quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

VÓS SOIS OS TEMPLOS SANTOS DE DEUS!

Eu e o Pai viremos e faremos nele nossa morada. Franqueia, então, a tua porta ao que vem, abre tua alma, alarga o íntimo de tua mente para veres as riquezas da simplicidade, os tesouros da paz, a doçura da graça. Dilata o coração e corre ao encontro do sol, da eterna luz, a que ilumina a todo homem. Esta luz verdadeira brilha para todos. Mas, se alguém fecha as janelas, priva-se da eterna luz. Assim também Cristo é repelido se fechas a porta de teu espírito. Embora possa entrar, não quer ser importuno, não quer entrar à força. Recusa-se a usar de coação!

Nascido da Virgem, ele saiu do seio, irradiando luz sobre o mundo inteiro, refulgindo para todos. Os que desejam, acolhem a claridade inextinguível que noite alguma interrompe. Pois à luz do sol que vemos diariamente, sucede a noite escura; mas o sol da justiça jamais se põe, porque à sabedoria não sucede a maldade.

Feliz aquele a cuja porta Cristo bate. Nossa porta é a fé, que, quando sólida, defende a casa toda. Por esta porta Cristo entra. Daí dizer a Igreja no Cântico: 'Eis a voz do meu amado. Ele bate. Abre-me, minha irmã, minha amada, minha pomba, minha perfeita; minha cabeça está coberta de orvalho, e os cachos de meus cabelos cheios das gotas da noite' (Ct 5,2). Observa que o Deus Verbo bate à porta principalmente quando sua cabeça está coberta de orvalho noturno. Digna-se visitar os atribulados e amargurados, para que não sucumbam às amarguras. A cabeça cobre-se de orvalho e de gotas quando o corpo sofre. Importa, portanto, vigiar para não ficar excluído à chegada do Esposo. Se dormes e o teu coração não vigia, afasta-se antes de bater. Se o teu coração está vigilante, bate e pede ser-lhe aberta a porta.

Possuímos a porta de nossa alma, possuímos também portais sobre os quais se diz: 'Levantai, príncipes, vossos portais, erguei-vos, portas eternas, e entrará o Rei da glória'. Se quiseres levantar os portais de tua fé, entrará em ti o Rei da glória, trazendo a vitória de sua paixão. Tem também portas à justiça. Delas lemos o que disse o Senhor Jesus por meio de seu profeta: 'Abri-me as portas da justiça' (Sl 118,19). Há quem tenha portas, há quem tenha portais. A essas portas Cristo bate, bate também aos portais. Abre, então, para Ele que quer entrar e encontrar vigilante a Esposa.

(Excertos do 'Do comentário sobre o Salmo 118', de (Santo Ambrósio)

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS (394/398)

 

CONTOS DE FANTASIA (LENDAS)

394. O PODER DE SÃO JOSÉ 

Havia um homem, devoto de São José, que não se preparou para a morte e, assim mesmo, quis entrar no céu. Mas São Pedro, vendo-o chegar manchado, fechou-lhe a porta e deixou-o sentado no corno da lua. Entretanto não faltou quem fosse contar o caso a São José, o qual se apresentou diante do trono de Deus para pedir graça para seu devoto. O Senhor negou-lhe a graça. São José disse que era um devoto seu. 'Devoto que acende uma vela a ti e duas ao demônio...?'

São José, porém, decidido a vencer, disse:
➖ Se meu devoto não entrar no céu, eu me vou embora.
➖ Pois então vai! - disse o Senhor.
São José, que não esperava essa resposta, de chapéu na mão, dirigia-se para a porta; mas, no meio do caminho, virou-se e disse:
➖ Se eu for, não irei só; deve ir comigo também a minha esposa.
➖ Pois que vá!
➖ Mas levando minha esposa, devo levar tudo que lhe pertence...
➖ Pois que leve tudo! - disse o Senhor.
➖ Tenho aqui uma lista completa - E São José, em pé no meio do paraíso, começou a ler: 'Rainha dos Anjos!' - e já todos os anjos voaram para a porta; Rainha dos Patriarcas! - e eles foram se enfileirando perto da porta; Rainha dos Mártires! - vão todos eles também para a porta. E quando São José ia clamar: Rainha de todos os Santos!...
➖ Olha, José; corre, vai dar um banho no teu devoto e, depois, faça que ele entre no céu; porque, se me empenho em não deixá-lo entrar, por justiça fico sozinho no céu!

395. A SOPINHA DE JESUS

A Sagrada Família estava no desterro do Egito. Ia caindo a tarde e São José não conseguira terminar seu trabalho para receber o pagamento. Suspirando olhava para sua castíssima esposa, a qual, adivinhando o que se passava no coração de José, disse-lhe:
➖ Não temas; tenho um pouco de leite e pão e farei uma sopinha para o nosso querido Menino; nós comeremos amanhã, se Deus quiser.

No mesmo instante em que se dispunha a dar a Jesus o humilde alimento, uma voz trêmula implorava uma esmola. O Menino olhou para sua Mãe e ela disse: 
➖ Não temos nada, meu Filho!
O Menino corre, toma a tigelinha de sopa e leva-a ao velhinho que pedia esmola. E José e Maria choraram em silêncio, vendo Jesus fazer aquele sacrifício, prelúdio do sacrifício da Cruz, que êle mesmo ofereceria ao Pai eterno.

396. AS POMBINHAS DO MENINO JESUS

O Menino Jesus estava brincando com outros meninos às margens do rio Nilo. Faziam passarinhos de areia. Jesus fazia-os tão lindos, que Nossa Senhora, ao contemplá-los, exclamou: 'Que pena que não tenham vida!'

Jesus para comprazer a sua mãe, deu vida às suas duas pombinhas e as fez voar. Recomendou-lhes que não fossem para muito longe e não se ajuntassem com as aves de rapina. Sobre a cúpula do templo de Menfis estavam as outras pombas e para lá se foram elas também. Eis que, ao chegar o gavião para persegui-las uma fugiu imediatamente e foi refugiar-se junto de Nossa Senhora; a outra demorou-se e, ao regressar à tarde, apresentava muitos ferimentos e poucas penas. Jesus tomou-a entre as mãos e curou-a. No dia seguinte repetiu-se a cena, e a pombinha ferida regressou quando a Sagrada Família já se havia recolhido em sua casinha. Assentou-se na janela e São José a recolheu e Jesus curou-a de novo e fez-lhe muitas advertências e deu-lhe muitos conselhos. Na manhã seguinte repetiram as pombas o seu passeio, mas a desobediente foi devorada pelo gavião.

O mesmo acontece com tantos cristãos que, por sua imprudência, caem nas garras do demônio, que os corrompe e mata!

397. A MÃO MAIS LINDA

Três meninos iam muito alegres à cidade, onde o que tivesse a mão mais linda ganharia um prêmio. Chegou um deles ao bosquezinho de nardos: uma a uma foi tocando as olorosas flores que, em sinal de gratidão, deixavam naquelas mãos brancas suas cores e seu aroma. Encontrou o outro um regato e, em suas cristalinas águas, perfumadas de flores de laranjeiras, banhou suas mãos, que saíram mais formosas. Tímido e modesto, o outro vacilava em pedir perfume às flôres e beleza ao regato. 

Passou um mendigo que pediu uma esmola por amor de Deus. Puxou o menino uma moeda e deu a ele. Ao recebê-la, o mendigo beijou aquela mão benfeitora,deixando cair uma lágrima de agradecimento. Aquela lágrima transformou-se em belíssima pérola que tomou mil cores do arco-íris e esmaltou a mão do angélico menino. Esta foi a mão que brilhou com encantadoras cintilações, porque foi purificada pela lágrima de um pobre.

398. AS ROSAS

Segundo uma lenda antiga,
Maria, com São José,
Fugindo à gente inimiga,
Transpôs caminhos a pé.

E à proporção que Maria
Deixava rastro no chão,
Todo o caminho floria
De rosas em profusão.

Pelos trilhos e barrancas
Das estradas, viu-se em breve
O estendal de rosas brancas
Tudo enfeitando de neve.

De um branco suave e doce
As rosas; nenhuma havia
Pela terra, que não fosse
Da cor dos pés de Maria.

Depois de tempos volvidos,
Ao peso de imensa cruz,
Pelos caminhos floridos
Um homem passa - Jesus.

E sobre o estendal de flores.
De seu corpo o sangue vai
Caindo, e Ele, entre mil dores,
Não geme, não solta um ai.

Passou e pelas barrancas,
Sob as asas das abelhas,
Dos tufos das rosas brancas
Brotavam rosas vermelhas.

Só duas cores havia
De rosas que aqui registro:
A cor dos pés de Maria
E a cor das chagas de Cristo.

                                                              (B. Braga)

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

AURUM, TUS ET MURRAM


'Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do Oriente a Jerusalém... Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra' (Mt 2,1.11).

O presente do ouro sinaliza para a realeza de Jesus, o incenso para a sua divindade e a mirra para a sua humanidade. Deus menino desceu do Céu como nosso Rei (ouro) para cumprir seus deveres sacerdotais (incenso) e morrer pelos nossos pecados (mirra). A mirra, como símbolo de sofrimento, torna-se uma pré-anunciação e uma profecia das dores da Paixão do Senhor.

domingo, 5 de janeiro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!' (Sl 71)

Primeira Leitura (Is 60,1-6) - Segunda Leitura (Ef 3,2-3a.5-6) -  Evangelho (Mt 2,1-12)

  05/01/2025 - SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR 

EPIFANIA DO SENHOR

  

Epifania é uma palavra grega que significa 'manifestação'. A festa da Epifania - também denominada pelos gregos de Teofania, significa 'a manifestação de Deus'. É uma das mais antigas comemorações cristãs, tal como a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo - era celebrada no Oriente já antes do século IV e, somente a partir do século V, começou a ser celebrada também no Ocidente.

Na Anunciação do Anjo, já se manifestara a Encarnação do Verbo, revelada porém, a pouquíssimas pessoas: provavelmente apenas Maria, José, Isabel e Zacarias tiveram pleno conhecimento do nascimento de Deus humanado. O restante da humanidade não se deu conta de tão grande mistério. Assim, enquanto no Natal, Deus se manifesta como Homem; na Festa da Epifania, esse Homem se revela como Deus. Na pessoa dos Reis Magos, o Menino-Deus é revelado a todas as nações da terra, a todos os povos futuros; a síntese da Epifania é a revelação universal da Boa Nova à humanidade de todos os tempos.

A Festa da Epifania, ou seja, a manifestação do Verbo Encarnado, está, portanto, visceralmente ligada à Adoração dos Reis Magos do Oriente: 'Ajoelharam-se diante dele e o adoraram' (Mt, 2, 11). Deus cumpre integralmente a promessa feita à Abraão: 'em ti serão abençoados todos os povos da terra' (Gn, 12,3) e as promessas de Cristo são repartidas e compartilhadas entre os judeus e os gentios, como herança comum de toda a humanidade. A tradição oriental incluía ainda na Festa da Epifania, além da Adoração dos Reis, o milagre das Bodas de Caná e o Batismo do Senhor no Jordão, eventos, entretanto, que não são mais celebrados nesta data pelo rito atual.

A viagem e a adoração dos Reis Magos diante o Menino Deus em Belém simbolizam a humanidade em peregrinação à Casa do Pai. Viagem penosa, cansativa, cheia de armadilhas e dificuldades (quantos não serão os nossos encontros com os herodes de nossos tempos?), mas feita de fé, esperança e confiança nas graças de Deus (a luz da fé transfigurada na estrela de Belém). Ao fim da jornada, exaustos e prostrados, os reis magos foram as primeiras testemunhas do nascimento do Salvador da humanidade, acolhido nos braços de Maria: 'Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe' (Mt, 2, 11): o mistério de Deus revelado de que não se vai a Jesus sem Maria. Com Jesus e Maria, guiados também pela divina luz emanada do Espírito Santo, também nós haveremos de chegar definitivamente, um dia, à Casa do Pai, sem ter que voltar atrás 'seguindo outro caminho' (Mt, 2, 12).

sábado, 4 de janeiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (I)

P1
- Qual é o julgamento que as Escrituras manifestam sobre aqueles que estão separados da Igreja de Cristo por ensinarem e acreditarem em doutrinas contrárias às dela?

Para maior clareza, consideraremos primeiro aqueles que iniciam tal separação e ensinam falsas doutrinas, e depois aqueles que seguem esses falsos líderes. 

1. Em relação aos primeiros, nosso bendito Salvador, ao prever a vinda de falsos mestres, disse: 'Cuidado com os falsos profetas, que vêm a vocês vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos vorazes; pelos seus frutos os conhecereis'; e então Ele nos diz, continuando com a analogia da árvore, qual será o destino de tais falsos profetas: 'Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo' (Mt 7,15-19). Tal é o destino dos falsos mestres, segundo Jesus Cristo. São Paulo os descreve da mesma forma e exorta os pastores da Igreja a ficarem atentos contra eles, para evitar a sedução do rebanho. 'Sei que, após minha partida, lobos vorazes entrarão entre vocês, não poupando o rebanho; e dentre vocês mesmos surgirão homens falando coisas perversas para atrair discípulos após si; portanto, vigiai' (At 20,29). Tal é a ideia que a Palavra de Deus transmite de todos os que se afastam da doutrina da Igreja de Cristo e ensinam falsidades: são lobos vorazes, sedutores do povo, que falam coisas perversas e cujo fim é o fogo do inferno'.

2. São Paulo, concluindo a sua Epístola aos Romanos, os adverte contra tais mestres com estas palavras: 'Rogo-vos, irmãos, que observeis aqueles que causam dissensões e ofensas contrárias à doutrina que aprendestes, e os eviteis; pois tais pessoas não servem a Cristo nosso Senhor, mas ao próprio ventre, e com palavras agradáveis e discursos persuasivos, seduzem os corações dos inocentes' (Rm 16,17). Podem aqueles que causam dissensões contrárias à doutrina antiga, que seduzem almas redimidas pelo sangue de Jesus, que não são servos de Cristo, mas seus inimigos, e são escravos de seu próprio ventre - podem esses, eu pergunto, estar no caminho da salvação? Ai de nós! O mesmo santo apóstolo descreve o destino deles em outro texto, dizendo: 'Eles são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição, cujo deus é o ventre, e cuja glória está em sua vergonha' (Fp 3,18).

3. Na ausência de São Paulo, alguns falsos mestres chegaram entre os gálatas e os convenceram de que era necessário, para a salvação, unir a circuncisão ao Evangelho. Por causa disso, o apóstolo escreve sua epístola para corrigir esse erro; e, embora fosse um erro em apenas um ponto, aparentemente sem grande importância, ainda assim, por ser uma falsa doutrina, o santo apóstolo a condena: 'Admiro-me de que tão depressa estais deixando aquele que vos chamou pela graça de Cristo para um outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós ou um anjo do céu vos pregue outro evangelho além do que vos pregamos, seja anátema. Como dissemos antes, digo agora novamente: se alguém vos pregar um evangelho além do que recebestes, seja anátema' (Gl 1,6-9). Isso, de fato, mostra o crime e o destino dos falsos mestres, ainda que a doutrina deles seja falsa em um único ponto.

4. São Pedro descreve esses homens infelizes nas cores mais terríveis: 'Haverá entre vós mestres mentirosos, que introduzirão seitas de perdição' (ou, como a tradução protestante tem, heresias condenáveis) 'e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos rápida destruição (2 Pd 2,1); e, ao continuar descrevendo-os, ele diz: 'O julgamento deles há muito tempo não tarda e sua destruição não dorme' (2 Pd 2,3); 'O Senhor sabe como... reservar os injustos para o dia do juízo para serem atormentados; especialmente aqueles que... desprezam as autoridades, audaciosos, satisfazendo a si mesmos, eles não temem trazer seitas blasfemadoras' (2 Pd 2,9); 'Deixando o caminho certo, eles se desviaram' (2 Pd 2,15);  'Esses são poços sem água e nuvens levadas por ventos, para os quais está reservada a escuridão das trevas' (2 Pd 2,17). Deus bondoso! Que terrível estado os esperam!

5. São Paulo, falando daqueles que são conduzidos por aquilo que São Pedro chama de heresias condenáveis, diz: 'Um homem que é herege, depois da primeira e segunda admoestação, evita-o; sabendo que tal pessoa está pervertida e peca, sendo condenada por seu próprio julgamento' (Tt 3,10). Outros ofensores são julgados e expulsos da Igreja pela sentença dos pastores; mas os hereges, mais infelizes, deixam a Igreja por sua própria vontade e, ao fazer isso, pronunciam julgamento e sentença contra suas próprias almas.

6. São João marca todos esses falsos mestres que saem da verdadeira Igreja de Cristo com o nome de anticristos. 'Já agora' - diz ele - 'há muitos anticristos... Eles saíram de nós, mas não eram de nós; pois, se fossem de nós, sem dúvida teriam permanecido conosco; mas saíram para que fosse manifesto que não eram todos de nós' (1Jo 2,18. E novamente ele diz: 'Muitos sedutores saíram pelo mundo, que não confessam que Jesus Cristo veio em carne; este é um sedutor e um anticristo (2Jo 2,7). E, para mostrar que não apenas aqueles que negam a divindade de Jesus Cristo, mas também aqueles que não aceitam a sua doutrina, caem sob a mesma condenação, ele imediatamente acrescenta: 'Todo aquele que se revolta e não permanece na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai quanto o Filho' (2Jo 2,9). 

Que termos mais fortes poderiam ser usados para mostrar que todos os que estão separados da Igreja de Cristo e não aceitam a sua doutrina sagrada estão fora do caminho da salvação? Agora, se todos os que se afastam da Igreja de Cristo e ensinam doutrinas falsas, contrárias à fé uma vez revelada a ela e que nunca se afastará de sua boca, são condenados em termos tão fortes e severos pelo Espírito Santo em suas Santas Escrituras, em que condição devem estar aqueles que seguem esses falsos mestres e abraçam tais doutrinas perniciosas? Há a menor razão para supor que a salvação pode ser encontrada entre 'lobos vorazes, sedutores do rebanho, faladores de coisas perversas'? É possível ser salvo em 'seitas perniciosas, heresias condenáveis, doutrinas falsas, dissensões e ofensas contrárias à doutrina recebida dos apóstolos'? Podem esses ser guias seguros para o céu, a quem a Palavra de Deus declara como 'inimigos da cruz de Cristo' e 'anticristos, cujo fim é a destruição,' que caem sob a maldição do apóstolo, 'a quem está reservada a escuridão das trevas'? Mas vamos ouvir as Escrituras para obter a resposta a essas perguntas.

(i) São Paulo, no catálogo sombrio que apresenta das obras da carne, enumera seitas ou, como a tradução protestante diz, heresias, como uma delas; e, classificando isso com idolatria, feitiçaria e dissensões, ele conclui com estas palavras: 'Das quais vos previno, como já vos preveni, que aqueles que praticam tais coisas não herdarão o reino de Deus' (Gl 5,20).

(ii) Nosso Salvador, ao prever os males dos últimos tempos, diz: 'E muitos falsos profetas se levantarão, e seduzirão a muitos... mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo' (Mt 24,11-13). Não é evidente a partir disso que aqueles que são seduzidos por esses falsos profetas não serão salvos? E que a salvação será a sorte feliz apenas daqueles que perseverarem na fé e no amor de Cristo até o fim?

(iii) São Pedro, ao prever que 'haverá mestres mentirosos, que introduzirão heresias condenáveis e trarão sobre si mesmos rápida destruição', imediatamente acrescenta: 'E muitos seguirão sua devassidão' (ou, como a tradução protestante diz, seus caminhos perniciosos), 'por causa dos quais o caminho da verdade será blasfemado' (2Pd 2,2). Agora, para quem esses caminhos são perniciosos, senão para aqueles que os seguem?

(iv) Toda a Epístola de São Judas contém uma descrição de todos aqueles que seguem esses caminhos perniciosos e de seu destino miserável, e diz: 'São ondas furiosas do mar, espumando sua própria confusão; estrelas errantes, para as quais está reservada a tempestade das trevas para sempre' (Jd 1,13).

(v) São Paulo declara: 'Que nos últimos tempos alguns se afastarão da fé, dando ouvidos a espíritos de erro e doutrinas de demônios, falando mentiras em hipocrisia, e tendo suas consciências cauterizadas' (1Tm 4,1). Alguém pode imaginar que a salvação seja possível para aqueles que seguem o espírito de erro como guia e abraçam as doutrinas de demônios?

(vi) O mesmo santo apóstolo, dando uma descrição ampla dos hereges, diz, entre outras coisas, que eles têm 'uma aparência de piedade, mas negam sua eficácia;... sempre aprendendo, mas nunca atingindo o conhecimento da verdade... que são homens de mentes corrompidas, reprovados no que diz respeito à fé... e que, sendo homens maus e sedutores, vão de mal a pior; errando e conduzindo ao erro' (2Tm 3,5). Que fundamento podem essas pessoas ter para esperar a salvação?

(vii) Mas nosso bem-aventurado Salvador, em uma única frase, claramente mostra o destino miserável de todos aqueles que seguem esses mestres, quando diz: 'São guias cegos de cegos; e se um cego guiar outro cego, ambos cairão no fosso' (Mt 15,14). Isso mostra claramente que o destino de ambos será o mesmo e que todas as condenações acima de falsos mestres se aplicam igualmente àqueles que os seguem.

(viii) Esses testemunhos das Escrituras são tão fortes e convincentes que a Igreja da Inglaterra reconhece a verdade do que contêm, e no décimo oitavo de seus Trinta e Nove Artigos declara: 'Que devem ser considerados amaldiçoados aqueles que presumem dizer que todo homem será salvo pela lei ou seita que professa, contanto que seja diligente em moldar sua vida de acordo com essa lei e com a luz da natureza; pois a Sagrada Escritura nos apresenta apenas o nome de Jesus Cristo, pelo qual o homem deve ser salvo'. E vimos claramente acima que a salvação nunca pode ser obtida nele sem acreditar na doutrina sagrada que Ele revelou ao mundo.

(ix) Acrescentaremos mais uma prova com relação aos judeus, maometanos, pagãos e idólatras, e a todos os que não conhecem o verdadeiro Deus, nem Jesus Cristo seu Filho, e que não obedecem ao seu Evangelho. Sobre esses, a Escritura diz: 'Os gentios caíram na destruição que prepararam... os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus' (Sl 9,16-18). Mas, particularmente, o que segue: 'Jesus Cristo será revelado do céu com os anjos de seu poder, em uma chama de fogo, fazendo vingança contra os que não conhecem a Deus e que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais sofrerão punição eterna na destruição, longe da face de nosso Senhor e da glória do seu poder' (2Ts 1,7).

Isso é tão claro e preciso quanto terrível e assustador, e elimina qualquer possibilidade de evasão, pois declara, em termos expressos, que todos os que não conhecem a Deus e que não obedecem ao Evangelho de Cristo estarão perdidos para sempre; o que demonstra claramente que o conhecimento e a crença em Deus e em Jesus Cristo, bem como a obediência ao seu Evangelho, são absolutamente requeridos por Ele como condições essenciais para a salvação.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS (E DO ANO)

 

DEVOÇÃO DOS CINCO PRIMEIROS SÁBADOS 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

AS PAIXÕES E O IDEAL CRISTÃO

As paixões são, pois, movimentos de sobressalto da sensibilidade que, sob a forma de amor ou ódio, de desejo ou aversão, de temor ou audácia, de alegria ou tristeza, nos levam espontaneamente para os bens sensíveis ou nos afastam dêles. O ideal cristão, longe de acomodar-se com as paixões, não terá como função própria exterminá-las e, sobre essas ruínas, estabelecer o seu império?

Quantas vezes teremos ouvido em torno de nós, em ambientes que se dizem católicos, alguns sofismas que desapontam, e dos quais se abusa com o fim de encobrir desmandos deploráveis: 'Il faut que jeunesse se passe' - A mocidade precisa divertir-se. Não será isto puro epicurismo? A mocidade precisa divertir-se ! Praticamente, significa que um rapaz, apenas porque é jovem, e não porque é homem, deve ceder ao impulso das paixões, sem tentar vencê-lo ou orientá-lo no sentido de um ideal superior.

Trata-se, não de negar a impetuosidade das paixões, sobretudo na mocidade; mas de saber se, só pelo fato de ser jovem, será permitido abandonar-se a elas sem constrangimento, e mesmo de caso pensado. Nada mais contrário aos ensinamentos da razão e da fé. Esses rapazes não serão um dia homens ? E, se o ideal do homem consiste no domínio das paixões, será possível crer que, de um dia para outro, decretado o fim da mocidade, um jovem seja capaz de, por um simples fiat de uma vontade desamparada, opor um dique irresistível às vagas tumultuosas que ele voluntàriamente desencadeou?

Eis os resultados nefastos de uma moral toda livresca que sacrifica de boa vontade a realidade a abstrações! Não, cem vezes não, a mocidade não se deve divertir no sentido dado pelo mundo. Repito ainda: a educação do caráter não é obra de um dia. Depois de escravos das paixões durante vinte anos ou mais, não dependerá de nós livrar-nos subitamente dêsse jugo e dominá-lo.

Quererá isso dizer que, em nome do ideal cristão, devemos visar uma impassibilidade quimérica, sufocar as paixões no início, a fim de assegurarmos o domínio sobre nós mesmos? Essa atitude estóica, tal como a precedente, nada tem de humano: é contra a natureza. 'Qui veut faire l'ange fait la bête' - disse Pascal, e a experiência vem prová-lo. Ora, toda a fôrça e atrativo do ideal cristão vem de que esse ideal é humano por excelência. A graça só nos é dada para aperfeiçoarmos nossa natureza. Tudo aquilo que for contra a natureza é, por isso mesmo, anticristão.

Não precisamos de outra prova além do exemplo de Jesus Cristo, nosso modelo. Basta abrir o Evangelho para verificar que o Filho do homem não foi isento de paixões. Os exploradores do povo, os fariseus, excitaram-lhe a cólera; Ele chorou sobre Jerusalém infiel e sôbre o túmulo de seu amigo Lázaro; na agonia, sofreu as emoções terríveis do temor; na última ceia, demonstrou pelos discípulos uma ternura intensa, desejou ardentemente comer a páscoa com êles; amou o sofrimento; teve enfim a loucura da cruz. Tudo isso não será uma prova evidente de que nem toda paixão é repreensível e que o ideal humano encarnado no Cristo não constitui um exemplo apenas para a vontade intelectual, mas também para o cérebro, os nervos, os músculos, o coração, para todas as forças que nos foram concedidas, para a carne e para o sangue?

Não quer isso dizer que todas as paixões sejam boas, seja qual for a direção que tomem ou os excessos em que caiam. As paixões são boas quando nos permitem tomar de assalto o ideal proposto pela fé à nossa atividade; são más quando dele nos afastam e nos paralisam a vontade. Eis a doutrina católica sôbre as paixões. Não é acanhada demais nem excessivamente larga: é conforme à verdade. E a verdade é que as paixões fortes, como as da mocidade, se forem bem orientadas, e ligadas pela vontade ao ideal cristão, poderão facilitar-nos a ascensão para esse ideal, dar um brilho ao olhar, uma auréola à fronte que seduzam os homens e possam restituir o vigor aos mais fracos e aos mais insensíveis.

Não temamos as paixões. Elas devem servir de trampolim para nos lançarmos à conquista do caráter. Há, sem dúvida, em tudo isso, algumas condições a examinar; há uma tática a observar. Mas, para pô-la em prática, já é bastante saber que a vida cristã não age sobre um cadáver humano e que não é necessário - muito ao contrário - ter aniquilado em nós o homem, para se ter o direito de nos proclamarmos cristãos.

(Excertos da obra 'A educação do caráter', pelo Padre Gillet)