chamada hoje de 'canto gregoriano'), instituindo o rito latino da Santa Missa e a proposição de dogmas (a existência do Purgatório) e redefinindo historicamente o papel e a dimensão social e espiritual da Santa Igreja de Cristo. 

Esta extraordinária conjunção de realizações valeu-lhe o aporte do adjetivo 'magno', honra devida a apenas um outro papa além dele - São Leão Magno. É o quarto e último dos originais Doutores da Igreja latina. Mas este papa personalíssimo, marco fundamental da História da Igreja e do primado da civilização cristã se autodefinia apenas como servus servorum Dei - servo dos servos de Deus.


Dos Escritos de São Gregório Magno (sobre a existência do Purgatório)

'Tal como alguém sai deste mundo, assim se apresenta no Juízo. Porém, deve-se crer que exista um fogo purificador para expiar as culpas leves antes do Juízo. A razão para isso é que a Verdade afirma que se alguém disser uma blasfêmia contra o Espírito Santo, isto não lhe será perdoado nem neste século nem no vindouro. Com esta sentença se dá a entender que algumas culpas podem ser perdoadas neste mundo e algumas no outro, pois o que se nega em relação a alguns deve-se compreender que se afirma em relação a outros (...) No entanto, tal como já disse, deve-se crer que isto se refere a pecados leves e de menor importância' (Diálogos 4,39: PL 77, 396).

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (366/370)

 

366. O MELHOR CARNAVAL

Um oficial espanhol viu um dia São Pedro Claver com um grande saco às costas.
➖ Padre, aonde vai com esse saco?
➖ Vou fazer carnaval; pois não é tempo de festança?
O oficial quis ver isso de perto e o acompanhou.
O santo entrou em um hospital. Os doentes alvoroçaram-se e lhe fizeram festa; muitos o rodearam, porque o santo, passando com eles uma hora alegre, repartiu presentes e regalos até que se esvaziasse completamente o saco.
➖ E agora? - perguntou o oficial.
➖ Agora venha comigo e vamos à igreja rezar por esses infelizes que, lá fora, julgam que têm o direito de ofender a Deus livremente por ser tempo de carnaval.

367. PROFANAÇÃO DAS FESTAS RELIGIOSAS

Diz uma lenda que certo dia os demônios se reuniram em congresso para estudar o melhor meio de cancelar do calendário os dias festivos. 'Os dias santos' - diziam eles - 'são um desastre para nós: nesses dias honra-se a Deus, celebra-se a missa pela remissão dos pecados e muitos dos que conquistamos durante a semana escapam de nossas mãos! E' preciso acabar com as festas religiosas!'

Mas, hoje em dia, creio que, se Deus mesmo quisesse abolir as festas, os demônios se reuniriam num segundo congresso para protestar contra essa medida e diriam: 'Não, não; deixai como está; os dias festivos são para nós os de maior negócio; preferimos que multipliqueis os dias festivos, porque assim lucraremos muito mais!'

Acautela-te, meu irmão; não entres na fila desses profanadores dos domingos e dias santos, que nada mais são do que sequazes do demônio!

368. EIS O LIVRO

São Boaventura recebeu um dia a visita de São Tomás de Aquino, o qual lhe manifestou o desejo de conhecer a biblioteca onde adquirira tantos e tão sublimes conhecimentos. São Boaventura, em lugar da biblioteca, mostrou-lhe o seu Crucifixo, gasto pelos ósculos e lágrimas com que o inundava. Aquele era o seu livro de meditações; dele haurira a ciência que possuía.

369. VAI E ENTERRA-O!

Dois mendigos, que com falsos remendos fingiam necessidade, sabendo que por ali ia passar o bispo São Epifânio, para conseguir dele uma gorda esmola, usaram do seguinte ardil. Um se fingiu de morto e o outro começou a lamentar-se pedindo dinheiro ao santo para a mortalha e o enterro. 

O santo parou, fez  uma oração e, tendo-lhe dado o que pedia, prosseguiu o seu caminho. 'Pregamos-lhe uma boa peça! Levanta-te'. Mas, que levantar que nada! O homem morrera deveras. Aflito, correu o outro atrás do santo e confessou-lhe o seu pecado, pedindo misericórdia. Mas o santo bispo, muito sério e grave, disse-lhe: 'Com Deus não se brinca. Essa é a recompensa dos mentirosos. Agora vai e enterra-o!'.

370. AONDE VAIS?

O venerável Padre José de Anchieta, fundador da cidade de São Paulo e grande missionário, viu um dia um homem, que saía precipitadamente para ir matar um inimigo seu.
➖ Aonde vais? - perguntou-lhe o servo de Deus.
➖ Vou dar um passeio, padre.
➖ Não, meu amigo; vais lançar-te no inferno, como bem o prova o punhal que levas aí escondido.
Vendo-se descoberto, o homem se arrependeu e desistiu imediatamente do seu mau intento.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


domingo, 1 de setembro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo, habitará?' (Sl 14)

Primeira Leitura (Dt 4,1-2.6-8) - Segunda Leitura (Tg 1,17-18.21b-22.27) -  Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23)

  01/09/2024 - VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM

39. PUROS DE CORAÇÃO


Jesus veio ao mundo para trazer a Boa Nova do Evangelho, para nos despir do homem velho e nos revestir do homem novo, partícipes da Santidade de Deus que é a Verdade Absoluta e para nos libertar de toda sombra do pecado, de toda malícia humana, de todo o obscurantismo de uma fé moldada pelas aparências e pela exterioridade supérflua de práticas inócuas e vazias... No Evangelho deste domingo, nos deparamos, mais uma vez, como esta passagem do velho homem para o novo homem é um primado de rejeição para os que se aferram sem tréguas aos valores humanos.

Com efeito, os escribas e os fariseus, presenças constantes no Templo e submissos ao extremo das más interpretações da lei mosaica, ficaram petrificados pelo zelo dos costumes antigos, arraigados a práticas absurdas e a minúcias ridículas que transformavam as atividades cotidianas mais simples em complexos rituais de purificação: 'os fariseus e todos os judeus só comem depois de lavar bem as mãos, seguindo a tradição recebida dos antigos. Ao voltar da praça, eles não comem sem tomar banho. E seguem muitos outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras e vasilhas de cobre' (Mc 7,3-4). Divinizaram os preceitos humanos, impuseram como dogmas hábitos comezinhos, exteriorizaram ao extremo as abluções e os banhos para se resgatarem, da impureza das mãos ou do corpo, como homens livres do pecado...

Estes homens velhos, empedernidos e envilecidos por normas decrépitas e insanas, ansiosos por denunciar o Mestre, questionam Jesus: 'Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?' (Mc 7,5). Estes hipócritas, que postulavam princípios externos cheios de melindres que não suportam o menor testemunho interior de fidelidade à graça, vão receber de Jesus as palavras de recriminação do profeta Isaías: 'Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’ (Mc 7,6-7). E adiante, pela definitiva reprovação: 'Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens' (Mc 7,8).

Jesus chama para si a multidão e decreta aos homens de boa fé que a fonte de todas as impurezas é o coração humano, entregue a toda sorte de males, quando órfão da graça: 'Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem' (Mc 7,21-23). Domar o coração e manter a serenidade da alma sob o domínio da graça, eis aí a fonte da água viva que faz nascer, no interior do homem, as sementeiras da vida eterna.