quinta-feira, 21 de novembro de 2024

FRASES DE SENDARIUM (XLI)

'Se o homem reconhecesse o mistério da Santa Missa, no qual Deus dá o seu Corpo e Sangue em sacrifício para os homens, morreria de amor' 

(São Tomás de Aquino)

Todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pela qual Cristo, nossa páscoa, foi imolado, atualiza-se a obra da redenção (Constituição Dogmática Lumen Gentium).

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

SOBRE O APARENTE TRIUNFO DOS ÍMPIOS

O bem convive assiduamente com o aparente triunfo dos ímpios. A cilada mortal seria tornar-se um deles e atuar a favor do reino da iniquidade. As Sagradas Escrituras - particularmente os Salmos - oferecem aos justos o caminho da Verdade: nunca invejar a prosperidade dos maus ou o aparente triunfo do mal, mas permanecer firmes sob o bem e a graça que só podem emanar de Deus, porque a morte será sempre o fim de  tudo e o começo do preço a pagar na vida eterna. 


'Não te irrites por causa dos que agem mal, nem invejes os que praticam a iniquidade, pois logo eles serão ceifados como a erva dos campos, e como a erva verde murcharão. Espera no Senhor e faze o bem; habitarás a terra em plena segurança. Põe tuas delícias no Senhor, e os desejos do teu coração ele atenderá. Confia ao Senhor a tua sorte, espera nele, e ele agirá. Como a luz, fará brilhar a tua justiça; e como o sol do meio-dia, o teu direito. Em silêncio, abandona-te ao Senhor, põe tua esperança nele. Não invejes o que prospera em suas empresas, e leva a bom termo seus maus desígnios. Guarda-te da ira, depõe o furor, não te exasperes, que será um mal, porque os maus serão exterminados, mas os que esperam no Senhor possuirão a terra. Mais um pouco e não existirá o ímpio; se olhares o seu lugar, não o acharás. Quanto aos mansos, possuirão a terra, e nela gozarão de imensa paz' (Sl 36,1-11).


'Por que ter medo nos dias de infortúnio, quando me cerca a malícia dos meus inimigos? Eles confiam em seus bens, e se vangloriam das grandes riquezas. Mas nenhum homem a si mesmo pode salvar-se, nem pagar a Deus o seu resgate. Caríssimo é o preço da sua alma, jamais conseguirá prolongar indefinidamente a vida e escapar da morte, porque ele verá morrer o sábio, assim como o néscio e o insensato, deixando a outrem os seus bens. O túmulo será sua eterna morada, sua perpétua habitação, ainda que tenha dado a regiões inteiras o seu nome, pois não permanecerá o homem que vive na opulência: ele é semelhante ao gado que se abate. Este é o destino dos que estultamente em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em delícias. Como um rebanho serão postos no lugar dos mortos; a morte é seu pastor e os justos dominarão sobre eles. Depressa desaparecerão suas figuras, a região dos mortos será sua morada. Deus, porém, livrará minha alma da habitação dos mortos, tomando-me consigo' (Sl 48,6-16).


'Ó como Deus é bom para os corações retos, e o Senhor para com aqueles que têm o coração puro! Contudo, meus pés iam resvalar, por pouco não escorreguei, porque me indignava contra os ímpios, vendo o bem-estar dos maus: não existe sofrimento para eles, seus corpos são robustos e sadios. Dos sofrimentos dos mortais não participam, não são atormentados como os outros homens. Eles se adornam com um colar de orgulho, e se cobrem com um manto de arrogância. Da gordura que os incha sai a iniquidade, e transborda a temeridade. Zombam e falam com malícia, discursam, altivamente, em tom ameaçador. Com seus propósitos afrontam o céu e suas línguas ferem toda a terra. Por isso, se volta para eles o meu povo, e bebe com avidez das suas águas. E dizem então: “Porventura Deus o sabe? Tem o Altíssimo conhecimento disso?”. Assim são os pecadores que, tranquilamente, aumentam suas riquezas' (Sl 72, 1-12).


'Então, foi em vão que conservei o coração puro e na inocência lavei as minhas mãos? Pois tenho sofrido muito e sido castigado cada dia. Se eu pensasse: “Também vou falar como eles”, seria infiel à raça de vossos filhos. Reflito para compreender este problema, mui penosa me pareceu esta tarefa, até o momento em que entrei no vosso santuário e em que me dei conta da sorte que os espera. Sim, vós os colocais num terreno escorregadio, à ruína vós os conduzis. Eis que subitamente se arruinaram, sumiram, destruídos por catástrofe medonha. Como de um sonho ao se despertar, Senhor, levantando-vos, desprezais a sombra deles. Quando eu me exasperava e se me atormentava o coração, eu ignorava, não entendia, como um animal qualquer. Mas estarei sempre convosco, porque vós me tomastes pela mão. Vossos desígnios me conduzirão e, por fim, na glória me acolhereis. Afora vós, o que há para mim no céu? Se vos possuo, nada mais me atrai na terra. Meu coração e minha carne podem já desfalecer, a rocha de meu coração e minha herança eterna é Deus. Sim, perecem aqueles que de vós se apartam, destruís os que procuram satisfação fora de vós. Mas, para mim, a felicidade é me aproximar de Deus, é por minha confiança no Senhor Deus, a fim de narrar as vossas maravilhas diante das portas da filha de Sião' (Sl 72, 13-28).

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O CORDEIRO DE DEUS E O LIVRO COM SETE SELOS

'Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos... prostraram-se diante do Cordeiro... cantavam um cântico novo, dizendo: Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça' (Ap 5,1.8-9)







segunda-feira, 18 de novembro de 2024

CASTIGO SEVERO E PERPÉTUO

Certo dia, quando São Bernardo se dirigia para a corte do Conde Teobaldo, deparou-se-lhe um grupo de soldados que conduziam um prisioneiro ao cadafalso, para enforcá-lo.

Vendo a cena, apoderou-se São Bernardo da corda com que era conduzido o condenado, e fez esta estranha proposta aos verdugos:
— Entregai-me este criminoso, e executá-lo-ei com as minhas próprias mãos.

Naquele momento aproximou-se o conde. O seu espanto foi profundo ao ver o santo, a quem estimava como pai, entre o assassino e os oficiais da justiça. Ficou perplexo ao escutar a petição do amigo:

— Venerável pai, que significa isto? Por que pretendeis salvar a vida de um homicida que merece a morte centenas de vezes? É um incorrigível filho de Satanás, e o melhor serviço que podemos prestar-lhe é privá-lo da vida. Os interesses da sociedade exigem a sua morte.

— Sei que este homem é merecedor da morte, e não tenciono deixá-lo partir sem punição. Ao contrário, quero submetê-lo a um castigo severo e perpétuo. Vós o suspenderíeis no cadafalso, onde em breve escaparia ao vosso poder, mas eu o amarrarei a uma cruz, onde sofrerá muitos anos.

Não formulando Teobaldo objeções, Bernardo colocou seu capuz sobre o malfeitor, ao qual deu o nome de Constantino, levando-o para o convento.

Após trinta anos de severas penitências, o bem aventurado Constantino morreu, sendo sua festa proclamada no dia 16 de março.

('Bernardo de Claraval', de Ailbe Luddy, publicado originalmente no blog Glória da Idade Média)

domingo, 17 de novembro de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Guardai-me, ó Deus, porque em Vós me refugio!' (Sl 15)

Primeira Leitura (Dn 12,1-3) - Segunda Leitura (Hb 10,11-14.18) -  Evangelho (Mc 13,24-32)

  17/11/2024 - TRIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO DO TEMPO COMUM

51. 'AS MINHAS PALAVRAS NÃO PASSARÃO' 


Neste 33º Domingo do Tempo Comum, período final do Ano Litúrgico de 2024, os Evangelhos enfatizam de forma especial os últimos acontecimentos que consolidam a obra redentora de Cristo - os novíssimos dos homens, morte, juízo particular e juízo universal: 'Lembra-te dos teus Novíssimos, e jamais pecarás' (Ecl 7, 40). A obra salvífica de Cristo, ornada pelos mistérios insondáveis de tantas graças e misericórdias, imprime-se também do selo da justiça divina.

Em continuação às profecias da derrocada completa do Templo de Jerusalém tão próxima, Jesus vai associar profecias muitíssimo mais terríveis relativas à consumação dos séculos, em tempos bem mais remotos: 'Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas' (Mc 13, 24 - 25). A glória dos eleitos e a condenação dos ímpios será precedida por eventos espantosos, capazes de alterar o próprio equilíbrio da terra e que também antecedem a segunda vinda do Senhor: 'Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória' (Mc 13, 26).

Em meio às convulsões da terra em fúria, todos os poderes da natureza serão abalados, inclusive a atmosfera e o céu material: 'O céu e a terra passarão' (Mc 13, 31). Este dia terrível que 'será um tempo de angústia, como nunca houve até então, desde que começaram a existir nações' (Dn 12,1) somente é conhecido pelo Pai: 'nem o Filho' não significa que, sendo Deus, este dia é desconhecido por Jesus, mas que, na condição humana, Jesus não poderia revelar esta verdade aos homens. Entretanto, todos os homens precavidos e vigilantes poderão compreender os seus sinais iminentes, tal como a floração da figueira indica a proximidade do verão.

Quando da sua vinda gloriosa, Jesus julgará todas as nações, povos e homens, de acordo com as suas santas prescrições: 'as minhas palavras não passarão' (Mc 13, 31). E, então, nestes tempos tremendos do fim, os anjos reunirão os eleitos dos 'quatro cantos da terra' e eles, alvejados pela graça e pela fé, renascerão triunfantes para todo o sempre como filhos de Deus Altíssimo porque 'os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão como as estrelas, por toda a eternidade' (Dn 12, 3).

sábado, 16 de novembro de 2024

SOBRE A DEVOÇÃO À NOSSA SENHORA

É bem possível que o empecilho [à vida espiritual] seja a falta de devoção a Nossa Senhora. Sem esta devoção a vida interior é impossível, porque não se dá conforme a vontade de Deus. E esta reside sobretudo em Nossa Senhora. Ela é a solidez da devoção, e não nos lembramos bastante disso. Os principiantes estão com frequência tão ocupados com a parte metafísica da vida espiritual, que não dão a esta devoção a necessária importância. Mencionarei aqui alguns pontos que eles não parecem considerar.

A devoção à Mãe de nosso Senhor não é um ornamento do sistema católico, uma beleza supérflua, nem mesmo um auxílio, dentre os muitos que podemos ou não empregar, mas é parte integral do cristianismo e, sem ela, nossa religião não é, estritamente falando, cristã. Seria uma religião diferente daquela que Deus revelou. Nossa Senhora é uma lei distinta de Deus, um meio especial de graça, cuja importância ressalta do ódio instintivo que lhe tem a heresia.

Maria é o pescoço do corpo místico unindo portanto todos os membros à Cabeça, e sendo o canal e o instrumento que dispensa todas as graças. A devoção a Nossa Senhora é a verdadeira imitação de Jesus porque, após a glória do Pai, foi a devoção mais ligada e mais cara ao sagrado Coração. É de uma solidez a toda prova, porque está perpetuamente ocupada com o ódio ao pecado e a aquisição de virtudes substanciais. Descuidar-nos dela é desprezar a Deus, pois ela é a sua lei; é ferir a Jesus em sua Mãe.

Deus mesmo a colocou na Igreja, como um poder distinto e, portanto, o seu culto é eficaz, é fonte de milagres, é parte da nossa religião, que de modo algum podemos colocar de lado. A espiritualidade é necessariamente ortodoxa. Isto é evidente. Ora, a doutrina não seria ortodoxa, se preterisse o ofício e as prerrogativas da Mãe de Deus. Assim, também a espiritualidade não é ortodoxa, em se desviando ou separando de uma devoção tão generosa e tão justa. Com efeito, um erro de doutrina é duplamente perigoso quando se relaciona com a vida espiritual. Envenena a tudo, e não há prejuízo que não se possa prever para a infortunada alma que lhe é sujeita.

Se, então, tendes os sintomas que indicam algo de errado, algo que vos retarda, verificai primeiro se vossa devoção a Nossa Senhora é o que devia ser, em termos de qualidade e grau, em fé e confiança, em amor e lealdade. A perfeição está sob a sua proteção particular porque esta é uma das especiais prerrogativas inerentes à rainha dos santos.

(Excertos da obra 'Progresso na Vida Espiritual', do Pe. F. Faber, 1954)

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XIII)

 

59. Sempre que acontece fazermos o bem às almas dos outros, quer pela instrução ou pelos bons conselhos, quer pelas nossas palavras e bons exemplos, é então, mais do que em qualquer outro momento, que nos devemos considerar obrigados a ser humildes. E isso, por esta razão, que se fundamenta na fé e na verdade: Deus escolhe as coisas mais vis, mais fracas, mais vulgares e mais dignas de desprezo deste mundo para a realização dos seus grandes desígnios, e esta é uma verdade revelada pelo Espírito Santo pela boca de São Paulo: 'O que é estulto no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes; e o que é vil e desprezível no mundo, Deus o escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são' [1 Cor 1,27-28].

Portanto, se Deus me fez o seu instrumento para semear a boa semente nas almas dos outros, para que produzam frutos para a vida eterna, que é a obra mais maravilhosa que procede de sua misericórdia e onipotência, devo, em consequência, considerar-me na verdade entre as coisas mais vis e desprezíveis deste mundo: 'aquelas coisas que nada são, para destruir as que são'. Este é um artigo de fé. Se uma alma se perdesse por causa do meu mau exemplo ou conselho, eu seria certamente o autor e a causa da sua destruição, mas se uma alma fosse salva por minha palavra ou ação, eu não poderia atribuir a glória a mim mesmo, porque a salvação dessa alma teria sido inteiramente obra de Deus, pois 'a salvação vem do Senhor' [Sl 3,9]. Os dons da ciência, da sabedoria e da eloquência, e até mesmo o de fazer milagres, são graças que se chamam gratuitas e, às vezes, são dadas até mesmo aos ímpios. Somente a graça santificante, que é dada àquele que vive em humildade e caridade, é a que torna a alma preciosa aos olhos de Deus; mas ninguém está seguro de possuí-la.

60. Como o Paraíso é só para os humildes, no Paraíso cada um terá mais ou menos glória, segundo o seu grau de humildade. Deus exaltou Jesus Cristo em glória acima de todos porque Ele era o mais humilde de todos: sendo o verdadeiro Filho de Deus, Ele ainda escolheu tornar-se o mais abjeto de todos os homens. E, depois de Jesus Cristo, a mais exaltada de todas foi a sua santa Mãe porque, sendo superior a todos na sua dignidade de Mãe de Deus, humilhou-se mais do que todos pela sua profunda humildade. Esta regra, ditada pela sabedoria de Deus, aplica-se a todos os outros Os santos são exaltados na sua glória no Céu em proporção à sua humildade na terra.

A Sagrada Escritura diz verdadeiramente que 'a humildade precede a glória' [Pv 15,33]. Jó havia dito o mesmo: 'Deus abaixa o altivo e o orgulhoso, mas socorre aquele que abaixa os olhos' [Jó 22,29]. Mas o Salvador do mundo falou ainda mais claramente quando, tendo mostrado que a humildade era necessária para entrar no reino dos céus, chamou uma criancinha e disse: 'Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos Céus'  [Mt 18,4]. Quão preciosa deve ser a humildade quando Deus a recompensa com a glória eterna! Ó, minha alma, levanta os olhos da tua fé para o Paraíso e considera se não será melhor ser humilde na nossa curta existência aqui na Terra, de modo a entrar com alegria na glória incomensurável dessa eternidade feliz? 'A nossa presente tribulação, momentânea e ligeira, nos proporciona um peso eterno de glória incomensurável' [IICor 4,17].  Recomenda-te de todo o coração a esse Deus, que 'exalta os humildes' [Jó 5,11]. 

61. A prova da verdadeira humildade é a paciência: nem a mansidão do falar, nem a humildade do porte, nem o entregar-se a obras humildes, são indícios suficientes para julgar se uma alma é verdadeiramente humilde. Há muitos que têm toda a aparência de humildade exterior, mas que se irritam com qualquer adversidade mínima e se ressentem de qualquer pequena contrariedade que possam encontrar. Se, em certas circunstâncias, mostramos tolerância e paciência ao suportar um insulto, ao sofrer uma injustiça em silêncio, sem indignação e raiva ou ressentimento, é um bom sinal, e podemos começar a concluir que temos alguma humildade; mas, mesmo assim, a paciência só pode ser um sinal infalível de verdadeira humildade quando procede do reconhecimento de nossa própria indignidade e quando toleramos a injustiça porque sabemos que nós mesmos estamos cheios de falhas e somos merecedores dela.

E como é que nós estamos em relação a esta paciência, ó minha alma? Ó meu Deus, quanto orgulho encontro até na minha paciência! Às vezes sofro uma injustiça mas, ao mesmo tempo, sinto-me injustiçado. Sofro um insulto, mas considero que não o mereço; se os outros não me estimam, eu estimo-me a mim mesmo. Há aqui humildade? Nem um resquício! Os santos padres atribuem a Jesus Cristo as palavras que o profeta diz de si mesmo: 'porque estou prestes a cair' [Sl 37,18] porque, por causa das nossas iniquidades, que Ele tomou sobre si, considerou-se merecedor de todas as penas e opróbrios do mundo. Eis o modelo da verdadeira humildade!

Muito diferente é a paciência dos filósofos e dos estóicos, e a paciência das pessoas do mundo, da paciência dos verdadeiros cristãos. Os estóicos ensinavam uma grande paciência nos seus escritos e no seu exemplo, mas era uma paciência que resultava do orgulho, da autoestima e do desprezo pelos outros. Os mundanos, é verdade, suportam com paciência as muitas angústias e aflições do seu próprio estado de vida, mas é uma paciência que provém de motivos interesseiros ou da necessidade de prudência mundana. Só o cristão possui aquela paciência unida à humildade, que recebe todas as adversidades com submissão à vontade divina e esta é a paciência que agrada a Deus porque, como diz Santo Agostinho: 'O que o homem faz por soberba não agrada a Deus, mas o que faz por humildade lhe é agradável'.

62. Os seguintes pensamentos podem, por vezes, perturbar-nos: Quem sabe se as minhas confissões passadas foram boas? Quem sabe se senti uma verdadeira dor pelos meus pecados? Quem sabe se os meus pecados foram perdoados? Quem sabe se estou na graça de Deus? Quem sabe se obterei a graça da perseverança final e quem sabe se estou predestinado a ser salvo? Mas não é a intenção de Deus que esta incerteza nos cause estas ansiedades e escrúpulos. Em sua infinita sabedoria, Ele escondeu de nós os mistérios da sua justiça e misericórdia, de modo que nossa ignorância deveria ser uma ajuda muito eficaz para nos manter em humildade. Portanto, o proveito que devemos tirar de tais pensamentos é o seguinte: viver sempre no temor e na humildade diante de Deus, fazer o bem com diligência e evitar o mal, sem nunca nos exaltarmos no nosso amor-próprio acima dos outros, porque não sabemos qual será o nosso destino: 'Servi ao Senhor com temor' [Sl 2,11]  e 'Reverenciai o Senhor, vós, seus fiéis, porque nada falta àqueles que o temem' [Sl 33,10].

Tal é a vontade divina para conosco, manifestada através de São Paulo. Deus espera de nós sempre humildade, seja pelo que Ele nos revela, seja pelo que Ele nos esconde. Quando lemos as Sagradas Escrituras, encontramos muitas profecias provenientes do Espírito Santo que nos aterrorizam; mas muitas outras que nos consolam. Quando lemos os escritos dos santos padres, encontramos neles alguns julgamentos que são terríveis e alguns que são muito consoladores. Quando lemos as obras teológicas dos escolásticos, encontramos nelas opiniões sobre os temas da graça e da predestinação que nos alarmam e outras que nos encorajam. Por que isso acontece? Porque a Providência de Deus assim o dispôs para que, entre a esperança e o temor, permaneçamos humildes.

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)