quinta-feira, 10 de abril de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCIX)

Capítulo XCIX

Meios de se Evitar o Purgatório - Devoção Especial à Santíssima Virgem - O Uso Cotidiano do Escapulário do Carmo

Um Servo de Deus resume estes meios e os reduz a dois, dizendo: 'Purifiquemos as nossas almas pela água e pelo fogo'; isto é, pela água das lágrimas e pelo fogo da caridade e das boas obras. De fato, podemos classificá-los todos nestes dois exercícios, e isto é conforme à Sagrada Escritura, onde vemos que as almas são limpas das suas manchas e purificadas como o ouro no crisol. Mas como devemos procurar acima de tudo ser práticos, sigamos o método que indicamos e que foi praticado, com tanto sucesso, pelos santos e por todos os cristãos fervorosos.

Em primeiro lugar, para obter uma grande pureza de alma e, por conseguinte, ter poucos motivos para temer o Purgatório, devemos nutrir uma grande devoção para com a Santíssima Virgem Maria. Esta boa Mãe ajudará de tal modo os seus queridos filhos a purificar as suas almas e a abreviar o seu Purgatório, que eles poderão viver com a maior confiança. Ela deseja mesmo que eles não se preocupem com este assunto e que não se deixem desanimar por um medo excessivo, como ela própria se dignou declarar ao seu servo Jerônimo Carvalho, de quem já falamos. 'Tem confiança, meu filho' - disse-lhe ela - 'Eu sou a Mãe de Misericórdia para os meus queridos filhos no Purgatório, assim como para os que ainda vivem na terra'. Nas Revelações de Santa Brígida, lemos algo semelhante: 'Eu sou' - disse-lhe a Santíssima Virgem - 'a Mãe de todos aqueles que estão no lugar de expiação; as minhas orações mitigam os castigos infligidos a eles por suas faltas' (Livro 4, cap. 1).

Aqueles que usam o santo escapulário têm um direito especial à proteção de Maria. A devoção do santo escapulário, ao contrário da do Rosário, não consiste na oração, mas na prática piedosa de usar uma espécie de hábito, que é como a veste da Rainha do Céu. O escapulário de Nossa Senhora do Carmo, de que aqui falamos, tem a sua origem no século XIII, e foi pregado pela primeira vez pelo Beato (São) Simão Stock, quinto Geral da Ordem do Carmo. Este célebre servo de Maria, nascido em Kent, na Inglaterra, no ano de 1165, quando ainda era jovem, retirou-se para uma floresta solitária para se dedicar à oração e à penitência. Escolheu como morada o oco de uma árvore, ao qual fixou um crucifixo e uma imagem da Santíssima Virgem, a quem honrava como sua Mãe e não cessava de invocar com o mais terno afeto. Durante doze anos, suplicou-lhe que lhe dissesse o que poderia fazer de mais agradável ao seu Divino Filho, quando a Rainha do Céu lhe disse que entrasse na Ordem do Carmo, que era particularmente dedicada ao seu serviço. Simão obedeceu e, sob a proteção de Maria, tornou-se um religioso exemplar e o ornamento da Ordem do Carmo, da qual foi eleito Superior Geral em 1245.

Um dia - era o dia 16 de julho de 1251 - a Virgem Santíssima apareceu-lhe rodeada por uma multidão de espíritos celestes e, com o rosto radiante de alegria, apresentou-lhe um escapulário de cor castanha, dizendo: 'Recebe, meu querido filho, este escapulário da tua Ordem; é o distintivo da minha Confraria e o penhor de um privilégio que obtive para ti e para os teus irmãos do Carmo. Aqueles que morrerem devotamente vestidos com este hábito serão preservados do fogo eterno. É o sinal da salvação, uma salvaguarda no perigo, um penhor de paz e de proteção especial, até ao fim dos tempos'. O feliz ancião divulgava por toda a parte o favor que recebera, mostrando o escapulário, curando os doentes e fazendo outros milagres em prova da sua maravilhosa missão. Imediatamente, Eduardo I, rei de Inglaterra e Luís IX, rei de França e, depois do seu exemplo, quase todos os soberanos da Europa, bem como um grande número dos seus súditos, receberam o mesmo hábito. A partir desse momento começa a célebre Confraria do Escapulário, que pouco depois foi erigida canonicamente pela Santa Sé.

Não contente com a concessão deste primeiro privilégio, Maria fez outra promessa em favor dos membros da Confraria do Escapulário, assegurando-lhes uma rápida libertação dos sofrimentos do Purgatório. Cerca de cinquenta anos após a morte do Beato Simão, o ilustre Pontífice João XXII, quando estava a rezar de manhã cedo, viu a Mãe de Deus aparecer rodeada de luz e com o hábito do Monte Carmelo. Entre outras coisas, ela lhe disse: 'Se entre os Religiosos ou membros da Confraria do Carmo houver alguns que, por causa das suas faltas, estejam condenados ao Purgatório, eu descerei para o meio deles como uma terna Mãe no sábado depois da sua morte; livrá-los-ei e conduzi-los-ei ao monte santo da vida eterna'. São estas as palavras que o Pontífice coloca nos lábios de Maria na sua célebre Bula de 3 de março de 1322, vulgarmente chamada Bula Sabatina. Ele conclui com estas palavras: 'Aceito, pois, esta santa indulgência; ratifico-a e confirmo-a na terra, como Jesus Cristo graciosamente a concedeu no céu pelos méritos da Santíssima Virgem'. Este privilégio foi depois confirmado por um grande número de Bulas e Decretos dos Soberanos Pontífices.

Tal é a devoção do santo escapulário. É sancionada pela prática das almas piedosas em todo o mundo cristão, pelo testemunho de vinte e dois papas, pelos escritos de um número incalculável de autores piedosos, e por milagres multiplicados durante os últimos 600 anos; de modo que, como nos diz o ilustre Bento XIV: 'aquele que ousa por em causa a validade da devoção do escapulário ou negar os seus privilégios, seria um orgulhoso desdenhador da religião'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

ORAÇÃO DE SÚPLICA AO DIVINO ESPÍRITO SANTO


Espírito Santo, divino paráclito, pai dos pobres, consolador dos aflitos, santificador das almas, eis-me aqui prostrado na vossa presença; adoro-vos com a mais profunda submissão, a repetir mil vezes com os Serafins que estão diante do vosso trono: 'Santo! Santo! Santo!' Creio firmemente que sois eterno, da mesma substância do Pai e do Filho. Espero que, pela vossa bondade, santificareis e salvareis a minha alma. 

Amo-vos, ó Deus de amor; amo-vos mais do que todas as coisas, que todos os meus afetos, porque sois a bondade infinita, única digna de todo o meu amor. Insensível às vossas santas inspirações, quantas vêzes, tive a ingratidão de vos ofender: peço-vos mil vezes perdão e pesa-me sumamente vos ter desagrado, ó Bem Supremo! Ofereço-vos o meu coração, frio como é, e vos suplico façais nele entrar um raio da vossa luz, uma centelha do vosso amor, para derreter o gelo duro das minhas iniquidades.

Vós, que enchestes de imensas graças a alma de Maria, e abrasastes com santo zelo os corações dos apóstolos, dignai-vos também de abrasar no vosso amor o meu coração. Vós sois um Espírito divino, fortificai-me contra os maus espíritos; sois fogo, acendei em mim o fogo do vosso amor; sois Luz, esclarecei-me fazendo que eu conheça as coisas eternas; sois uma Pomba, dai-me costumes puros; sois Sopro cheio de doçura, dissipai as tempestades que as paixões levantam em mim; sois uma Língua, ensinai-me a maneira de vos louvar sem cessar; sois uma Nuvem, cobri-me com a sombra da vossa proteção. 

Enfim, sois o Autor de todos os dons celestes. Eu vos conjuro, vivificai-me pela vossa graça; santificai-me pela vossa caridade, governai-me pela vossa sabedoria, adotai-me como filho pela vossa bondade e salvai-me pela vossa infinita misericórdia, para que não cesse jamais de vos bendizer, louvar e amar, primeiro na terra durante a minha vida, e depois no céu por toda a eternidade. Amém.

Oração Jaculatória: Vinde, ó Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo sagrado do vosso amor.

(Excertos da obra 'As Mais Belas Orações de Santo Afonso')

terça-feira, 8 de abril de 2025

SOBRE O AMOR AOS POBRES


Pensas que a caridade é facultativa? Que não se trata de uma lei, mas de um simples conselho? Bem gostaria que fosse assim. Mas assusta-me o lado esquerdo de Deus, esse lado para onde Ele mandou os cabritos, aos quais não censurou o fato de terem roubado, pilhado, cometido adultérios ou perpetrado outros delitos deste tipo, mas o fato de não terem honrado a Cristo na pessoa dos seus pobres.

Por isso, se me julgais dignos de alguma atenção, servos de Cristo, seus irmãos e co-herdeiros, visitemos a Cristo, alimentemos a Cristo, tratemos as feridas de Cristo, honremos a Cristo, não só sentando-o à nossa mesa como Simão, não só ungindo-o com perfumes como Maria, não só dando-lhe sepulcro como José de Arimateia, não só provendo o necessário para a sua sepultura como Nicodemos, não só, finalmente, oferecendo-lhe ouro, incenso e mirra como os magos.

Mas, uma vez que o Senhor do universo prefere a misericórdia ao sacrifício (cf Mt 9,13), uma vez que a compaixão tem muitos mais valor que a gordura de milhares de cordeiros, ofereçamos a misericórdia e a compaixão na pessoa dos pobres que hoje na terra são humilhados, de modo que, ao sairmos deste mundo, sejamos recebidos nas moradas eternas (cf Lc 16,9) pelo mesmo Cristo, Nosso Senhor, a quem seja dada glória pelos séculos dos séculos.

(São Gregório de Nazianzo - Sermão 14)

segunda-feira, 7 de abril de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (XI)

P. 23 -  Mas suponhamos que uma pessoa esteja nas regiões selvagens da Tartária ou da América, onde o nome de Cristo nunca foi ouvido; suponhamos também que essa pessoa atenda aos ditames da consciência, iluminada pelas graças que Deus se agrada em lhe conceder, e os cumpra constantemente; ainda assim, como é possível que ela seja levada ao conhecimento e à fé em Jesus Cristo?

Esse caso é certamente possível; e, se isso acontecer, não se deve duvidar de que Deus Todo-Poderoso, dos tesouros da sua infinita sabedoria, providenciaria algum meio de levar essa pessoa ao conhecimento da verdade, mesmo que Ele enviasse um anjo do céu para instruí-la. A mão do Senhor não está recolhida, para que Ele não possa salvar uma pobre alma, em quaisquer dificuldades que possa estar; Ele fez, em tempos passados, coisas maravilhosas em casos desse tipo e Ele não é menos capaz de fazer o mesmo novamente. Uma vez que Ele ordenou tão claramente que, fora da verdadeira Igreja e sem a verdadeira fé em Cristo, não há salvação, não pode haver dúvida de que, no caso proposto, Ele cuidaria efetivamente de trazer tal pessoa para essa felicidade.

P. 24 - Existe alguma autoridade nas Escrituras para provar isso?

Não pode haver prova mais forte nas Escrituras do que alguns fatos ali relatados. Temos nas Escrituras dois belos exemplos de Deus agindo dessa maneira em casos semelhantes, o que mostra que Ele faria o mesmo novamente, se algum caso o exigisse. O primeiro é o caso do eunuco de Candace, rainha da Etiópia. Ele, seguindo as luzes que Deus lhe deu, embora vivendo a uma grande distância de Jerusalém, familiarizou-se com a adoração do verdadeiro Deus e estava acostumado a ir de tempos em tempos a Jerusalém para adorá-lo. Quando, porém, o Evangelho começou a ser publicado, a religião judaica não pôde mais salvá-lo; mas estando bem disposto, por fidelidade às graças que havia recebido até então, ele não foi abandonado pelo Deus Todo-Poderoso; pois quando ele estava voltando de Jerusalém para seu país, o Senhor enviou uma mensagem por um anjo a São Filipe para encontrá-lo e instruí-lo na fé de Cristo, e batizá-lo (At 8,26).

O outro exemplo é o de Cornélio, que era um oficial do exército romano do grupo itálico e foi criado na idolatria. No decorrer dos acontecimentos, quando seu regimento chegou à Judéia, ele viu ali uma religião diferente da sua, a adoração de um único Deus. A graça moveu o seu coração, ele acreditou nesse Deus e, seguindo os movimentos posteriores da graça divina, deu muitas esmolas aos pobres e orou fervorosamente a esse Deus para que o orientasse sobre o que fazer. Deus o abandonou? De modo algum; Ele enviou um anjo do céu para lhe dizer a quem se dirigir a fim de ser totalmente instruído no conhecimento e na fé de Jesus Cristo e ser recebido em sua Igreja pelo batismo. 

O que Deus fez nesses dois casos, Ele não é menos capaz de fazer em todos os outros, e tem mil maneiras em ua sabedoria de conduzir as almas que estão realmente empenhadas no conhecimento da verdade e na salvação. E ainda que tal alma estivesse nas mais remotas regiões selvagens do mundo, Deus poderia enviar um Filipe ou um anjo do céu para instruí-la, pela superabundância da sua graça interna ou por inúmeras outras maneiras desconhecidas para nós, poderia infundir em sua alma o conhecimento da verdade. O mais importante é que façamos cuidadosamente a nossa parte, cumprindo o que Ele nos dá, pois temos certeza de que, se não lhe faltarmos, Ele nunca faltará a nós, mas, assim como começou a boa obra em nós, também a aperfeiçoará, se tivermos o cuidado de corresponder e não colocar obstáculos aos seus desígnios.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

domingo, 6 de abril de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!' (Sl 125)

Primeira Leitura (Is 43,16-21) - Segunda Leitura (Fl 3,8-14) -  Evangelho (Jo 8,1-11)

  06/04/2025 - QUINTO DOMINGO DA QUARESMA

JESUS E A MULHER ADÚLTERA 


Neste Quinto Domingo da Quaresma, o Evangelho ratifica, mais uma vez, o testamento da misericórdia infinita de Deus. Deus, sendo Amor e Misericórdia infinitos, quer a salvação do homem e espera, com imensos tesouros da graça e paciência, a volta do filho pródigo ou a conversão da mulher adúltera, a floração da figueira ainda estéril, o encontro da dracma perdida ou o reencontro com a ovelha desgarrada.

Jesus está no templo, depois de uma noite de orações no Monte das Oliveiras, pregando sabedoria e misericórdia ao povo reunido à sua volta. E eis que, de repente, é interrompido pela entrada súbita de um bando de fariseus que trazem consigo uma mulher apanhada em adultério. Os fariseus interrogam Jesus, então, com malícia diabólica: 'Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?' (Jo 8, 4-5). O dilema impetrado pela iniquidade era sórdido: Jesus, condenando a pecadora à morte, violaria a lei romana ou salvando-lhe a vida, desconsideraria a Lei de Moisés. Qualquer que fosse a sua decisão, manifestada publicamente no Templo, Jesus estaria exposto às violações e sanções das leis romanas ou às do Sinédrio.

Diante da investida maliciosa, 'Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão' (Jo 8, 6). Trata-se da única referência a Jesus escrevendo nas Escrituras. O que teria Jesus escrito no chão? Palavras ou uma frase inteira? Os nomes ou a relação dos pecados dos homens à sua volta? Com o dedo no chão...seria o piso de uma das áreas internas do Templo de terra solta ou areia? Num piso de pedra, como entender a escrita do dedo de Jesus? Perguntas sem respostas ecoando pelos tempos. Mas, certamente, foi algo que lhes dissipou o frêmito. Por que diante ainda de questionamentos de outros e ante a resposta contundente de Jesus: 'Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra' (Jo 8, 7), começaram a sair em silêncio, um a um, a começar dos mais velhos. Não ficou nenhum dos acusadores e a mulher adúltera se viu, então, sozinha diante de Jesus. E Jesus manifesta à mulher pecadora a imensa misericórdia de Deus e a graça do perdão: 'Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais' (Jo 8, 11).

Naquele dia, no templo, os fariseus transtornados de orgulho tornaram-se réus de sua própria malícia e suspeição; a mulher, exposta à execração pública pelo pecado cometido, obteve a graça do perdão. Naquele dia, no templo, não sabemos exatamente o que Jesus escreveu no chão, mas foi algo que marcou indelevelmente o tesouro das graças divinas, numa mensagem gravada a ferro e a fogo no coração humano: 'Quero a misericórdia e não o sacrifício...' (Mt 12, 7).

sábado, 5 de abril de 2025

TESOURO DE EXEMPLOS II (04/06)

 

04. A MULHER MODERNA

Viviam aquelas pombas irrequietas e felizes na doce paz do seu pombal. Todas as manhãs voavam ao campo, com o pescoço irisado pelo sol e bicavam os grãos que haviam caído ao golpe da foice do ceifeiro. À noite, o pombal dava-lhes abrigo e calor e, ali no ninho escondido na parede, ouviam alegremente o piado dos seus filhotes. Nao careciam de nada; tinham tudo, viviam ditosas e morriam tranquilas. 

Mas, eis que um dia apareceu no pombal uma pomba revolucionária. Vinha de outras terras, onde as pombas sacrificavam a felicidade à liberdade, e falou-lhes desta maneira: 'Companheiras, viveis dois séculos atrasadas com respeito às pombas de outros países. Basta de clássicas submissões, de vida aborrecida e estéril. Por que havemos de ser inferiores às patas? Elas podem ir à esterqueira e nós temos medo de nos mancharmos; elas podem banhar-se até na água suja e nós nã temos coragem de meter-nos no rio. Para que defender tanto a nossa alvura, a nossa pureza? Isso sao preconceitos da Idade Média! Cada uma fala o que bem entender, pois para isso é dona de seu corpo e de sua vida. Chega! Vamos à esterqueira! Ao charco!' Todas as pombas incautas aplaudiram a estrangeira agitando as asas. Dirigidas pela revolucionária, voaram para um pântano infecto que se via à distância. Enlambuzaram-se, revolveram-se no lodo com grande algazarra e... não vos direi como saíram dali as pombas! 

Assim, caros leitores, viviam em nossa terra ditosas e tranquilas mulheres. No ninho do seu lar viviam em paz a vida do trabalho e do amor. Mas a civilização revolucionária começou a cantar o seu canto de sereia assim: 'Como! Ficareis toda a vida fechadas em casa? E escravas dos homens? Basta, basta já de submissões! Nao vedes como se chegou, em outros países, à emancipação da mulher? Abandonai os vossos preconceitos medievais! A mulher é dona do seu corpo e de sua vida. Por que sacrificar à alvura da pureza todas as alegrías do prazer? Ao charco! Ao pântano! E as mulheres modernas lançaram-se e revolveram-se no charco da vida... e não vos direi eu como saem dele as mulheres de hoje!

05. O REMORSO DE CONSCIÊNCIA

Em 1859, uma aldeia da Morávia, chamada Leibnitz, foi devastada por um pavoroso incêndio. A princípio, ninguém suspeitou que o fogo tivesse sido obra de urna terrível vinganga. O que chamou a atenção foi que, desde o dia do incêndio, um dos habitantes se afastava cautelosamente dos demais e passava seus dias em casa, sempre sozinho, com as portas cerradas. Era o incendiário que, depois do seu crime, via continuamente os espectros das vítimas que pereceram no fogo. 

Estas bailavam diante dos seus olhos e, apontando para uma árvore do quintal, pareciam dizer-lhe: 'Ali serás enforcado!' O infeliz então cortou a árvore. Em vão. Os moradores do povoado viam-no rezar todos os dias ajoelhado e erguendo as mãos aos céus. Nem assim teve sossego. Por fim, ele mesmo foi apresentar-se às autoridades, dizendo: 'Eu sou o culpado, eu sou o autor do incêndio!' 

Ah! É inútil. Pretendem alguns abafar a voz da consciência, entregando-se aos prazeres e folguedos; mas é inútil. Por algum tempo, talvez, a consciência ficará calada; mas chega um dia em que, dentro de nós, ela começa a gritar com a severidade de um juiz: 'Tu és o incendiário! Tu és o assassino! Tu és o pecador!' 

06. SE NÃO HOUVESSE INFERNO... 

Nos terríveis dias da Revolução Francesa, um pároco de Lyon foi barbaramente arrastado aos tribunais.
➖ Crês que há um inferno? - perguntou-lhe cinicamente um dos juízes revolucionários. 
➖ Claro que sim - respondeu o pároco; e se não cresse, vendo agora os vossos crimes, não teria dúvida em crer; porque, se de fato não existisse o inferno, seria mister inventá-lo para vos castigar!

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos' - Volume II, do Pe. Francisco Alves, 1960; com adaptações)

sexta-feira, 4 de abril de 2025

POEMAS PARA REZAR (LX)

A FLOR DA PAIXÃO


A flor de maracujá, de cor púrpura, é associada comumente ao simbolismo da Paixão do Senhor, seja pela cor roxa característica do tempo quaresmal, seja pelo emaranhado característico das folhas, filamentos e pétalas que remetem aos pregos, chagas e espinhos que compõem o mistério do Calvário. A correlação é tão imediata que os primeiros missionários portugueses e espanhóis que chegaram às Américas no século XVI designaram a planta como Flos Passionis ou Flor da Paixão. Atualmente, acredita-se que existam mais de 500 espécies da flor da Paixão em todo o mundo, mas principalmente no Brasil. As características singulares da Flor da Paixão foram traduzidas por Catulo da Paixão Cearense (1863 - 1946), o chamado poeta do Sertão, no poema transcrito abaixo, elaborado em linguagem livre e regional, conectando ao mesmo tempo, de forma simples e bela, o folclore sertanejo e a religiosidade popular.

A FLOR DO MARACUJÁ 

(Catulo da Paixão Cearense)

Encontrando-me com um sertanejo,
Perto de um pé de maracujá,
Eu lhe perguntei: diga-me caro sertanejo,
Porque razão nasce roxa, a flor do maracujá?

Ah, pois então eu lhi conto,
A estória que ouvi contá,
A razão pro que nasci roxa,
A frô do maracujá.
Maracujá já foi branco,
Eu posso inté lhe ajurá,
Mais branco qui a caridadi,
Mais branco do que o luá.

Quando as frô brotava nele,
Lá pros cunfim do sertão,
Maracujá parecia,
Um ninho de argodão.
Mais um dia, há muito tempo,
Num meis que inté num mi alembro,
Si foi maio, si foi junho,
Si foi janeiro ou dezembro.

Nosso sinhô Jesus Cristo,
Foi condenado a morrê,
Numa cruis crucificado,
Longe daqui como o quê,
Pregaro Cristo a martelo,
E ao vê tamanha crueza,
A natureza inteirinha,
Pois-se a chorá di tristeza.

Chorava us campu,
As foia, as ribeira,
Sabiá tamém chorava,
Nos gaio da laranjera,
E havia junto da cruis,
Um pé de maracujá,
Carregadinho de frô,
Aos pé do nosso sinhô.

I o sangue de Jesus Cristo,
Sangui pisado de dô,
Nus pé di maracujá,
Tingia todas as frô,
Eis aqui seu moço,
A estória que eu vi contá,
A razão proque nasce roxa,
A frô do maracujá.

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS