segunda-feira, 11 de novembro de 2024

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Reprime teus olhos e não os detenhas em coisas que satisfazem unicamente a curiosidade. Evita toda conversação em que se trata unicamente de novidades ou de outras coisas mundanas. Esforça-te sempre em mortificar o paladar: nunca comas e bebas unicamente para contentar tua sensualidade, mas só para sustentar teu corpo. Renuncia voluntariamente aos prazeres lícitos e dize generosamente, quando ouvires falar das alegrias do mundo: 'Meu Deus, só a vós eu quero e nada mais'. Faze com fervor todas as mortificações externas que a obediência e as circunstâncias permitirem. Se não puderes mortificar teu corpo com instrumentos de penitência, pratica ao menos a paciência nas doenças, suporta alegremente toda incomodidade que consigo traz a mudança do calor e do frio; não te queixes quando te faltar alguma coisa, alegra-te antes quando te faltar até o necessário. Mas principalmente a mortificação interna é que deves praticar, reprimindo tuas paixões e nunca agindo por amor-próprio, por vaidade, por capricho, ou por outros motivos humanos, mas sempre com a única intenção de agradar a Deus. Por isso, enquanto possível, deves te privar daquilo que mais te agradar e abraçar o que desagrada ao teu amor-próprio'.

(Santo Afonso Maria de Ligório)

domingo, 10 de novembro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendize minha alma, bendize ao Senhor!' (Sl 145)

Primeira Leitura (1Rs 17,10-16) - Segunda Leitura (Hb 9,24-28) -  Evangelho (Mc 12,38-44)

  10/11/2024 - TRIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM

49. A VIDA ETERNA POR DUAS PEQUENAS MOEDAS


A grandeza da alma se consome em virtudes e, dentre elas, a humildade e o despojamento constituem as gemas mais preciosas. Entregar tudo o que se tem - e o tudo em nós é nada - no amor à Verdade que é Cristo é o caminho de ouro para a eternidade com Deus. Jesus nos ensina a buscar este caminho de despojamento interior: livrar-nos dos apegos materiais e das amarras humanas para galgamos e possuirmos valores e bens que têm o selo das heranças eternas.

'Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre' (Mc 12,41). Numa rara passagem dos Evangelhos, encontramos Jesus em silêncio, na quietude do templo, livre das multidões e dos assédios mundanos, observando o entre-sai dos visitadores para o cumprimento formal das ofertas da lei mosaica. No templo em silêncio, o eco das moedas vibrando nos recipientes metálicos da coleta reverberava em profusão, dando ciência a todos da magnitude da oferta. A multidão espreitava e se regozijava na percepção das ofertas mais ricas, no propagar do eco mais longo e mais retumbante.

Jesus ouvia, entretanto, os ecos da alma. Quando a pobre viúva fez a sua oferta, 'duas pequenas moedas, que não valiam quase nada' (Mc 12,42), ela entregou tudo o que possuía. O mísero tilintar das pequenas moedas não chegou nem aos ouvidos de muitos, mas tocou profundamente o coração de Jesus, como ele revelou, então, aos seus discípulos: 'Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver' (Mc 12, 43 - 44). Dar tudo o que possuía para viver significa entregar, no nada que somos, todo o amor humano que podemos colocar no coração de Deus.

Em contraste aos valores do orgulho e da hipocrisia dos ricos e dos doutores da lei, mais preocupados com o jogo frívolo das aparências e dos privilégios da ostentação, a oferta da pobre viúva era a sua própria sobrevivência, não era uma esmola. As suas pequenas moedas eram como o punhado de farinha numa vasilha e um pouco de azeite na jarra da viúva de Sarepta (1Rs 17,12). No anonimato do seu pequeno gesto, mereceu do próprio Deus a mensuração de tão grande graça, predestinação de sua herança eterna. E, no escondimento da sua oferta, nos ensinou que a verdadeira dádiva é aquela que nasce da entrega total do coração, no exemplo do próprio Jesus, filho Unigênito de Deus feito homem, que se doou e se entregou por inteiro para a salvação de todos nós.

sábado, 9 de novembro de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCI)

Capítulo XCI

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - O Conhecimento e as Orações das Almas pelos seus Benfeitores - Doutrina Confirmada por Santos e Santas da Igreja
 
Acabamos de falar da gratidão das santas almas. Por vezes, esta se manifesta, como vimos, de forma bem visível mas, mais frequentemente, exercem-na de forma invisível, por meio das suas orações. As almas rezam por nós não só quando, depois da sua libertação, estão com Deus no Céu, mas também no seu lugar de exílio e no meio dos seus sofrimentos. Embora não possam rezar por si mesmas, obtêm, no entanto, com as suas súplicas, uma grande graça para nós. Tal é a doutrina expressa por dois eminentes teólogos, Bellarmino e Suarez. 'Estas almas são santas' - diz Suarez - 'e queridas por Deus. A caridade impele-as a amar-nos, e elas sabem, pelo menos de um modo geral, a que perigos estamos expostos e que necessidade temos da assistência divina. Por que, então, não rezariam pelos seus benfeitores?'

Por que? A resposta seria: porque não os conhecem. Naquela sombria morada, em meio aos seus tormentos, como poderiam saber quem são aqueles que os assistem com os seus sufrágios? A esta objeção pode-se responder que as almas sentem pelo menos o alívio que recebem e a assistência que lhes é prestada; isto basta, mesmo que ignorem a fonte de origem, para invocar as bênçãos do Céu sobre os seus benfeitores, sejam eles quem forem, e que são conhecidos por Deus.

Mas, na realidade, eles não sabem de quem recebem auxílio nos seus sofrimentos? A sua ignorância a esse respeito não está provada, e temos fortes razões para crer que tal ignorância não existe. Será que o seu anjo guardião, que ali habita com eles para lhes dar toda a consolação ao seu alcance, os privaria desse conhecimento consolador? Esse conhecimento não está conforme à doutrina da comunhão dos santos? A relação que existe entre nós e a Igreja Penitente não seria tanto mais perfeita quanto é recíproca e se as almas conhecessem muito bem os seus benfeitores?

Esta doutrina é confirmada por um grande número de revelações particulares e pela prática de várias pessoas santas. Já dissemos que Santa Brígida, num dos seus êxtases, ouviu várias almas gritarem em voz alta: 'Senhor Deus todo-poderoso, recompensai cem vezes mais aqueles que nos assistem com as suas orações e que Vos oferecem as suas boas obras, para que possamos gozar da luz da Vossa Divindade!'.

Lemos na Vida de Santa Catarina de Bolonha que ela tinha uma terníssima devoção para com as santas almas do Purgatório; que rezava por elas com muita frequência e com o maior fervor; que ela se recomendava a elas com a maior confiança nas suas necessidades espirituais, e aconselhava os outros a fazerem o mesmo, dizendo: 'Quando quero obter qualquer favor do nosso Pai do Céu, recorro às almas que estão detidas no Purgatório; peço-lhes que apresentem o meu pedido à Divina Majestade em seu próprio nome, e sinto que sou ouvida pela sua intercessão'. Um santo sacerdote dos nossos dias, cuja causa de beatificação foi iniciada em Roma, o Venerável Vianney*, o Cura d'Ars, dizia a um eclesiástico que o consultava: 'Se soubéssemos quão grande é o poder das boas almas do Purgatório junto do Coração de Deus, e se soubéssemos todas as graças que podemos obter por sua intercessão, elas não seriam tão esquecidas. Devemos, portanto, rezar muito por elas, para que elas rezem muito por nós'.

* o texto original data de 1893; São João Maria Vianney foi canonizado em 31 de maio de 1925.

Estas últimas palavras de [São João] Vianney mostram a verdadeira maneira de recorrer às almas do Purgatório; devemos assisti-las, para obter em troca as suas orações e os efeitos da sua gratidão - devemos rezar muito por elas, para que rezem muito por nós. Não se trata aqui de as invocar como invocamos os santos do Céu. Não é esse o espírito da Igreja que, antes de tudo, reza pelos defuntos e os assiste com os seus sufrágios. Mas não é contrário ao espírito da Igreja, nem à piedade cristã, procurar alívio para as almas, com a intenção de obter em troca, por meio do auxílio das suas orações, os favores que desejamos. Assim, é um ato louvável e piedoso oferecer uma missa pelos defuntos quando temos necessidade de alguma graça particular. Se, quando as almas santas estão ainda nos seus sofrimentos, as suas orações são tão poderosas, podemos facilmente conceber que serão ainda muito mais eficazes quando, estando inteiramente purificadas, essas almas estiverem diante do trono de Deus.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

POEMAS PARA REZAR (LVIII)


CRISTO NÃO TEM UM CORPO AGORA QUE NÃO SEJA O SEU

Cristo não tem um corpo agora que não seja o seu,

não tem pés e nem mãos na terra, a não ser os seus,

são com os seus olhos que Ele contempla este mundo com compaixão.

São com os seus pés que Ele caminha no mundo para fazer o bem,

e é com as suas mãos que Ele abençoa o mundo inteiro.

As mãos são as suas, os pés são os seus,

são os seus olhos e o seu corpo que Ele tem.

Não tem pés e nem mãos na terra, a não ser os seus,

e são com os seus olhos que Ele contempla este mundo com compaixão.

Cristo não tem no mundo agora nenhum corpo que não seja o seu.

(Santa Teresa de Ávila)

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

'TUA FÉ TE SALVOU; VAI EM PAZ!'


Um fariseu convidou Jesus a ir comer com ele. Jesus entrou na casa dele e pôs-se à mesa. Uma mulher pecadora da cidade, quando soube que estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro cheio de perfume; e, estando a seus pés, por detrás dele, começou a chorar. Pouco depois, suas lágrimas ba­nha­vam os pés do Senhor e ela os enxugava com os cabelos, beijava-os e os ungia com o perfume.

Ao presenciar isso, o fariseu, que o tinha convidado, dizia consigo mesmo: 'Se este homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que o toca, pois é pecadora'. Então, Jesus lhe disse: 'Simão, tenho uma coisa a dizer-te' –. 'Fala, Mestre' – disse ele.

'Um credor tinha dois devedores: um lhe devia quinhentos denários e o outro, cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a sua dívida. Qual deles o amará mais?' Simão respondeu: 'A meu ver, aquele a quem ele mais perdoou'. Jesus replicou-lhe: 'Julgaste bem'.

E voltando-se para a mulher, disse a Simão: 'Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para lavar os pés; mas esta, com as suas lágrimas, regou-me os pés e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o ósculo; mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo; mas esta, com perfume, ungiu-me os pés. Por isso, te digo: seus numerosos pecados lhe foram perdoados, porque ela tem demonstrado muito amor. Mas ao que pouco se perdoa, pouco ama'.

E disse a ela: 'Perdoados te são os pecados'. Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer, então: 'Quem é este homem que até perdoa pecados?' Mas Jesus, dirigindo-se à mulher, disse-lhe: 'Tua fé te salvou; vai em paz!'.

(Lc 7, 36-50)

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

A HIERARQUIA ESPIRITUAL ENTRE OS FILHOS DE DEUS

A experiência pastoral e espiritual convenceu São Francisco de Sales de que existe uma hierarquia espiritual entre as pessoas. Deus ama certamente todas as suas criaturas, e seu Filho morreu por todos os homens. Francisco sustentará esta verdade então desconhecida: o chamado evangélico à perfeição do amor é único e universal, igual para todos. Mas as vocações concretas são subjetivamente diversas: cada um responde com sua capacidade. 

As causas têm diferentes motivos: diversidade de dotes naturais, caráter, educação, ambiente, relações. Diversidade também no modo mais ou menos generoso com que reage a liberdade humana. Devida, enfim, ao mistério da liberalidade divina, mais ou menos abundante para cada um. É preciso instruir, estimular, educar cada alma individualmente. Um pastor de almas sabe muito bem que não pode esperar os mesmos frutos de todos, e que alguns têm necessidade de atenções particulares.

Francisco de Sales aceita claramente a idéia de uma elite cristã, à qual vale a pena dedicar de maneira especial tempo e cuidados. Foi para essa elite que escreveu. Mas, atenção! Não se trata absolutamente de uma espécie de 'racismo' no seio da Igreja. Essa elite é de caráter espiritual e não social: é constituída somente pelo grau de amor, e não por posições de privilégio. Francisco a procura em toda a parte: no mundo e nos conventos, no campo, na montanha e na cidade, entre padres e entre leigos, entre ricos e entre pobres e ignorantes. É suficiente ter um coração generoso capaz de amar. É suficiente ser philo-theós ou theós-timo, ou seja, 'devoto' ou 'enamorado de Deus'.

Uma observação inevitável: Francisco encontrou essas almas eleitas especialmente em muitas mulheres. Estimava-as muito, com elas se encontrava perfeitamente à vontade, sempre com reserva sorridente. E se preocupava vivamente com sua educação espiritual, contra a tradicional corrente antifeminista ainda dominante à época. Muitos contemporâneos o criticaram e acusaram de se ocupar somente com elas. Monsenhor Adriano Bourdoise, famoso pregador de Paris, um dia lhe disse: 'O senhor é bispo e só se ocupa com mulheres'! A resposta foi cristalina: 'Cabe aos ourives manejar o ouro e aos oleiros manejar a terra'. 

Notamos ainda que, para ele, ocupar-se daquelas almas eleitas era uma maneira de conduzir a Deus, na caridade, todo o povo cristão. Os que de Deus receberam mais têm também o dever de dar mais aos seus irmãos, e de fazê-lo, por quanto possível, unidos entre si. Todos os devotos devem colaborar nesta elevação, qualquer que seja o seu nível social, cada um trabalhando onde a Providência o colocou: o advento do Reino de Deus exige contribuição ativa de todos. Francisco inscrevia os fieis nas confrarias, e ele próprio fundou várias. Reuniu na Academia Florimontana os melhores intelectuais. Também nós, hoje, os convidamos a participar em movimentos apostólicos ou de vida evangélica. 

Em concreto, é necessário levar em consideração o itinerário pessoal de cada um. Cada alma tem sua história e seu segredo. É amada por Deus em todo momento. Deus a toma exatamente no ponto em que se encontra, para fazê-la dar passos para frente. Toda alma deve, pois, aceitar-se assim como é, e seu diretor espiritual deve tomá-la em seu caminho. É fácil a tentação de englobar todas as almas na mesma situação e constrangê-las a caminhar todas com o mesmo passo, queimando etapas, impacientes por chegar à meta. 

Francisco de Sales nos lembra que cada alma tem sua graça, suas luzes, suas inspirações e, conseqüentemente, o seu ritmo. Toda a vida cristã é um itinerário onde se constatam progressos e regressos, tempos de parada e de avanço, às vezes rápidos, às vezes lentos. O amor de Deus nos colhe na nossa história de criaturas em movimento. Também o diálogo entre Deus e a alma é uma história sempre pessoal, na qual opera o mistério insondável das predileções divinas. O importante é ir adiante sempre e não estacionar na mediocridade.

(Excertos da obra 'Francisco de Sales - Um Mestre da Espiritualidade', de Joseph Aubry)