segunda-feira, 10 de março de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XIX)


87. O erro está em termos uma opinião demasiado elevada daquilo a que o mundo chama de honra, estima e fama. Por mais que o mundo me louve ou honre, isso não pode aumentar nem um pouco o meu mérito ou a minha virtude; e também, se o mundo me vituperar, não pode tirar de mim nada do que tenho ou do que sou em mim mesmo. Conhecerei a vaidade da verdade à luz dessa vela bendita que terei na mão à hora da minha morte. De que me servirá, então, ter sido estimado e honrado por todo o mundo, se a minha consciência me convencer de pecado diante de Deus? Ah, que loucura seria para um nobre, possuidor de talentos que o tornariam querido pelo seu rei e o fariam um favorito na corte, se ele procurasse antes ser adulado por seus servos e servas, e encontrasse prazer em tal adulação miserável. Mas é uma loucura muito maior para um cristão, que poderia ganhar o louvor e a honra de Deus e de todos os anjos e santos no céu, procurar antes ser louvado e honrado pelos homens e gloriar-se nisso. Pela humildade, posso agradar a Deus, aos anjos e aos santos; portanto, não é um orgulho desprezível que me faz desejar a estima, o louvor e a aprovação dos homens, quando nos é dito que 'é aprovado aquele a quem Deus recomenda?' [2Cor 10,18].

O pensamento da morte é proveitoso para adquirir a humildade; e a humildade ajuda-nos muito a obter uma morte santa. Santa Catarina de Sena, pouco antes da sua morte, foi tentada a ter pensamentos de orgulho e vanglória por causa da sua própria santidade; mas a esta tentação ela respondeu: 'Dou graças a Deus por nunca ter sentido, em toda a minha vida, qualquer vanglória'. Oh, como é belo poder exclamar no leito de morte: 'Nunca conheci a vanglória'.

88. Mesmo admitindo o valor da estima e da fama do mundo, pelo simples fato de a amarmos e desejarmos no nosso coração, podemos deduzir daí quão grande é a virtude da humildade, pois, oferecendo a Deus tudo o que temos de tão precioso, juntamente com o nosso amor-próprio, oferecemos-lhe algo que estimamos muito. O voto de castidade é considerado heroico, porque assim sacrificamos a Deus os prazeres dos sentidos. O martírio é considerado heroico, porque o mártir oferece assim a sua vida em holocausto a Deus. E também é considerado heroico dar todos os seus bens aos pobres. Mas a nossa autoestima é certamente o que temos de mais precioso do que o dinheiro, a satisfação dos sentidos, ou mesmo a própria vida, porque muitas vezes arriscamos todas estas coisas em nome da nossa reputação. Assim, ao oferecermos a Deus a nossa autoestima com humildade, oferecemos aquilo que consideramos mais precioso.

Isto é verdadeiramente oferecer a Deus 'o sacrifício, o incenso e o perfume da lembrança' [Eclo 40,15]. Os que vivem no mundo podem muitas vezes ter mais mérito pela sua humildade de coração do que os que fazem votos de pobreza e castidade no claustro sagrado, porque é pela prática desta humildade que formamos em nós a 'nova criatura', sem a qual São Paulo nos diz que 'nem a circuncisão nem a incircuncisão valem nada' [Gl 6,15], o que equivale a dizer que, quer sejais sacerdote ou leigo, o vosso estado nada pode valer sem a humildade. A humildade sem a virgindade pode ser agradável a Deus, mas nunca a virgindade sem a humildade. As cinco virgens loucas não lhe foram desagradáveis? Vanitate superbiæ - diz Santo Agostinho. E se a própria Virgem agradou a Deus pela sua virgindade, mereceu também ser escolhida para ser sua Mãe pela sua humildade, como diz São Bernardo: 'Pela sua virgindade agradou a Deus, pela sua humildade o concebeu' [Hom. I sup. Missus est].

89. É muito fácil uma pessoa orgulhosa cair em pecados graves e terríveis; e, depois de ter caído, encontrar grande dificuldade em acusar-se deles no sacramento da penitência; porque, amando demasiado a sua autoestima e reputação e temendo perdê-las aos olhos do seu confessor, prefere cometer um sacrilégio a revelar a sua fraqueza. Procura um confessor que lhe seja desconhecido, para não se envergonhar; mas, se não se envergonhava de pecar, por que se envergonharia tanto de confessar o seu pecado, se não fosse por motivos de orgulho? Minha alma, dize a ti mesma: 'A razão pela qual não sinto verdadeira dor pelos meus pecados é a minha falta de humildade, pois é impossível que o coração sinta arrependimento ou contrição se não for humilde. Falta-me humildade, e é por isso que não tenho coragem de confessar os meus pecados com franqueza e sem desculpas'. Pede a Deus humildade; e, à medida que o teu coração se tornar mais humilde, sentirás uma dor mais profunda por o teres ofendido, e dessa humildade sincera as palavras fluirão sem dificuldade para os teus lábios, porque 'quem magoa um coração, nele excita a sensibilidade' [Eclo 22,24]. 

É o orgulho que nos compele a reter os nossos pecados no confessionário e a procurar amenizar a sua maldade com muitas desculpas. Ó orgulho maldito, causa de inúmeros sacrilégios! Mas, ó bendita humildade! O rei Davi foi humilde no seu arrependimento, porque não desculpou os seus pecados, mas acusou-se publicamente deles; nem pôs a culpa dos seus pecados nos outros, mas atribuiu-os apenas à sua própria maldade: 'Eu sou aquele que pecou' [2Rs 24,17]. Também Madalena, no seu arrependimento, não procurou Jesus Cristo num lugar escondido, mas procurou-o na casa do fariseu e quis mostrar-se pecadora diante de todos os convidados. Santo Agostinho, sendo verdadeiramente humilde no seu arrependimento, fez a confissão dos seus pecados a todo o mundo para sua maior confusão e vergonha.

90. É difícil para nós darmo-nos conta do nosso nada, e é difícil também referir todas as coisas a Deus sem reservar nada para nós mesmos, porque não é realmente nosso o nosso trabalho, a nossa diligência e a cooperação da nossa vontade? Admitamo-lo, mas se tirarmos a luz, a ajuda e a graça recebidas de Deus, o que é que nos resta de todas estas coisas? As nossas ações naturais só se tornam meritórias quando são amparadas espiritualmente por Cristo Jesus. É Jesus Cristo que eleva e enobrece todas as nossas ações que, por si sós, seriam totalmente insuficientes para nos proporcionar a glória da vida eterna.

O modo como a vontade é levada a cooperar com a graça é um mistério que não compreendemos completamente; mas é certo que, se formos para o céu, daremos graças pela nossa salvação unicamente à misericórdia de Deus: 'As misericórdias do Senhor cantarei para sempre' [Sl 88,2]. Podemos, pois, dizer com o santo rei Davi e estar plenamente persuadidos da sua verdade, que a natureza humana é mais fraca e mais impotente do que podemos imaginar, porque na natureza que recebemos de Deus só temos, pela queda de Adão, a ignorância do espírito, a fraqueza da razão, a corrupção da vontade, a desordem das paixões, a doença e a miséria do corpo. Não temos, portanto, nada em que nos gloriar, mas em tudo podemos encontrar motivos de humilhação. 'Humilha-te em todas as coisas' [Eclo 3,20] diz o Espírito Santo e Ele não nos diz para nos humilharmos apenas em algumas coisas, mas em todas - in omnibus.

91. A santa humildade é inimiga de certas especulações sutis; por exemplo: dizes que não podes compreender como é que tu próprio és um mero nada, no fazer e no ser, porque não podes deixar de saber que, na realidade, tu és alguma coisa e podes fazer muitas coisas; que não podes compreender porque é que és o maior de todos os pecadores, porque conheces tantos outros que são maiores pecadores do que tu; nem como é que mereces todos os vitupérios dos homens, quando sabes que não fizeste nenhuma ação digna de culpa mas, pelo contrário, muitas dignas de louvor.

Deves censurar-te por estares ainda tão longe da verdadeira humildade e pensares que podes compreender o sentido destas coisas. O verdadeiro humilde crê que é em si mesmo um simples nada, um pecador maior do que os outros, inferior a todos, digno de ser injuriado por todos por ser, mais do que todos, ingrato para com Deus. Ele sabe que este sentimento da sua consciência é absolutamente verdadeiro, e não se preocupa em investigar como é que isto torna-se verdade; o seu conhecimento é prático, e mesmo que ele não se compreenda a si próprio, e não possa explicar aos outros, com raciocínios sutis o que sente no seu coração, importa-se tão pouco com o fato de não o poder explicar como se importa com o fato de não poder explicar como é que o olho vê, a língua fala, o ouvido ouve. Daí se deduz que não é preciso ter grandes talentos para ser humilde e que, portanto, diante do tribunal de Deus, não será desculpa válida dizermos 'Não fui humilde porque não sabia, porque não compreendia, porque não estudava'. Podemos ter uma boa vontade, um bom coração, e não sermos inteligentes; e não há ninguém que não possa compreender esta verdade, que de Deus vem todo o bem que se possui e que ninguém tem nada de seu, exceto a sua própria malícia. 'A destruição é tua, ó Israel; teu socorro está somente em Mim' [Os 13,9], disse Deus pela boca do seu profeta.

92. A humildade é um meio poderoso de subjugar a tentação e, da mesma forma, as tentações servem para manter a humildade; porque é quando somos tentados que estamos praticamente conscientes de nossa própria fraqueza e da necessidade que temos da graça divina. É por isso que Deus permite que caiamos em tentação, reduzindo-nos por vezes ao próprio limite de sucumbir a ela, para que aprendamos a fraqueza da nossa virtude e o quanto precisamos do auxílio de Deus.

E até nisto podemos ver a infinita sabedoria de Deus, que dispôs que os próprios demônios, espíritos de orgulho, contribuíssem para nos tornar humildes, se soubéssemos aproveitar bem as nossas tentações. No entanto, devemos lembrar-nos de que, em todas as nossas tentações, a primeira coisa a fazer é exercitar a humildade que deriva de um conhecimento prático de nós mesmos e de como somos propensos ao mal, se Deus não estender a sua mão para nos refrear através da sua graça. Não esperemos para conhecer a nossa fraqueza até termos caído; mas conheçamo-la de antemão, e o conhecimento dela será um meio eficaz para nos impedir de cair. 'Antes da doença, toma-se um remédio; antes da doença, humilha-te' [Eclo 18, 20-21], diz a Sagrada Escritura. Os humildes nunca carecerão de graça no tempo da tentação e, com a ajuda dessa graça, tirarão proveito dessas mesmas tentações; pois a misericordiosa providência de Deus dispôs as coisas de tal modo que, com a ajuda especial da sua graça, Ele 'não deixará que nenhuma tentação se apodere de vós' [1Cor 10,13].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

domingo, 9 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Em minhas dores, ó Senhor, permanecei junto de mim!' (Sl 90)

Primeira Leitura (Dt 26,4-10) - Segunda Leitura (Rm 10,8-13) -  Evangelho (Lc 4,1-13)

  09/03/2025 - PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA

O JUGO DAS TENTAÇÕES 


Se há algo que liga de forma admirável todo o universo da criação é o zelo imposto à fidelidade e à obediência aos desígnios de Deus. O que significa dizer que criatura alguma não perpassou por tais provas de fidelidade sem o jugo das tentações. A primeira prova foi imposta aos anjos e uma miríade deles se condenou. Depois, Adão e Eva sucumbiram à tentação e o pecado deles marcou indelevelmente a história humana. Sob o jugo cotidiano de tentações diversas, todos nós percorremos nosso vale de lágrimas.

Mas Jesus, embora não possuindo a mais remota imperfeição, também foi tentado. E não, uma, duas ou três vezes como nos revelam as Sagradas Escrituras, mas muitas outras vezes naqueles 'quarenta dias no deserto' (Lc 4, 2). Aquele que disse de si 'Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida' (Jo 14,6) foi sempre exemplo. Sabendo de nossas imperfeições e da ação diabólica sobre a natureza humana, Jesus quis mostrar as provas e os riscos de nossa caminhada terrena: seremos tentados, mas temos todos os meios disponíveis para superar a malícia do tentador. Assim, Jesus submeteu-se às tentações do demônio no deserto para 'compadecer-Se de nossas fraquezas' e, em tudo, menos no pecado, assumir incondicionalmente a dimensão do homem.

E este Primeiro Domingo da Quaresma nos lembra as três tentações sofridas por Jesus e descritas nos Evangelhos. Depois de quarenta dias, em jejum e oração, Jesus teve fome. Jesus teve fome, como qualquer ser humano privado de alimento por longo tempo. A manifestação maligna ousou, então, tentar Jesus: diante a suspeição de ser Jesus o Filho de Deus pairava a incontestável condição humana de um homem debilitado pela fome. E, por isso, a primeira tentação tem essa via, em que o vômito maligno titubeia por ânsias de dubiedade: 'Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se converta em pão' (Lc 4,3). Ao que Jesus, citando as Escrituras, responde: 'Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra de Deus' (Lc 4,4), porque Jesus poderia alcançar o seu sustento por vias naturais mas, principalmente, para mostrar a ascensão da vida espiritual sobre a dimensão puramente física.

A segunda tentação foi a tentativa de idolatria, diante da soberba do poder diabólico, exposta pelo brilho feérico e a falsa concessão de 'todos os reinos do mundo'. Quantos homens não se perdem nessa vereda diante de migalhas de luxo e esplendor mesquinhos? Jesus vai responder ao espírito maligno: 'Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás' (Lc 4,8). Satanás sentiria reverberar em seus ouvidos a sentença de Miguel: 'Quem, como Deus?'. E chegaria a ousadia satânica a uma terceira tentação, misto de vanglória e desmedido orgulho, ainda mais abominável porque supostamente amparada nos próprios textos das Escrituras: 'Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz... Eles te levarão nas mãos para que não tropeces em alguma pedra' (Lc 4, 9.11). Jesus, uma vez mais, se submete ao desvario diabólico, para desmascarar suas ciladas e malícias e reduzi-lo como macaqueador de Deus: 'Não tentarás o senhor teu Deus' (Lc 4,12). A lição do Mestre sobre os benefícios das tentações e das provas humanas torna-se cristalina: não devemos temer o demônio, mas sim, o pecado, pois é o pecado que nos deixa à mercê da ação maligna de todos os demônios.

sábado, 8 de março de 2025

A INQUIETUDE DE DEUS

Na vida cotidiana moderna, a ciência e o progresso ditaram uma nova religião que impõe, como premissa absoluta, o esquecimento de Deus. Os clichês são os mesmos e variados, mas todos centrados na ideia de uma razão suprema, de uma ciência deificada, de um culto à tecnologia e ao progresso como irmãos siameses do conhecimento e da felicidade verdadeiros. Essa onda se infla do próprio estertor: o vazio de Deus.

O orgulho é a raiz de todos os pecados e de todos os desvarios. E o orgulho é patético em todas as suas raízes, porque é absolutamente incompatível com a miséria humana. O que é o homem na dimensão do homem? Um saco de ossos desconjuntados que usa e abusa do livre arbítrio para gestar do nada uma fotografia de coisa alguma. Que vai morrer de AVC ou de câncer, que vira um demente diante de uma cólica renal, que se aniquila diante de uma tragédia pessoal.

Para retaliar essa realidade esmagadora, a criatura assume o papel de náufrago nas águas turvas de sua incredulidade, e esconde-se de Deus por trás das máscaras da fuga ou da indiferença. Um homem sem Deus vive de quebrar espelhos, na crença doentia de que o ato de quebrar o espelho possa garantir a inexistência da imagem. 

Deus não está ali, porque espelhos se quebram e espelhos quebrados são apenas espelhos quebrados, que não valem nada. É na alma - imagem de Deus e não espelho do homem - que Deus inquieta o coração humano. É essa alma que pulsa, independentemente de espelhos quebrados todos os dias, pela nostalgia de Deus. É essa alma que reage ao estupor físico e mental do livre-arbítrio contra o esvaziamento da imagem e semelhança de Deus, que grita contra o indiferentismo e o orgulho reinantes, que incendeia escombros em cinzas. Eis aí onde mora a inquietude de Deus.

Em que minuto de sua vida tão valiosa essa inquietude vai fazer você se encontrar com Deus? Cada minuto de sua vida, Ele espera por você, pela imagem da graça divina gravada na sua alma. Ou esse minuto nunca vai existir e a sua vida, tão valiosa, não vai valer nada além de espelhos quebrados?

sexta-feira, 7 de março de 2025

INDULGÊNCIA PLENÁRIA DAS SEXTAS-FEIRAS DA QUARESMA

   

Indulgência Plenária: rezar com piedosa devoção a oração En ego, o bone et dulcissime Iesu (Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesus!) nas sextas-feiras da Quaresma, diante de uma imagem de Jesus Crucificado e depois da comunhão.

En ego, o bone et dulcissime Iesu, ante conspectum tuum genibus me provolvo, ac maximo animi ardore te oro atque obtestor, ut meum in cor vividos fidei, spei et caritatis sensus, atque veram peccatorum meorum paenitentiam, eaque emendandi firmissimam voluntatem velis imprimere; dum magno animi affectu et dolore tua quinque vulnera mecum ipse considero ac mente contemplor, illud prae oculis habens, quod iam in ore ponebat tuo1 David propheta de te, o bone Iesu: Foderunt manus meas et pedes meos: dinumeraverunt omnia ossa mea. Amen.

Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesus! De joelhos me prostro em vossa presença e vos suplico com todo o fervor de minha alma que vos digneis gravar no meu coração os mais vivos sentimentos de fé, esperança e caridade, verdadeiro arrependimento de meus pecados e firme propósito de emenda, enquanto vou considerando com vivo afeto e dor as vossas cinco chagas, tendo diante dos olhos aquilo que o profeta Davi já nos fazia dizer, Ó bom Jesus: ‘Transpassaram minhas mãos e meus pés e contaram todos os meus ossos’.

(SI 21,17; cf. Missal Romano, ação de graças depois da missa)

É sempre importante lembrar que a indulgência não é o perdão dos pecados, mas a reparação das penas e danos devidos aos pecados. Para se obter a indulgência plenária é preciso:

1. ter uma disposição interior de afastamento total de todo o pecado, mesmo do pecado venial;
2. ter feito confissão recente;
3. receber a Sagrada Comunhão;
4. rezar em intenção do Santo Padre e da Santa Igreja (orações livres, mas que a Santa Sé recomenda fazer na forma de um 'Pai Nosso' e de uma 'Ave Maria').

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

quinta-feira, 6 de março de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCVII)

Capítulo XCVII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Santa Madalena de Pazzi e Irmã Benedicta - O Pensamento do Purgatório: Exemplos do Padre Paulo Hoffee, Padre Claúdio de la Colombière e Padre Luís Corbinelli

Santa Madalena de Pazzi, em uma aparição de uma alma falecida, recebeu a mais salutar instrução sobre as virtudes religiosas. Havia no seu convento uma irmã chamada Maria Benedicta, que se distinguia pela sua piedade, pela sua obediência e por todas as outras virtudes que são o ornamento das almas santas. Era tão humilde, diz o Padre Cepari, e tinha tal desprezo por si mesma que, sem a orientação dos seus Superiores, teria ido a extremos, com o único objetivo de adquirir a reputação de ser uma pessoa sem prudência e sem juízo. Dizia, portanto, que não podia deixar de sentir inveja de Santo Aleixo, que encontrou um meio de viver uma vida oculta, desprezível aos olhos do mundo. Era tão dócil e pronta na obediência, que corria como uma criancinha ao menor sinal da vontade dos seus Superiores, e estes eram obrigados a usar de grande circunspeção nas ordens que lhe davam, para que ela não fosse além dos seus desejos. De fato, ela tinha adquirido tal domínio sobre as suas paixões e apetites, que seria difícil imaginar uma mortificação mais perfeita.

Esta boa irmã morreu subitamente, depois de algumas horas de doença. Na manhã seguinte, um sábado, durante a missa celebrada, enquano as religiosas cantavam o Sanctus, Madalena foi arrebatada em êxtase. Durante o arrebatamento, Deus mostrou-lhe esta alma sob a forma corporal na glória do Céu. Estava adornada com uma estrela de ouro, que recebera como recompensa pela sua ardente caridade. Todos os seus dedos estavam cobertos de anéis caros, por causa da sua fidelidade a todas as regras e do cuidado que tivera em santificar as suas ações mais ordinárias. Na cabeça, trazia uma coroa riquíssima, porque sempre amou a obediência e o sofrimento por Jesus Cristo. De fato, ultrapassava em glória uma grande multidão de virgens e contemplava o seu Esposo Jesus com singular familiaridade, porque tinha amado tanto a humilhação, segundo estas palavras do nosso Salvador: 'Aquele que se humilhar será exaltado'. Tal foi a sublime lição que a santa recebeu em recompensa da sua caridade para com os defuntos.

O pensamento do Purgatório incita-nos a trabalhar com zelo e a não cometer as menores faltas, a fim de evitar as terríveis expiações da outra vida. O Padre Paulo Hoffee, que morreu santamente em Ingolstadt no ano de 1608, fez uso deste pensamento em seu próprio benefício e no dos outros. Nunca perdeu de vista o Purgatório, nem deixou de aliviar as pobres almas que frequentemente lhe apareciam a pedir os seus sufrágios. Como Superior dos seus irmãos religiosos, exortava-os muitas vezes a santificarem-se a si próprios, para depois poderem santificar os outros, e a nunca negligenciarem a mais pequena prescrição das suas regras; depois acrescentava com grande simplicidade: 'Caso contrário, receio que venhais, como muitos outros o fizeram, pedir as minhas orações para que vos libertem do Purgatório'. Nos seus últimos momentos, ele estava totalmente ocupado em conversas amorosas com Nosso Senhor, sua Santíssima Mãe e os santos. Foi sensivelmente consolado pela visita de uma alma muito santa, que o tinha precedido no Céu apenas dois ou três dias antes e que agora o convidava a ir deleitar-se no amor eterno de Deus (Menologia da Companhia de Jesus, 17 de dezembro).

Quando dizemos que o pensamento do Purgatório nos faz usar todos os meios para o evitar, é evidente que temos razões para recear ir para lá. Mas em que se baseia esse temor? Se refletirmos um pouco sobre a santidade que é necessária para entrar no Céu e sobre a fragilidade da natureza humana, que é a fonte de tantas faltas, facilmente compreenderemos que este receio é demasiado fundamentado. Além disso, os exemplos que lemos acima não nos mostram claramente que, muitas vezes, mesmo as almas mais santas têm, por vezes, que sofrer expiação na outra vida?

O Venerável [depois Santo] Padre Cláudio de la Colombière morreu em odor de santidade, em Paray, a 15 de fevereiro de 1682, como havia sido predito pela Beata [depois Santa] Margariada Maria. Assim que ele expirou, deram notícia disso à Irmã Margarida. A santa religiosa, sem se mostrar perturbada e sem se desdobrar em vãs lamentações, disse simplesmente à pessoa que a avisara: 'Vai rezar a Deus por ele e faz com que se reze por toda a parte pelo repouso da sua alma'. O Padre tinha morrido às cinco horas da manhã. Nessa mesma noite, ela escreveu um bilhete à mesma pessoa, nestes termos: 'Deixa de te afligir; invoca-o. Não temais nada, ele é mais poderoso do que nunca para nos ajudar'. Estas palavras dão-nos a entender que ela tinha sido sobrenaturalmente esclarecida acerca da morte deste santo homem e do estado da sua alma na outra vida.

A paz e a tranquilidade da Irmã Margarida diante da morte de um diretor que lhe tinha sido útil foi outra espécie de milagre. A bem-aventurada irmã não amava senão em Deus e por Deus; Deus ocupava o lugar de tudo no seu coração e consumia pelo fogo do seu amor todos os outros apegos. A superiora ficou surpreendida com a sua perfeita tranquilidade por ocasião da morte do santo missionário e, mais ainda, por Margarida não ter pedido para fazer nenhuma penitência extraordinária para o repouso da sua alma, como era seu costume por ocasião da morte de qualquer pessoa conhecida por quem se interessasse particularmente. A Madre Superiora perguntou à serva de Deus a razão disso e ela respondeu-lhe muito simplesmente: 'Ele não tem necessidade disso; está em condições de rezar por nós, uma vez que foi exaltado no Céu pelo Sagrado Coração de Nosso Senhor Divino. Apenas para expiar uma ligeira negligência na prática do Amor Divino' - acrescentou - 'a sua alma foi privada da visão de Deus desde que deixou o corpo até ao momento em que os seus restos mortais foram entregues ao túmulo'.

Acrescentemos mais um exemplo, o do Padre Corbinelli. Esta santa pessoa não foi isenta do Purgatório. É verdade que não ficou retido lá, mas teve que passar pelas chamas antes de ser admitido na presença de Deus. Luís Corbinelli, da Companhia de Jesus, morreu em odor de santidade na casa professa de Roma, no ano de 1591, quase ao mesmo tempo que São Luís Gonzaga. A morte trágica de Henrique II, rei de França, provocou-lhe um desgosto pelo mundo e decidiu consagrar-se inteiramente ao serviço de Deus. No ano de 1559, o casamento da princesa Isabel foi celebrado com grande pompa na cidade de Paris. Entre outros divertimentos, foi organizado um torneio, no qual figurou a flor da nobreza e da cavalaria francesas. O próprio Rei apareceu no meio da sua brilhante corte. Entre os espectadores, reunidos até de terras estrangeiras, estava o jovem Luís Corbinelli, que tinha vindo da sua cidade natal - Florença - para assistir ao festival. Corbinelli contemplava com admiração a glória do monarca francês, agora no zênite da sua grandeza e prosperidade quando, de repente, o viu cair, atingido por um golpe fatal desferido por um oponente imprudente. A lança mal empunhada por Montgomery transpassou o Rei, que expirou ali mesmo banhado em sangue.

Num piscar de olhos, toda a sua glória desapareceu e a magnificência real foi coberta por uma mortalha. Este acontecimento causou uma impressão profunda em Corbinelli; vendo assim exposta a futilidade da grandeza humana, renunciou ao mundo e abraçou a vida religiosa na Companhia de Jesus. A sua vida foi a de um santo, e a sua morte encheu de alegria todos os que dela foram testemunhas. Aconteceu alguns dias antes da morte de São Luís, que estava doente no Colégio Romano. O jovem santo anunciou ao Cardeal Bellarmine que a alma do Padre Corbinelli tinha entrado na glória; e quando o Cardeal lhe perguntou se não tinha passado pelo Purgatório, respondeu: 'Passou, mas não ficou lá'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quarta-feira, 5 de março de 2025

QUARESMA 2025

A Quaresma é assumida pela Igreja como um tempo de preparação para a celebração da Páscoa, movido essencialmente pelo incentivo maior e mais intenso pelo povo cristão das práticas de oração constante e penitência, como jejuns e obras de caridade. A Quaresma deste ano tem início na Quarta-Feira de Cinzas (05 de março) e se estende até as vésperas imediatas da Missa Vespertina In Coena Domini na Quinta-Feira Santa, ou seja, na Quarta Feira da Semana Santa (dia 16/04/2025). 


Sugestão: Adotar este ciclo de leituras e devoções diárias (40 dias) durante esta Quaresma (clicar sobre o título abaixo)


Primeiro Dia - Quarta Feira de Cinzas
Quadragésimo Dia - Quarta Feira da Semana Santa 

Não incluir na sequência das datas das Leituras do Diário da Quaresma de 2025 os dias 19/03 (São José), 25/03 (Anunciação do Senhor) e 13/04 (Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor)

QUARTA DE CINZAS


Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

'Lembra-te, homem, que és pó e ao pó retornarás!(Gn 3,19). A Quarta-Feira de Cinzas é o primeiro dia do tempo da Quaresma, quarenta dias antes da Páscoa. Neste dia por excelência refletimos sobre a nossa condição mortal nesta vida e a eternidade de nossas almas na vida futura. Num tempo em que se valoriza tanto a dimensão física, a beleza do corpo, a imposição das cinzas nos desvela a dura realidade do nosso corpo mortal: apenas pó que há de se consumir em cinzas.

Esse dia dá início, portanto,  a um tempo de profunda meditação sobre a nossa condição humana diante da grandeza e misericórdia de Deus. Tempo para fazer da nossa absurda fragilidade, sustentáculos da verdade e da fé; tempo para fazer de nossa pequenez e miséria, um templo de oração e um arcabouço de graças; tempo para transformar a argila pálida de nossos feitos e conquistas, em patamares seguros para a glória de Deus. Um tempo de oração, jejum e caridade. Um tempo de oração, desagravo, conversão, reparação. E um tempo de penitência, penitência, penitência...

A penitência é traduzida por atos de mortificação, seja na caridade silenciosa de um pequeno gesto, seja na determinação silenciosa de um pequeno 'não!' Pequenos gestos: uma visita a um amigo doente, uma palavra de conforto a quem padece ausências, um bom dia ainda nunca ofertado; ou um pequeno 'não': à abstinência de carne ou refrigerante ou ao fumo; abrir mão de ter sempre a última resposta ou para aquela hora a mais de sono; simplesmente dizer não a um livro, a uma música, a uma revista, a um programa de televisão. 

Propague o silêncio, sirva-se da modéstia; invista no anonimato, não se ensoberbeça, pratique a tolerância, estanque a frivolidade, consuma-se na obediência. Lembra-te que és pó e todas as tuas ações, aspirações e pensamentos vão reverberar em ti as glórias de Deus.

Abre-se hoje o Tempo da Quaresma: 'convertei-vos e crede no Evangelho'. Pois é no Evangelho (Mt 6, 1-6.16-18) que Jesus nos dá os instrumentos para a realização de uma autêntica renovação interior: oração, jejum e caridade. Com estas três práticas fundamentais, o tempo de penitência da quaresma é convertido em caminho de santificação ao encontro de Jesus Ressuscitado que vem, na Festa da Páscoa.