A experiência pastoral e espiritual convenceu São Francisco de Sales de que existe uma hierarquia espiritual entre as pessoas.
Deus ama certamente todas as suas criaturas, e seu Filho morreu
por todos os homens. Francisco sustentará esta verdade então
desconhecida: o chamado evangélico à perfeição do amor é único
e universal, igual para todos.
Mas as vocações concretas são subjetivamente diversas: cada um
responde com sua capacidade.
As causas têm diferentes motivos:
diversidade de dotes naturais, caráter, educação, ambiente, relações.
Diversidade também no modo mais ou menos generoso com que
reage a liberdade humana. Devida, enfim, ao mistério da liberalidade
divina, mais ou menos abundante para cada um. É preciso instruir,
estimular, educar cada alma individualmente. Um pastor de almas
sabe muito bem que não pode esperar os mesmos frutos de todos, e
que alguns têm necessidade de atenções particulares.
Francisco de Sales aceita claramente a idéia de uma elite cristã,
à qual vale a pena dedicar de maneira especial tempo e cuidados.
Foi para essa elite que escreveu. Mas, atenção! Não se trata absolutamente de uma espécie de 'racismo' no seio da Igreja. Essa elite é de caráter espiritual e não social: é constituída somente pelo grau
de amor, e não por posições de privilégio.
Francisco a procura em toda a parte: no mundo e nos conventos, no campo, na montanha e na cidade, entre padres e entre
leigos, entre ricos e entre pobres e ignorantes. É suficiente ter um
coração generoso capaz de amar. É suficiente ser philo-theós ou
theós-timo, ou seja, 'devoto' ou 'enamorado de Deus'.
Uma observação inevitável: Francisco encontrou essas almas
eleitas especialmente em muitas mulheres. Estimava-as muito, com
elas se encontrava perfeitamente à vontade, sempre com reserva
sorridente. E se preocupava vivamente com sua educação espiritual,
contra a tradicional corrente antifeminista ainda dominante à época. Muitos contemporâneos o criticaram e acusaram de se ocupar
somente com elas. Monsenhor Adriano Bourdoise, famoso pregador
de Paris, um dia lhe disse: 'O senhor é bispo e só se ocupa com mulheres'!
A resposta foi cristalina: 'Cabe aos ourives manejar o ouro e aos oleiros manejar a
terra'.
Notamos ainda que, para ele, ocupar-se daquelas almas eleitas era
uma maneira de conduzir a Deus, na caridade, todo o povo cristão. Os que de Deus receberam mais têm também o dever de dar mais aos
seus irmãos, e de fazê-lo, por quanto possível, unidos entre si. Todos
os devotos devem colaborar nesta elevação, qualquer que seja o seu
nível social, cada um trabalhando onde a Providência o colocou: o
advento do Reino de Deus exige contribuição ativa de todos.
Francisco inscrevia os fieis nas confrarias, e ele próprio fundou
várias. Reuniu na Academia Florimontana os melhores intelectuais.
Também nós, hoje, os convidamos a participar em movimentos
apostólicos ou de vida evangélica.
Em concreto, é necessário levar em
consideração o itinerário pessoal de cada um. Cada alma tem sua história e seu segredo. É amada por Deus em todo momento. Deus
a toma exatamente no ponto em que se encontra, para fazê-la dar
passos para frente. Toda alma deve, pois, aceitar-se assim como é,
e seu diretor espiritual deve tomá-la em seu caminho.
É fácil a tentação de englobar todas as almas na mesma situação
e constrangê-las a caminhar todas com o mesmo passo, queimando etapas, impacientes por chegar à meta.
Francisco de Sales nos
lembra que cada alma tem sua graça, suas luzes, suas inspirações e,
conseqüentemente, o seu ritmo.
Toda a vida cristã é um itinerário onde se constatam progressos
e regressos, tempos de parada e de avanço, às vezes rápidos, às vezes
lentos. O amor de Deus nos colhe na nossa história de criaturas
em movimento. Também o diálogo entre Deus e a alma é uma
história sempre pessoal, na qual opera o mistério insondável das
predileções divinas. O importante é ir adiante sempre e não estacionar na
mediocridade.
(Excertos da obra 'Francisco de Sales - Um Mestre da Espiritualidade', de Joseph Aubry)