segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

O PRESÉPIO E A CRUZ


Deus amou tanto o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3,16)

O verdadeiro Natal está no fato de que Jesus nasceu para a nossa salvação. Não há como separar ou distinguir o Presépio do Calvário ou a manjedoura da Cruz. O caminho da salvação tem um intinerário único, firmado na graça e com começo e fim indissociáveis: a Belém e o Calvário já nasceram juntos!  

domingo, 29 de dezembro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!' (Sl 127)

Primeira Leitura (Eclo 3,3-7.14-17a) - Segunda Leitura (Cl 3,12-21) -  Evangelho (Lc 2,41-52)

  29/12/2024 - SAGRADA FAMÍLIA 

SAGRADA FAMÍLIA


Neste último domingo do ano, o Evangelho evoca o culto à Sagrada Família, síntese da vida cristã autêntica e primeira igreja na terra. Deus veio ao mundo por meio da família; eis porque a família é a fonte primária da sociedade, síntese da vida cristã autêntica e a primeira igreja. E que modelo de família cristã Deus legou ao mundo: Jesus, Maria e José: Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade; Maria, a Virgem Mãe de Deus, e São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus. Família sagrada que viveu em plenitude a submissão à perfeição do amor; submissão que se expressa pelos sentimentos de entrega e renúncia em tudo e não pelo servilismo complacente.

Na humilde casa de Nazaré, três pessoas: pai, mãe e filho viviam em natureza sobrenatural exatamente inversa à ordem natural: São José, patriarca e pai de família devotado, com direitos naturais legítimos sobre a esposa e o filho, era o menor em perfeição; Nossa Senhora, esposa e mãe, era Mãe de Deus e de todos os homens; Jesus, a criança indefesa e submissa aos pais, é o Deus feito homem para a salvação do mundo. Portentoso mistério que revela a singular santidade da família humana, moldada sobre clara hierarquia divina, moldada por Deus para ser escola de santificação, amor, renúncia e salvação.

Neste modelo de submissão perfeita ao amor de Deus e à lei mosaica, certa ocasião, quando Jesus contava 12 anos, os seus pais subiram com ele até Jerusalém, para participarem das festas da Páscoa, conforme os preceitos vigentes. Vieram com muitos outros, parentes e conhecidos, em grupos numerosos de caravanas. Uma vez concluídos os eventos da Páscoa, tomando o caminho de volta, perceberam que o menino não voltara com eles. Perplexos e angustiados, buscaram o menino entre os parentes, entre os conhecidos, em peregrinações difusas pelas ruas de Jerusalém para, finalmente, o encontrarem no Templo, em meio aos sábios e doutores da lei, manifestando a todos a glória do Pai na casa do Pai: 'Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?' (Lc 2, 49). Jesus submetia sua missão no mundo à Santa Vontade do Pai, acima de quaisquer preceitos humanos ou terrenos. A sua hora não havia chegado, mas o anúncio de sua missão havia sido dado. E, no recolhimento do lar de Nazaré, obediente em tudo e na plenitude da vida em família, 'Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens' (Lc 2, 52).

Eis o legado da Sagrada Família às famílias cristãs: a oração cotidiana santifica os pais e os filhos numa obra incomensurável do amor de Deus e a fortalece contra todos as tribulações. Sim, que os maridos amem profundamente suas esposas, que as esposas sejam solícitas a seus maridos, que os pais não intimidem os seus filhos, que os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais. Mas que rezem juntos, que louvem a Deus juntos, que se santifiquem juntos, como família de Deus. Em Nazaré, Deus tornou a família modelo e instrumento de santificação; que em nossas casas e em nossas famílias, a Sagrada Família seja o modelo e instrumento para a nossa vida e para nossa santificação de todos os dias!

sábado, 28 de dezembro de 2024

SANTOS INOCENTES

Rachel plorans filios suos et noluit consolari

'Vendo, então, Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irritado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos. Cumpriu-se, então, o que foi dito pelo profeta Jeremias (Jr 31,15): Em Ramá se ouviu uma voz, choro e grandes lamentos: é Raquel a chorar seus filhos; não quer consolação, porque já não existem' (Mt 2,16-18)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XV)

 

65. Quando considero as palavras que Jesus Cristo dirigiu ao seu Pai celestial em oração, dizendo que não orava pelo mundo: 'Não rogo pelo mundo' [Jo 18,9] e ainda que, ao rogar por seus discípulos para que sua oração fosse mais eficaz, enfatizou o fato de que eles não eram seguidores do mundo: 'Eles estão no mundo, mas não são do mundo' - confesso que nenhuma palavra de nosso Salvador em todo o Evangelho me aterroriza mais do que essas. Pois percebo que é necessário que eu me separe do mundo, para que Jesus Cristo possa interceder por mim. E se eu for um amante do mundo, serei excomungado por Jesus Cristo e não terei parte nas suas graças e orações. Estas são as palavras do próprio Cristo: 'Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que não são do mundo'.

Vamos entender a realidade destas palavras: Jesus Cristo nos exclui do seu reino se pertencermos ao mundo, isto é, se quisermos seguir as máximas do mundo que não passam de vaidade e engano e enchem o homem de orgulho; as máximas do mundo que o profeta diz que 'desviam o caminho dos humildes' [Am 2,7]. Entretanto, Jesus Cristo é o nosso advogado junto do Pai, na medida em que, renovando o nosso voto batismal, renunciamos ao mundo e aceitamos as máximas do Evangelho que são verdadeiras e tendem a tornar o homem humilde. Servir a Deus e ao mundo é impossível, porque não se pode agradar a ambos: 'ou há de se apegar a um e desprezará o outro' [Lc 16,13]. Pretender servir a Deus e ao mundo é o mesmo que imaginar que podemos ser humildes e orgulhosos ao mesmo tempo. Sonho vão!

66. A meditação mais familiar que o seráfico São Francisco tinha o hábito de fazer era esta: primeiro elevava o pensamento a Deus e depois o voltava para si mesmo: 'Meu Deus, exclamava ele, quem sois Vós e quem sou eu?' E, elevando o pensamento primeiro à grandeza e à bondade infinita de Deus, descia depois para considerar a sua própria miséria e vileza. E assim, subindo e descendo essa escala de pensamento da grandeza de Deus até o seu próprio nada, o santo seráfico passava noites inteiras em meditação, praticando nesse exercício uma humildade real, verdadeira, sublime e profunda, como os anjos vistos por Jacó em seu sono naquela escada de perfeição mística 'subindo e descendo por ela' [Gn 28,12].

Este deve ser o nosso modelo para não errarmos no exercício da humildade. Fixar o pensamento apenas na nossa miséria pode fazer-nos cair na desconfiança e no desespero e, do mesmo modo, fixar o pensamento apenas na contemplação da bondade divina pode levar-nos a ser presunçosos e precipitados. A verdadeira humildade situa-se entre as duas: 'A humildade' - diz São Tomás - 'controla a presunção e fortalece a alma contra o desespero' [2a 2æ, qu. clxi, art. 1 ad 3]. Desconfiai de vós mesmos e confiai em Deus, e assim, desconfiando e assim confiando, entre o temor e a esperança, realizareis a vossa salvação no espírito do Evangelho.

Devemos primeiro refletir sobre a infinita misericórdia de Deus, para suscitar a nossa esperança, como fez o rei Davi: 'A vossa misericórdia está diante dos meus olhos' e depois refletir sobre a sua justiça, para nos mantermos no seu temor: 'Senhor, só da vossa justiça hei de proclamar' [Sl 70,16]. E também, voltando os nossos pensamentos para nós mesmos, devemos primeiro refletir sobre o homem como sendo a obra de Deus criada à sua imagem e semelhança, de modo a dar a Deus a glória; depois devemos refletir sobre o pecador no homem que é a nossa obra e que nos deve deixar profundamente abatidos. 'O homem e o pecado' -  diz Santo Agostinho - 'são como que duas coisas distintas. O que tem o sabor do homem foi feito por Deus, o que tem o sabor do pecador foi feito pelo próprio homem. Impõe-se destruir o que o homem fez para que Deus possa salvar o que Ele fez' [Tract xii, in 10]
 
67. O conhecimento de si mesmo é uma grande ajuda para adquirir a humildade; mas, no meio de tantas paixões, faltas e vícios de que temos consciência, reconhecer o nosso próprio orgulho é o mais útil de todos. Porque este vício é o mais vergonhoso de todos, e mesmo nas nossas confissões é-nos mais difícil dizer com verdade: 'Acuso-me de ser orgulhoso e de não me esforçar seriamente por corrigir esta falta' do que acusarmo-nos de muitos outros pecados. Esse conhecimento de nosso orgulho é muito humilhante; pois, enquanto certos outros vícios podem ser lamentados e desculpados por uma razão ou outra, o orgulho nunca pode ser lamentado ou desculpado, sendo um pecado diabólico e odioso não apenas para Deus, mas para os homens - como diz a palavra inspirada: 'O orgulho é abominável diante de Deus e dos homens' [Eclo, 10,7].

Examinemo-nos, pois, diariamente sobre este ponto; acusemo-nos dele nas nossas confissões e, reconhecer assim o nosso orgulho, será um excelente incentivo para nos tornarmos humildes. Oremos a Jesus Cristo para que Ele faça por nós o mesmo que fez pelo cego que curou, e peçamos-lhe que ponha a lama do orgulho nos nossos olhos, para que possamos ver. Digamos a Deus: 'Vós sois o meu Deus, aquele Deus que 'levanta o necessitado da terra e ergue o pobre da imundície' [Sl 112,7], fazei com que este orgulho, que é o meu grande pecado, sirva para Vós de instrumento para que eu alcance uma humildade virtuosa!'

68. Consideremos as coisas deste mundo em que somos capazes de nos deleitarmos em vão. Um pode orgulhar-se da sua saúde robusta e da sua força corporal, outro da ciência, do saber, da eloquência e de outros dons que adquiriu pelo estudo e pela arte. Outro orgulha-se da sua riqueza e dos seus bens; outro da sua nobreza e da sua posição; outro das suas virtudes morais, ou de outras virtudes que lhe trazem a graça e a perfeição espirituais: mas não devem todos estes dons ser considerados como outros tantos benefícios vindos de Deus, dos quais temos de prestar contas se não os usarmos para resistir à tentação e nos conformarmos com a ordenação de Deus? Somos devedores a Deus por cada benefício que recebemos, e somos obrigados a empregar esses dons e a negociar com eles para a glória de Deus, como mercadores a quem é confiado um capital. Quando consideramos quantos benefícios, tanto do corpo como da alma, recebemos de Deus, somos obrigados a admitir que há muitas dívidas que contraímos para com Ele, e por que razão nos havemos de gloriar nas nossas dívidas?

Nenhum comerciante prudente, se tivesse grandes dívidas, iria proclamar o fato no mercado pois assim perderia o seu crédito; e como podemos esperar ganhar crédito gabando-nos das muitas dívidas que temos para com Deus? Dívidas tão pesadas que corremos o risco de ficar falidos no dia em que nosso Senhor e Mestre dirá: 'Paga o que me deves!' [Mt 18,28]. Dos benefícios que recebemos de Deus devemos tirar lições de humildade e não de orgulho, seguindo o ensinamento de São Gregório: 'Quanto mais rigorosa for a conta que um homem vê que deve dar dos seus deveres, tanto mais humilde deve ter no cumprimento deles' [Hom. ix in Evang]. O nosso desejo de nos vangloriarmos dos favores que recebemos de Deus só demonstra a nossa ingratidão, e temos mais motivos para nos humilharmos por sermos ingratos do que para nos gloriarmos dos benefícios que nos foram concedidos.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

NUNC DIMITTIS

nunc dimittis servum tuum Domine secundum verbum tuum in pace

'Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação que preparastes diante de todos os povos, como luz para iluminar as nações, e para a glória de vosso povo de Israel' 
(Lc 2,29-32)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!

 

Desejo a todos os nossos amigos e visitantes um Santo e Feliz Natal! 

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


CÂNTICO DE NATAL


Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus,  
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.

José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus)