79. Na verdade, ninguém deseja ser considerado orgulhoso pois, mesmo segundo os critérios mundanos, a maior acusação que se pode fazer a um homem é dizer que ele é orgulhoso. E, no entanto, poucos tentam evitar exatamente aquilo de que menos gostariam de ser acusados pelos outros. Se sentimos satisfação interna quando somos creditados com uma humildade que não possuímos, por que não nos esforçamos para adquirir aquilo com o qual gostamos de ser creditados? Se buscamos a sombra vã da humildade, isso significa que nos importamos muito pouco com a substância dessa virtude. Um homem que se contentaria com a aparência da virtude sem tentar adquiri-la de fato se assemelharia a um mercador que valoriza pérolas e gemas falsas mais do que as reais.
Ó minha alma, talvez tu também estejas entre aqueles que, sendo orgulhosos, ressentem-se da acusação de orgulho e desejam ser considerados humildes! Isso seria mentir para tua própria consciência, mentir para Deus, para os seus anjos e para os homens. Como diz São Paulo: 'Somos feitos um espetáculo para o mundo, para os anjos e para os homens' [1Cor 4,9]. É vergonhoso para nós desejar parecermos humildes quando não o somos. Há certas ocasiões em que, em nossos atos interiores, devemos praticar a humildade; mas devemos vigiar sobre nós mesmos cuidadosamente, para que ao praticá-la não queiramos ser considerados humildes. E é por isso que os atos ocultos de humildade são mais seguros do que os exteriores. Mas se há orgulho no desejo de que a humildade que temos seja reconhecida e conhecida, que medida de presunção não haveria no desejo de ser considerado humilde quando não temos humildade? Cuidemos para que as palavras da Sagrada Escritura não se apliquem a nós: 'Há aquele que se humilha perversamente, e seu interior está cheio de engano' [Eclo 19,23].
80. Quanto mais refletimos sobre essa grande virtude da humildade, mais devemos aprender a amá-la e honrá-la. É natural para a alma amar um bem que ela reconhece como tal, e não há dúvida de que amaremos a humildade quando reconhecermos seu valor intrínseco e o bem que dela resulta. Nosso amor pelo que é bom é medido pelo nosso conhecimento dele, e na mesma medida em que amamos, desejamos obtê-lo, e na medida em que o desejamos, abraçamos os meios mais apropriados e eficazes para adquiri-lo. Foi assim que o Sábio agiu para obter sabedoria. Ele a amou, desejou e orou por ela, e aplicou toda sua mente para possuí-la, tamanha era a estima em que a tinha: 'Por isso desejei, e a inteligência me foi dada, e a preferi aos reinos e tronos, e estimei as riquezas como nada em comparação com ela' [Sb 7,7].
É necessário compreender completamente essa doutrina, porque nunca conseguiremos adquirir humildade a menos que realmente a desejamos obtê-la; nem a desejaremos a menos que tenhamos aprendido a amá-la, nem a amaremos a menos que tenhamos percebido o que a humildade realmente é um grande e precioso bem, absolutamente essencial para o nosso bem-estar eterno. Considere por um momento em que estima você tem a humildade. Você a ama? Você a deseja? O que você faz para adquiri-la? Você pede essa virtude a Deus em suas orações? Você recorre à intercessão da Bem-aventurada Virgem? Você lê com vontade aqueles livros que tratam da humildade ou as vidas dos santos mais notáveis por sua humildade? 'Há uma certa vontade' - diz São Tomás - 'que é melhor ser chamada de desejo de querer do que a vontade absoluta em si mesma' [3ª parte, q. xxi, art. 4], pela qual parece que podemos querer uma coisa e ainda assim não querer. Portanto, examine-se e veja se seu desejo de humildade é apenas uma simples vontade passageira ou realmente está em sua vontade.
81. Para ser humilde, devemos nos conhecer; e esse autoconhecimento é difícil, mas apenas por causa de nosso orgulho, cujo efeito principal é nos cegar. Portanto, para adquirir a virtude da humildade, devemos primeiro lutar contra e subjugar seu inimigo, o orgulho; e para superá-lo - tendo orado a Deus, como a valente Judite: 'Fazei, ó Senhor, que o seu orgulho seja cortado' [Jd 9,12] - três outras coisas são necessárias. Primeiramente, ao meditar sobre o assunto, devemos sentir ódio e aversão ao nosso orgulho, porque nunca conseguiremos nos livrar de todos os males que afetam nossa alma enquanto continuarmos a amá-los. Em segundo lugar, devemos fazer uma firme resolução de emenda a todo custo, porque, sob qualquer aspecto que consideremos, isso sempre será para nosso benefício. Em terceiro lugar, devemos imediatamente nos esforçar para arrancar todos os nossos hábitos de orgulho, especialmente os mais predominantes, pois é bem sabido que quanto mais tempo permitimos que um mau hábito cresça, mais forte ele se tornará, e maior será a nossa dificuldade em erradicá-lo: 'E eu disse, agora comecei' [Sl 76,11].
Não devemos perder o ânimo nem nos desanimar, mas confiar na misericórdia de Deus, o que é, acima de tudo, mais necessário: 'Confia ao Senhor a tua sorte, espera nele, e ele agirá' [Sl 36,5]. É pela graça de Deus que podemos vencer nossas numerosas paixões malignas, e é através dEle que podemos esperar subjugar nosso orgulho. Portanto, clamemos a Ele com o Rei Davi: 'meu benfeitor e meu refúgio, minha cidadela e meu libertador, meu escudo e meu asilo, que submete a mim os povos' [Sl 143,2].
82. Não é bom aplicarmos nossos esforços para erradicar um defeito, quando sabemos que, ao fazê-lo, nossos corações se alegrarão? E, portanto, não é verdade que, uma vez subjugado o nosso orgulho, que é a causa de tantos dos nossos problemas, seremos muito mais felizes? Sentimos uma aversão natural pelos orgulhosos e não podemos amá-los; mas será que este instinto de aversão que temos pelos orgulhosos não pode ser sentido por outros em relação a nós? Pois é verdade que 'o orgulho é prejudicial sempre' [Eclo 10,7]. Às vezes lamentamos que os outros não nos amem ou nos estimem. Vamos examinar a causa, e veremos que ela provém do nosso orgulho. Por outro lado, não vemos a afeição que geralmente é demonstrada aos humildes? Todos buscam sua companhia, todos depositam confiança neles, todos desejam o bem deles. Isso também aconteceria conosco se fôssemos humildes; e que felicidade sentiríamos ao amar e ser amados por todos! A princípio parece que esta é uma questão de respeito humano; mas é inspirada pela caridade, vem de Deus e do desejo de nos assemelhar a Ele. A humildade veste o mesmo traje que a caridade, que, como diz São Paulo, 'é paciente, é bondosa, não inveja, não se ufana, não é ambiciosa' [1Cor 13,4]. E é fácil revestir a humildade com as mesmas intenções virtuosas da caridade.
83. O orgulho é a raiz de todos os nossos vícios, de modo que, quando o arrancarmos de uma vez por todas, esses vícios desaparecerão, pouco a pouco, também. Esta é a verdadeira razão pela qual temos que acusar-nos dos mesmos pecados repetidamente em nossas confissões, porque nunca confessamos o orgulho, que é a raiz de todos eles. Não nos espantamos ao ver a figueira dando seus figos ano após ano e a macieira as suas maçãs. Não; porque cada árvore dá o seu próprio fruto. Da mesma forma, o orgulho está enraizado como uma árvore em nossos corações; e nossos pecados de ira, inveja, ódio, malícia, falta de caridade e julgamentos precipitados sobre os outros, que confessamos repetidamente, são o fruto do orgulho; mas como nunca atacamos a raiz desse orgulho, esses mesmos pecados, como galhos podados, sempre brotam novamente. Vamos nos esforçar para erradicar o orgulho de maneira completa, seguindo o conselho de São Bernardo: 'Coloque o machado na raiz' [Sermão 2 de Assunção], e então teremos grande alegria e consolação em nossa própria consciência.
Devemos considerar o orgulho como o rei de todos os vícios e seguir o sábio conselho dado pelo rei da Síria aos seus capitães: 'Não lutareis contra ninguém, grande ou pequeno, mas contra o rei somente' [1 Rs 23,31]. Judite também, ao matar o orgulhoso Holofernes, conquistou todo o exército assírio. E Davi triunfou sobre todos os filisteus ao matar o orgulhoso Golias; da mesma forma, também triunfaremos, porque ao conquistar o orgulho, teremos subjugado todos os outros vícios. O rei Davi errou em uma coisa, pois sabendo que Absalão era o chefe dos rebeldes, ainda assim ordenou que ele não fosse morto nem ferido: 'Salve-me o menino Absalão' [2Rs 17, 15]. Ai, quantos imitadores ele encontrou! Sabemos muito bem que o orgulho é o principal rebelde entre todas as nossas paixões, mas, no entanto, é o que mais parecemos respeitar, e quase temos medo de ofendê-lo, chegando até mesmo a demonstrar uma tendência a incentivá-lo.
84. Existem certos pecados que raramente ou nunca mencionamos em nossas confissões, seja porque nossa consciência é muito tranquila e flexível, ou talvez porque realmente não desejamos nos corrigir. O orgulho é um desses pecados; são poucos os que se acusam dele; mas aqueles que realmente desejam corrigir suas vidas devem torná-lo um assunto especial de seu exame e confissão, a fim de aprender a odiá-lo e se arrepender dele; e fazer resoluções firmes de emenda para o futuro.
Quem deseja fazer uma boa confissão não deve apenas confessar os seus pecados, mas também a razão e a ocasião do pecado; dizendo, por exemplo: 'Acuso-me de ter me deleitado com pensamentos impuros, causados pela falta de guarda dos olhos, liberdade excessiva de palavras e comportamento frívolo'. E, da mesma forma, devemos confessar nossos pecados de orgulho, dizendo: 'Acuso-me de ter me irritado e incomodado com aqueles ao meu redor, e a única razão da minha ira e incômodo foi o meu orgulho. Acuso-me de ter invejado e até de ter tomado o que pertencia a outros, apenas para satisfazer o meu orgulho e vaidade. Também falei com desprezo do meu próximo, e isso novamente por causa do meu orgulho, que não suporta que ninguém seja considerado superior a mim'. Continue examinando todos os seus defeitos da mesma forma, e você encontrará a verdade nas palavras inspiradas:
'O espírito se eleva antes da queda' [Pv 16,18] e 'Antes da destruição, o coração do homem se exalta' [Pv 18,12]. Para subjugar o nosso orgulho, é bom mortificá-lo e envergonhá-lo por meio dessas acusações, que também são atos de virtuosa humildade, mas é mais necessário ainda insistir em nossa própria emenda, pois 'De que adianta humilhar-se aquele que faz o mesmo novamente?' [Eclo 34,31]. Não basta confessarmos nossos pecados, diz as Sagradas Escrituras, mas também é necessário emendá-los para obter a misericórdia de Deus: 'Quem confessar seus pecados e os abandonar, obterá misericórdia' [Pv 28,13].
85. A humildade de coração, ensina São Tomás, não tem limite pois, diante de Deus, podemos sempre nos humilhar mais e mais, até a total nulidade, e podemos fazer o mesmo em relação aos nossos semelhantes. Mas no exercício desses atos exteriores de humildade, é necessário agir com discrição para não cair em uma extravagância que possa parecer excessiva. 'A humildade' - diz São Tomás - 'reside principalmente na alma', e, portanto, um homem pode se submeter a outro no que diz respeito aos seus atos interiores, e é isso que São Agostinho quer dizer quando afirma: 'Diante de Deus, um prelado é colocado sob seus pés mas, nos atos exteriores de humildade, é necessário observar a devida moderação' [2a 2æ, q. clxi, art. 3 ad 3].
Uma profunda humildade deve existir em todo estado de vida, mas os atos exteriores de humildade não são aconselháveis para todos. Por isso, as Escrituras Sagradas dizem: 'Cuidado para não ser enganado pela loucura e ser humilhado' [Eclo 13,10]. Podemos aprender com a piedosa Ester como praticar a humildade de coração em meio à pompa e aos louvores: 'Tu sabes da minha necessidade' - ela clamou a Deus 'que abomino o sinal do meu orgulho' [Est 14,16]. Eu me visto com essa roupa rica e com essas joias porque minha posição exige, mas Tu, Senhor, vês o meu coração, que pela Tua graça não tenho apego a essas coisas nem a essa vestimenta, e que só as uso por necessidade. Aqui, de fato, está um grande exemplo daquela verdadeira humildade interior que pode ser praticada e sentida em meio à grandeza externa. Mas agora chegamos ao ponto. Esta humildade de coração deve realmente existir diante de Deus, cujos olhos contemplam os movimentos mais ocultos do coração; e se ela não existir, que desculpa podemos alegar diante do tribunal de Deus para nos justificarmos por não tê-la? E quanto mais facilmente a teríamos adquirido agora, mais inaceitável será para nós no dia do Juízo.
86. A malícia do orgulho reside, na realidade, no desprezo prático que mostramos pela vontade de Deus ao desobedecê-la. Assim, diz São Agostinho, há orgulho em todo pecado cometido, 'pelo qual desprezamos os mandamentos de Deus' [Lib. de. Salut. docum. c. xix]. E São Bernardo explica da seguinte forma: 'Deus nos manda fazer a sua vontade, Deus deseja que a sua vontade seja feita'; e o pecador, em seu orgulho, prefere a sua própria vontade à vontade de Deus: 'E o homem orgulhoso deseja que sua própria vontade seja feita'.
E é esse orgulho que aumenta tanto a gravidade do pecado; e quão grande deve ser o nosso pecado quando, sabendo em nossas mentes que Deus merece ser obedecido por nós, nos opomos à nossa vontade, à vontade de Deus, a quem sabemos ser digno de toda obediência. Que maldade há em dizer a Deus: 'Não servirei' [Jr 2,20] quando sabemos que todas as coisas servem a Ele [Sl 128,91]. Para ilustrar isso, imaginemos uma pessoa dotada das qualidades mais nobres possíveis, como saúde, beleza, riquezas e nobreza e com todo talento natural e graça do corpo e da alma. Agora, pouco a pouco, vamos retirar dessa pessoa todos esses dons que vêm de Deus. A saúde e a beleza são dons de Deus; as riquezas e a posição social, o conhecimento e a sabedoria, e todas as outras virtudes vêm de Deus; o corpo e a alma pertencem a Deus. E, sendo assim, o que resta para essa pessoa de sua própria posse? Nada; porque tudo o que é mais do que nada pertence a Deus.
Mas quando essa pessoa diz de si mesma: 'Eu tenho riquezas, tenho saúde e tenho conhecimento', o que significa esse 'eu'? Nada e, no entanto, esse 'eu', esse nada, que deriva tudo o que possui de Deus, ousa desconsiderar esse mesmo Deus desobedecendo aos seus soberanos mandamentos, dizendo-lhe, se não em palavras, certamente em atos, o que é muito pior: 'Não servirei'; não, não obedecerei. Ah, orgulho, orgulho! Mas, ó minha alma, 'por que teu espírito se exalta contra Deus?' [Tb 15,13]. Não estou certo em pregar e recomendar essa humildade a ti? Cada vez que tu pecas, és como o orgulhoso Faraó que, quando foi instruído a obedecer aos mandamentos de Deus, disse: 'Quem é esse Deus? Eu não o conheço' [Ex 5,2].
('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)