sábado, 21 de dezembro de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCIII)

 

Capítulo XCIII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Santa Catarina de Sena e a Salvação da Alma de Palmerine - Santa Madalena de Pazzi e sua Mãe

Deus está mais inclinado a recompensar do que a punir e, se inflige um castigo àqueles que esquecem as almas tão caras ao seu Coração, mostra-se verdadeiramente grato àqueles que o auxiliam junto às almas sofredoras. Em recompensa, dir-lhes-á um dia: 'Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado. Tivestes misericórdia dos vossos irmãos necessitados e sofredores; em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes' (Mt 25,40). Muitas vezes, nesta vida, Jesus recompensa as almas compassivas e caridosas com a concessão de muitos favores. 

Santa Catarina de Sena, pela sua caridade, converteu uma pecadora chamada Palmerine, que morreu e foi para o Purgatório. A santa não descansou enquanto não libertou esta alma. Em recompensa, Nosso Senhor permitiu mostrar-se à sua serva, como uma conquista gloriosa da sua caridade. O Beato Raymond conta assim os pormenores: Em meados do século XIV, quando Santa Catarina edificava a sua cidade natal com toda a espécie de obras de misericórdia, uma mulher de nome Palmerine, depois de ter sido objeto da sua mais terna caridade, concebeu uma secreta aversão pelos seus benfeitores, que chegou a degenerar em ódio implacável. Não podendo mais ver nem ouvir a santa, a ingrata Palmerine, amargurada contra a serva de Deus, não cessava de manchar a sua reputação com as mais atrozes calúnias. Catarina fez tudo o que estava ao seu alcance para a conciliar, mas em vão. Então, vendo que a sua bondade, a sua humildade e os seus benefícios não serviam senão para excitar a fúria desta infeliz mulher, implorou fervorosamente a Deus que se dignasse mover aquele coração tão obstinado.

Deus ouviu a sua oração, atingindo Palmerine com uma doença mortal; mas, ainda assim, este castigo não foi suficiente para a fazer entrar em si. Em troca de toda a ternura que a santa lhe dedicava, a infeliz mulher carregou-a de insultos e expulsou-a da sua presença. Entretanto, o seu fim aproximava-se e um sacerdote foi chamado para administrar os últimos sacramentos. A doente não estava em condições de os receber, devido ao ódio que alimentava e ao qual se recusava a renunciar. Ao ouvir isto, e vendo que a infeliz criatura já tinha um pé no Inferno, Catarina derramou uma torrente de lágrimas e ficou inconsolável. Durante três dias e três noites, não cessou de suplicar a Deus em seu favor, juntando o jejum à oração. 'Senhor' - dizia ela - 'permitirás que esta alma se perca por minha causa? Conjuro-vos que me concedais, a qualquer preço, a sua conversão e a sua salvação. Castigai-me pelo seu pecado, de que eu sou a causa: não é a ela, mas a mim, que o castigo deve atingir. Senhor, não me recuseis a graça que vos peço: não vos deixarei enquanto não a tiver obtido. Em nome da vossa bondade, da vossa misericórdia, suplico-vos, misericordiosíssimo Salvador, que não permitais que a alma desta minha irmã deixe o seu corpo enquanto não for restituída à vossa graça'.

A sua oração, acrescenta o seu biógrafo, foi tão poderosa que impediu a morte da doente. A sua agonia durou três dias e três noites, para grande espanto das enfermeiras. Durante este tempo, Catarina continuou a interceder e acabou por obter a vitória. Deus não resistiu e fez um milagre de misericórdia. Um raio de luz celeste penetrou no coração da moribunda, mostrou-lhe a sua culpa e incitou-a ao arrependimento. A santa, a quem Deus revelou isto, apressou-se a ir ter com a doente. Logo que a mulher a viu, deu-lhe todos os sinais de consideração e agradecimento, acusou-se em voz alta da sua falta, recebeu com piedade os últimos sacramentos e morreu na graça de Deus.

Apesar da sinceridade da sua conversão, era de recear que uma pecadora que escapara por pouco ao Inferno tivesse de passar por um Purgatório severo. A caridosa Catarina continuou a fazer tudo o que estava ao seu alcance para apressar o momento em que Palmerine seria admitido à glória do Paraíso. Tanta caridade não podia deixar de ter a sua recompensa. Nosso Senhor - escreve o Beato Raymond - mostrou à sua esposa aquela alma salva pelas suas orações. Era tão brilhante que ela me disse não encontrar palavras capazes de exprimir a sua beleza. Não estava ainda admitida à glória da visão beatífica, mas tinha aquele brilho que a criação e a graça do batismo lhe conferem. Nosso Senhor disse-lhe então: 'Olha, minha filha, esta alma perdida que encontraste!' E acrescentou: 'Não te parece muito bela e preciosa? Quem não suportaria todo o tipo de sofrimento para salvar uma criatura tão perfeita e introduzi-la na vida eterna? Se Eu, que sou a Beleza Suprema, de quem emana toda a beleza, me deixei cativar pela beleza das almas, a ponto de descer à terra e derramar o meu Sangue para as redimir, com quanto maior razão não deveríeis trabalhar uns pelos outros, para que não se percam criaturas tão admiráveis. Se vos mostrei esta alma, foi para que sejais ainda mais zelosos em tudo o que diz respeito à salvação das almas'.

Santa Madalena de Pazzi, tão cheia de devoção pelos mortos, esgotou todos os recursos da caridade cristã em favor de sua mãe, depois que esta partiu desta vida. Quinze dias depois da sua morte, Jesus, querendo consolar a sua esposa, mostrou-lhe a alma da sua querida mãe. Madalena viu-a no Paraíso, vestida com um esplendor deslumbrante e rodeada de santos, que pareciam ter grande interesse por ela. Ouviu a alma bendita dar-lhe três ordens, que ficaram para sempre impressas na sua memória: 'Cuida, minha filha' - disse ela - 'de descer o mais baixo possível na humildade, de observar a obediência religiosa e de cumprir com prudência tudo o que ela prescreve'. Dizendo isso, Madalena viu sua abençoada mãe desaparecer de vista e permaneceu inundada com a mais doce consolação.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

ANTÍFONA DO Ó - 21 DE DEZEMBRO

As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento.

21 de dezembro

O Oriens
splendor lucis æternæ, et sol justitiæ
Veni et illumina sedentes in tenebris
et umbra mortis.  


Ó Oriente
esplendor da luz eterna e sol da justiça
Vinde e iluminai os que estão sentados
nas trevas e à sombra da morte. 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

FILIUS DEI


'O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus'
(Lc 1,35).

ANTÍFONA DO Ó - 20 DE DEZEMBRO

As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento.

20 de dezembro 

O Clavis David
et sceptrum domus Israel:
qui aperis, et nemo claudit;
claudis et nemo aperit:
Veni, et educ vinctum de domo carceris,
sedentem in tenebris et umbra mortis   


Ó Chave de Davi
o cetro da casa de Israel
que abris e ninguém fecha;
fechais e ninguém abre:
Vinde e libertai da prisão o cativo
assentado nas trevas e à sombra da morte. 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

PELA GRAÇA DE DEUS FOMOS SALVOS!

Felizes de nós, se o que ouvimos e cantamos também executamos. A audição é nossa semeadura e nossos atos, frutos da semente. Disse isto de antemão para exortar vossa caridade a não entrardes sem fruto na igreja, ouvindo tantas coisas boas sem realizá-las. Porque por sua graça fomos salvos, assim diz o Apóstolo, não por nossas obras para que  não aconteça alguém se ensoberbecer (Ef 2,8-9) pois, foi por sua graça, que fomos salvos (Ef 2,5). Pois não precedeu nenhuma vida virtuosa que Deus pudesse amar e dizer: 'Ajudemos, socorramos estes homens porque vivem bem'. Desagradava-lhe nossa vida, desagradava-lhe em nós tudo o que fazíamos, mas não lhe desagradava o que Ele mesmo fez em nós. Por isto, o que nós fizemos, ele o condenará; o que Ele próprio fez, Ele o salvará.

Não éramos bons. Mas Ele se compadeceu de nós e enviou o seu Filho para morrer não pelos bons, mas pelos maus, não pelos justos, mas pelos ímpios. Na verdade Cristo morreu pelos ímpios (Rm 5,6). E como continua? Mal se encontra alguém que morra por um justo, pois talvez alguém se atreva a morrer por um bom (Rm 5,7). Talvez haja alguém que ouse morrer por um bom. Mas pelo injusto, pelo ímpio, pelo iníquo, quem quererá morrer? Só Cristo, para que, justo, justifique até mesmo os injustos.

Não tínhamos, meus irmãos, nenhuma obra boa, mas todas eram más. E sendo tais os atos dos homens, sua misericórdia não abandonou os homens. Deus enviou seu Filho, para remir-nos, não por ouro, não por prata, mas ao preço de seu sangue derramado, cordeiro imaculado levado como vítima pelas ovelhas maculadas, se é que só maculadas e não totalmente corrompidas! Recebemos então esta graça. Vivamos de modo digno dessa graça e não façamos injúria à grandeza do dom que recebemos. Tão grande médico veio a nós e perdoou todos os nossos pecados. Se quisermos recair na doença, não só nos prejudicaremos a nós mesmos, mas seremos ingratos ao próprio médico.

Sigamos os caminhos que ele próprio indicou, muito em especial a via da humildade, via que Ele mesmo se fez por nós. Mostrou-nos pelos preceitos o caminho da humildade e criou-o padecendo por nós. Com o intuito de morrer por nós – e sem poder morrer – o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14), para poder morrer por nós, aquele que não podia morrer. E, com sua morte, matar nossa morte.

Fez isto o Senhor, isto nos concedeu. O excelso humilhou-se, humilhado foi morto e, ressurgindo, foi exaltado, a fim de não nos deixar mortos nas profundezas, mas de exaltar em si na ressurreição dos mortos aqueles que já agora exaltou pela fé e o testemunho dos justos. Deu-nos então a humildade como caminho. Se nos agarrarmos a ela, confessaremos o Senhor e com toda razão cantaremos: 'Nós te confessaremos, Senhor, confessaremos e invocaremos o teu nome' (Sl 74,2).

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

ANTÍFONA DO Ó - 19 DE DEZEMBRO

As Antífonas do Ó são sete orações especialmente cantadas durante o tempo do Advento, particularmente ao longo da semana que antecede o Natal. A autoria das antífonas, que remontam aos séculos VII e VIII, tem sido comumente atribuída ao papa Gregório Magno. São sete orações extremamente curtas, sempre iniciadas pela interjeição Ó, correspondendo a sete diferentes súplicas manifestadas a Jesus Cristo, na expectativa do nascimento do Menino - Deus entre os homens, que é invocado sob sete diferentes títulos messiânicos tomados do Antigo Testamento.

19 de dezembro 

O Radix Jesse
qui stas in signum populorum,
super quem continebunt reges os suum,
quem gentes deprecabuntur:
Veni ad liberandum nos; jam noli tardare  


Ó Raiz de Jessé
erguida como estandarte dos povos,
em cuja presença os reis se calarão
e a quem as nações invocarão,
Vinde libertar-nos; não tardeis jamais. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

TESOURO DE EXEMPLOS (391/393)


391. A SAUDAÇÃO CRISTÃ

O famoso poeta protestante Klopstock contava, numa carta ao poeta Michael Denis que, numa viagem pela Suíça, todos os homens, quando descia do carro, lhe dirigiam a bela saudação: 'Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo'. Êle nunca ouvira aquelas palavras e não sabia que fossem uma saudação e, por isso, não sabia responder. Mas elas calaram no seu coração e mais tarde admirou-se de não ter pensado numa resposta tão natural e tão simples,como: 'Para sempre seja louvado'. Quando dela ficou sabendo, aquela saudação pareceu-lhe tão bela e tão oportuna para os cristãos de todas as condições que desejaria ouvi-la em tôdas as circunstâncias e em todo o lugar'.
Como seria belo, realmente se todos os cristãos a adotassem! E' a saudação cristã por excelência.

392. UMA BOA LIÇÃO

Foi nos primeiros anos do governo de Napoleão. Na vigília de Natal, um general convidara para uma ceia alguns oficiais graduados e um marechal. Terminado o banquete, surgiu a questão como passariam alegremente mais algumas horas. Um deles disse levianamente: 
➖Vamos à missa da meia-noite.
➖ Ótimo! À missa da meia-noite!

Entraram na igreja de São Roque. Pode-se imaginar com que devoção entravam na igreja aqueles que haviam ceado lauta e alegremente; sem dúvida não procuravam outra coisa que satisfazer a curiosidade e passar o tempo.

Mas eis que, inesperadamente, um homem de baixa estatura, que se ocultara no seu capote, surgiu diante deles e lhes disse em voz alta e em tom seco e imperioso:
➖ Estais procedendo mal. Quando se vem à igreja, é preciso ter uma conduta conveniente ao lugar sagrado. Guardai respeito e permanecei em silêncio, senhores!
O homem oculto no capote era o Imperador em pessoa, Napoleão I, que fazia guarda na igreja de São Roque, em Paris.

393. UMA LUZ SAÍA DO TÚMULO

Numa ilha do Lago Maior, na Itália, um jovem e ardente diácono foi martirizado cruelmente. Seu nome era Arialdo. Os carrascos sepultaram o seu cadáver no mesmo sítio do martírio, julgando que tudo estava acabado. Mas eis que, à noite, uma luz vivíssima saía da tumba e todos os pescadores do lago, ao vê-la, acudiram ao local. 

Oliva, a mulher perversa que o mandara matar, cansada do que se falava, ordenou que levassem o cadáver para uma outra ilha. Ali também se renovou o prodígio e com mais luzes ainda. O cadáver foi então arrojado a um sótão do castelo de Travallio. Mais fachos de luzes, que traspassavam as paredes e as profundidades, indicavam aos homens onde se achava o corpo do santo. Resolveu-se por isso, lançá-lo ao lago atado com uma grande pedra, para que o corpo não voltasse nunca mais à superfície. Note-se que o que aqui se refere está nas memórias contemporâneas sobre as quais não há motivo de dúvida alguma.

Dez meses depois, reapareceu o corpo à flor da água e foi posto intacto sobre a margem do Valtravaglia. Oliva teve receio e procurou sufocar a notícia do maravilhoso caso. Mandou transportar o corpo ao penhasco de Arona, encarregando seus servos de o destruírem a ferro e fogo. Mas tudo em vão. O povo da cidade de Milão, logo que soube do sucesso, saiu com bandeiras e armas à conquista do santo corpo. 

Foi numa manhã luminosa: o corpo do mártir Arialdo, colocado numa nau, navegava ao largo do rio Ticino. O' maravilhoso triunfo da fé! Sobre as duas margens do rio, o povo estava apinhado, empunhando cruzes e velas. Repicavam os sinos. As crianças tocavam campainhas, toda árvore e todo lugar alto era ocupado pelos fieis desejosos de ver o corpo; os enfermos saravam, os pecadores choravam suas culpas e todos se sentiam trocados e mudados para uma vida melhor (cf. Meda Bassorilievi). Como o esplendor dos santos, assim é a força e a luz da verdade que emana da Igreja. Em vão se quer combater a fé, combater o papa. A Igreja triunfará com Cristo hoje, e sempre, e por todos os séculos.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)