quinta-feira, 6 de março de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCVII)

Capítulo XCVII

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Santa Madalena de Pazzi e Irmã Benedicta - O Pensamento do Purgatório: Exemplos do Padre Paulo Hoffee, Padre Claúdio de la Colombière e Padre Luís Corbinelli

Santa Madalena de Pazzi, em uma aparição de uma alma falecida, recebeu a mais salutar instrução sobre as virtudes religiosas. Havia no seu convento uma irmã chamada Maria Benedicta, que se distinguia pela sua piedade, pela sua obediência e por todas as outras virtudes que são o ornamento das almas santas. Era tão humilde, diz o Padre Cepari, e tinha tal desprezo por si mesma que, sem a orientação dos seus Superiores, teria ido a extremos, com o único objetivo de adquirir a reputação de ser uma pessoa sem prudência e sem juízo. Dizia, portanto, que não podia deixar de sentir inveja de Santo Aleixo, que encontrou um meio de viver uma vida oculta, desprezível aos olhos do mundo. Era tão dócil e pronta na obediência, que corria como uma criancinha ao menor sinal da vontade dos seus Superiores, e estes eram obrigados a usar de grande circunspeção nas ordens que lhe davam, para que ela não fosse além dos seus desejos. De fato, ela tinha adquirido tal domínio sobre as suas paixões e apetites, que seria difícil imaginar uma mortificação mais perfeita.

Esta boa irmã morreu subitamente, depois de algumas horas de doença. Na manhã seguinte, um sábado, durante a missa celebrada, enquano as religiosas cantavam o Sanctus, Madalena foi arrebatada em êxtase. Durante o arrebatamento, Deus mostrou-lhe esta alma sob a forma corporal na glória do Céu. Estava adornada com uma estrela de ouro, que recebera como recompensa pela sua ardente caridade. Todos os seus dedos estavam cobertos de anéis caros, por causa da sua fidelidade a todas as regras e do cuidado que tivera em santificar as suas ações mais ordinárias. Na cabeça, trazia uma coroa riquíssima, porque sempre amou a obediência e o sofrimento por Jesus Cristo. De fato, ultrapassava em glória uma grande multidão de virgens e contemplava o seu Esposo Jesus com singular familiaridade, porque tinha amado tanto a humilhação, segundo estas palavras do nosso Salvador: 'Aquele que se humilhar será exaltado'. Tal foi a sublime lição que a santa recebeu em recompensa da sua caridade para com os defuntos.

O pensamento do Purgatório incita-nos a trabalhar com zelo e a não cometer as menores faltas, a fim de evitar as terríveis expiações da outra vida. O Padre Paulo Hoffee, que morreu santamente em Ingolstadt no ano de 1608, fez uso deste pensamento em seu próprio benefício e no dos outros. Nunca perdeu de vista o Purgatório, nem deixou de aliviar as pobres almas que frequentemente lhe apareciam a pedir os seus sufrágios. Como Superior dos seus irmãos religiosos, exortava-os muitas vezes a santificarem-se a si próprios, para depois poderem santificar os outros, e a nunca negligenciarem a mais pequena prescrição das suas regras; depois acrescentava com grande simplicidade: 'Caso contrário, receio que venhais, como muitos outros o fizeram, pedir as minhas orações para que vos libertem do Purgatório'. Nos seus últimos momentos, ele estava totalmente ocupado em conversas amorosas com Nosso Senhor, sua Santíssima Mãe e os santos. Foi sensivelmente consolado pela visita de uma alma muito santa, que o tinha precedido no Céu apenas dois ou três dias antes e que agora o convidava a ir deleitar-se no amor eterno de Deus (Menologia da Companhia de Jesus, 17 de dezembro).

Quando dizemos que o pensamento do Purgatório nos faz usar todos os meios para o evitar, é evidente que temos razões para recear ir para lá. Mas em que se baseia esse temor? Se refletirmos um pouco sobre a santidade que é necessária para entrar no Céu e sobre a fragilidade da natureza humana, que é a fonte de tantas faltas, facilmente compreenderemos que este receio é demasiado fundamentado. Além disso, os exemplos que lemos acima não nos mostram claramente que, muitas vezes, mesmo as almas mais santas têm, por vezes, que sofrer expiação na outra vida?

O Venerável [depois Santo] Padre Cláudio de la Colombière morreu em odor de santidade, em Paray, a 15 de fevereiro de 1682, como havia sido predito pela Beata [depois Santa] Margariada Maria. Assim que ele expirou, deram notícia disso à Irmã Margarida. A santa religiosa, sem se mostrar perturbada e sem se desdobrar em vãs lamentações, disse simplesmente à pessoa que a avisara: 'Vai rezar a Deus por ele e faz com que se reze por toda a parte pelo repouso da sua alma'. O Padre tinha morrido às cinco horas da manhã. Nessa mesma noite, ela escreveu um bilhete à mesma pessoa, nestes termos: 'Deixa de te afligir; invoca-o. Não temais nada, ele é mais poderoso do que nunca para nos ajudar'. Estas palavras dão-nos a entender que ela tinha sido sobrenaturalmente esclarecida acerca da morte deste santo homem e do estado da sua alma na outra vida.

A paz e a tranquilidade da Irmã Margarida diante da morte de um diretor que lhe tinha sido útil foi outra espécie de milagre. A bem-aventurada irmã não amava senão em Deus e por Deus; Deus ocupava o lugar de tudo no seu coração e consumia pelo fogo do seu amor todos os outros apegos. A superiora ficou surpreendida com a sua perfeita tranquilidade por ocasião da morte do santo missionário e, mais ainda, por Margarida não ter pedido para fazer nenhuma penitência extraordinária para o repouso da sua alma, como era seu costume por ocasião da morte de qualquer pessoa conhecida por quem se interessasse particularmente. A Madre Superiora perguntou à serva de Deus a razão disso e ela respondeu-lhe muito simplesmente: 'Ele não tem necessidade disso; está em condições de rezar por nós, uma vez que foi exaltado no Céu pelo Sagrado Coração de Nosso Senhor Divino. Apenas para expiar uma ligeira negligência na prática do Amor Divino' - acrescentou - 'a sua alma foi privada da visão de Deus desde que deixou o corpo até ao momento em que os seus restos mortais foram entregues ao túmulo'.

Acrescentemos mais um exemplo, o do Padre Corbinelli. Esta santa pessoa não foi isenta do Purgatório. É verdade que não ficou retido lá, mas teve que passar pelas chamas antes de ser admitido na presença de Deus. Luís Corbinelli, da Companhia de Jesus, morreu em odor de santidade na casa professa de Roma, no ano de 1591, quase ao mesmo tempo que São Luís Gonzaga. A morte trágica de Henrique II, rei de França, provocou-lhe um desgosto pelo mundo e decidiu consagrar-se inteiramente ao serviço de Deus. No ano de 1559, o casamento da princesa Isabel foi celebrado com grande pompa na cidade de Paris. Entre outros divertimentos, foi organizado um torneio, no qual figurou a flor da nobreza e da cavalaria francesas. O próprio Rei apareceu no meio da sua brilhante corte. Entre os espectadores, reunidos até de terras estrangeiras, estava o jovem Luís Corbinelli, que tinha vindo da sua cidade natal - Florença - para assistir ao festival. Corbinelli contemplava com admiração a glória do monarca francês, agora no zênite da sua grandeza e prosperidade quando, de repente, o viu cair, atingido por um golpe fatal desferido por um oponente imprudente. A lança mal empunhada por Montgomery transpassou o Rei, que expirou ali mesmo banhado em sangue.

Num piscar de olhos, toda a sua glória desapareceu e a magnificência real foi coberta por uma mortalha. Este acontecimento causou uma impressão profunda em Corbinelli; vendo assim exposta a futilidade da grandeza humana, renunciou ao mundo e abraçou a vida religiosa na Companhia de Jesus. A sua vida foi a de um santo, e a sua morte encheu de alegria todos os que dela foram testemunhas. Aconteceu alguns dias antes da morte de São Luís, que estava doente no Colégio Romano. O jovem santo anunciou ao Cardeal Bellarmine que a alma do Padre Corbinelli tinha entrado na glória; e quando o Cardeal lhe perguntou se não tinha passado pelo Purgatório, respondeu: 'Passou, mas não ficou lá'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quarta-feira, 5 de março de 2025

QUARESMA 2025

A Quaresma é assumida pela Igreja como um tempo de preparação para a celebração da Páscoa, movido essencialmente pelo incentivo maior e mais intenso pelo povo cristão das práticas de oração constante e penitência, como jejuns e obras de caridade. A Quaresma deste ano tem início na Quarta-Feira de Cinzas (05 de março) e se estende até as vésperas imediatas da Missa Vespertina In Coena Domini na Quinta-Feira Santa, ou seja, na Quarta Feira da Semana Santa (dia 16/04/2025). 


Sugestão: Adotar este ciclo de leituras e devoções diárias (40 dias) durante esta Quaresma (clicar sobre o título abaixo)


Primeiro Dia - Quarta Feira de Cinzas
Quadragésimo Dia - Quarta Feira da Semana Santa 

Não incluir na sequência das datas das Leituras do Diário da Quaresma de 2025 os dias 19/03 (São José), 25/03 (Anunciação do Senhor) e 13/04 (Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor)

QUARTA DE CINZAS


Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

'Lembra-te, homem, que és pó e ao pó retornarás!(Gn 3,19). A Quarta-Feira de Cinzas é o primeiro dia do tempo da Quaresma, quarenta dias antes da Páscoa. Neste dia por excelência refletimos sobre a nossa condição mortal nesta vida e a eternidade de nossas almas na vida futura. Num tempo em que se valoriza tanto a dimensão física, a beleza do corpo, a imposição das cinzas nos desvela a dura realidade do nosso corpo mortal: apenas pó que há de se consumir em cinzas.

Esse dia dá início, portanto,  a um tempo de profunda meditação sobre a nossa condição humana diante da grandeza e misericórdia de Deus. Tempo para fazer da nossa absurda fragilidade, sustentáculos da verdade e da fé; tempo para fazer de nossa pequenez e miséria, um templo de oração e um arcabouço de graças; tempo para transformar a argila pálida de nossos feitos e conquistas, em patamares seguros para a glória de Deus. Um tempo de oração, jejum e caridade. Um tempo de oração, desagravo, conversão, reparação. E um tempo de penitência, penitência, penitência...

A penitência é traduzida por atos de mortificação, seja na caridade silenciosa de um pequeno gesto, seja na determinação silenciosa de um pequeno 'não!' Pequenos gestos: uma visita a um amigo doente, uma palavra de conforto a quem padece ausências, um bom dia ainda nunca ofertado; ou um pequeno 'não': à abstinência de carne ou refrigerante ou ao fumo; abrir mão de ter sempre a última resposta ou para aquela hora a mais de sono; simplesmente dizer não a um livro, a uma música, a uma revista, a um programa de televisão. 

Propague o silêncio, sirva-se da modéstia; invista no anonimato, não se ensoberbeça, pratique a tolerância, estanque a frivolidade, consuma-se na obediência. Lembra-te que és pó e todas as tuas ações, aspirações e pensamentos vão reverberar em ti as glórias de Deus.

Abre-se hoje o Tempo da Quaresma: 'convertei-vos e crede no Evangelho'. Pois é no Evangelho (Mt 6, 1-6.16-18) que Jesus nos dá os instrumentos para a realização de uma autêntica renovação interior: oração, jejum e caridade. Com estas três práticas fundamentais, o tempo de penitência da quaresma é convertido em caminho de santificação ao encontro de Jesus Ressuscitado que vem, na Festa da Páscoa.

terça-feira, 4 de março de 2025

FESTA VOTIVA DA SAGRADA FACE DE NOSSO SENHOR

Hoje é o último dia antes do grande e santo jejum da Quaresma. No rito litúrgico da Igreja, sempre representou um dia ímpar, chamado Marti Gras (ou Terça-feira Gorda), que delimita um tempo de separação radical entre um tempo de diversão, alegria e consumo de carne ao período austero de jejum e penitência da Quaresma. Ou seja, impõe ao cristão uma percepção clara de antagonismo entre o tempo de festa que termina e o tempo de penitência prestes a se iniciar. Infelizmente, e particularmente no Brasil, este dia da terça-feira de carnaval transformou-se apenas em um dia ímpar de zombarias, escândalo público e pecado para muita gente.


Exatamente por tais razões, a festa votiva em honra à Sagrada Face de Nosso Senhor (instituída pelo Papa Pio XII em 1958 e que não consta mais do calendário da liturgia atual) é especialmente celebrada na terça-feira que precede o tempo da Quaresma, como ato de desagravo e reparação aos pecados cometidos durante o carnaval. Este foi inclusive um pedido formal de Nosso Senhor Jesus Cristo à Madre Pierina em 1938:

'Veja como sofro. No entanto, sou compreendido por tão poucos. Que gratidão da parte daqueles que dizem que me amam. Eu dei o meu Coração como um objeto sensível do meu grande amor pelo homem e dou o meu rosto como um objeto sensível da minha tristeza pelos pecados do homem. Desejo que seja honrado por uma festa especial na terça-feira da Quinquagesima (a terça-feira antes da Quarta-feira de Cinzas). A festa será precedida por uma novena na qual os fiéis farão reparação comigo unindo-se à minha tristeza'.

O pedido de Nosso Senhor Jesus Cristo é muito claro: não é preciso esperar a Quarta-feira de Cinzas para nos colocarmos em espírito de penitência pelos nossos pecados e pelos pecados dos homens. 

Deus onipotente e misericordioso, dignai-vos, nós vos suplicamos, conceder a todos aqueles que honram o rosto do vosso Cristo neste dia, desfigurado na sua Paixão e Morte de Cruz pelos nossos pecados, a graça de vê-lo e glorificá-lo por toda a eternidade. Amém.

segunda-feira, 3 de março de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (VIII)

P. 17 -  Sem dúvida, esta é uma prova inquestionável de que, pela nossa vocação mencionada na passagem relatada de São Paulo [P.16], se entende a nossa vocação para a fé e para a Igreja de Cristo; mas como isso pode ser provado?

Nada é mais evidente pelo texto do Novo Testamento; pois, onde quer que o objeto de nossa vocação seja mencionado, é sempre declarado que é a fé e a Igreja de Cristo. Assim, São Paulo, falando de sua própria vocação, diz: 'Mas, quando aprouve àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa' (Gl 1,15-16). Assim, ao nos exortar a abraçar dignamente a vocação à qual fomos chamados, com humildade e caridade, ele imediatamente acrescenta os objetos de nossa vocação como um motivo poderoso para fazermos isso: 'Um corpo, um espírito, um Senhor, uma fé, um batismo' (Ef 4,4). E também: 'Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual também fostes chamados em um corpo' (Cl 3,15). E ainda: 'nós vos temos exortado, estimulado, conjurado a vos comportardes de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu Reino e à sua glória.' (1Ts 2,12); para o seu reino aqui, e para a sua glória no futuro. 

O objeto, portanto, de nossa vocação é a única fé em Cristo; o corpo de Cristo e o reino de Cristo, que é a sua Igreja. Daí o mesmo apóstolo santo dizer em outro lugar: 'Mas vós vos aproximastes do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e da companhia de muitos milhares de anjos, e da Igreja dos primogênitos que estão escritos nos céus' (Hb 12,22). Vede aqui o objeto de nossa vocação, a Igreja de Cristo; e São Pedro diz: 'Mas vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua luz gloriosa' (1Pd 2,9). Ser, portanto, membro desta nação santa, ser um deste povo adquirido, ser levado à gloriosa luz da verdadeira fé, é o grande fim para o qual nossa vocação nos conduz.

P. 18. Mas como podemos reconciliar isso com a infinita bondade de Deus, que ninguém será salvo sem a verdadeira fé em Cristo, e sem estar em comunhão com a sua Igreja, visto que, de acordo com isso, a maior parte da humanidade deve ser perdida, já que o número daqueles que não têm a fé, e que não estão em comunhão com a sua Igreja, sempre excede de longe o número dos que estão?

Que a maior parte da humanidade será perdida é uma verdade que Cristo mesmo declara quando diz que 'muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos' e que 'muitos andam pelo caminho largo que leva à destruição, mas poucos são os que encontram o caminho estreito que leva à vida'. A dificuldade de reconciliar isso com a bondade de Deus desaparecerá se considerarmos o que a revelação cristã ensina; pois por meio dela aprendemos que o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, tendo perdido o estado feliz no qual Deus o havia criado, tornou-se indigno de qualquer favor ou misericórdia de Deus; de modo que Deus, com a maior justiça, poderia, se quisesse, tê-lo deixado sem remédio para a miséria que seus pecados mereciam, como Ele de fato aplicou aos anjos caídos. 

Foi, portanto, efeito apenas da sua infinita bondade que Deus se agradou em mostrar misericórdia ao homem; e ainda mais, em prover um remédio tão inaudito para seus males. 'Deus amou tanto o mundo' - diz nosso bendito Salvador - 'que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna' (Jo 3,16). Mas como o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, perdeu o favor de seu Deus, Deus decretou que nenhum que chegue ao pleno uso de sua razão colherá o benefício da redenção de Cristo, senão pela performance voluntária das condições que Ele exige deles, pois Cristo 'tornou-se a causa da salvação eterna para todos os que lhe obedecem' (Hb 5,9).

O homem, pela miserável corrupção de sua natureza pelo pecado, era absolutamente incapaz de realizar essas condições, por isso Deus, da riqueza da sua bondade, e do desejo de que todos sejam salvos, por meio dos méritos de Jesus Cristo, dá a toda a humanidade as ajudas sobrenaturais da sua graça, conforme Ele vê ser apropriado para o estado atual de cada um, com vistas à sua salvação. Deus, por meio dessas graças, move os homens a fazer o bem e evitar o mal; e, se cooperarem com as suas graças, Ele lhes dará novas e maiores graças. Se continuarem a corresponder, Ele lhes dará ainda mais, até que os conduza finalmente à verdadeira fé e Igreja de Cristo, e a um fim feliz; mas se resistirem às suas graças, se delas abusarem e agirem contra elas, se rejeitarem esses chamados e ofertas de misericórdia, Deus os suportará por um tempo, mas, por fim, Ele interromperá a continuidade de tais favores imerecidos e os deixará perecer em sua ingratidão e obstinação. Daí, se a maior parte da humanidade se perder, isso se deve totalmente a si mesmos, pelo abuso da bondade de Deus e pela resistência aos meios que Ele usa para a salvação deles; de modo que nossa salvação vem unicamente da bondade de Deus, e nossa perdição é totalmente de nossa responsabilidade, conforme o que Ele diz por meio do seu profeta: 'A destruição é tua, ó Israel; o teu auxílio está somente em Mim' (Os 13,9).

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

domingo, 2 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Como é bom agradecermos ao Senhor' (Sl 91)

Primeira Leitura (Eclo 27,5-8) - Segunda Leitura (1Cor 15,54-58) -  Evangelho (Lc 6,39-45)

  02/03/2025 - OITAVO DOMINGO DO TEMPO COMUM 

A ALMA DE TODO APOSTOLADO


Neste Evangelho, Jesus continua a expor os princípios que devem reger o verdadeiro apostolado cristão, sob a tutela da doutrina das bem aventuranças e da prática constante da caridade e do amor ao próximo, incluindo, entre eles, os nossos inimigos. Neste propósito, 'um cego não pode guiar outro cego' (Lc 6, 39) e 'todo discípulo deverá ser como o mestre' (Lc 6, 40) constituem firmes proposições e a confirmação explícita de que a alma de todo apostolado é a fidelidade extrema à pregação dos ensinamentos e da doutrina da salvação enunciados por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Jesus nos ensina que devemos nos concentrar primeiro em nossas próprias fraquezas e fragilidades, antes de enunciarmos, por sobre os telhados, as faltas e pecados alheios. A imagem do 'cisco' em contraposição à 'trave' nos olhos de uns e outros, é o reflexo da desproporção de como vemos os nossos defeitos e o quanto extrapolamos a medida dos defeitos do próximo. Imagem do orgulho e da vanglória humanas, que insistem em nos colocar acima dos outros e que refreiam em nós os instrumentos da caridade, que só podem advir da humildade e da comiseração nascidas da nossa autocrítica de pecador entre pecadores: 'Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão' (Lc 6, 42).

Somos o que fazemos. Fazemos o que somos. Não existe incongruência possível entre o que se planta e o que se colhe: 'Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos. Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas (Lc 6, 43-44). A virtude não se contamina com o erro; a via de santificação não faz pontes e atalhos com concessões ao pecado; o bem prospera onde o mal é refreado e combatido em toda a medida.

No caminho do apostolado e da nossa santificação pessoal, precisamos guardar no coração os tesouros da fé - a árvore frondosa que nos há de tornar homens bons. Árvore que dará bons frutos, nascidos do coração e proclamados pelas palavras de exemplo e louvor, pois 'a boca fala do que o coração está cheio' (Lc 6, 45). Árvore boa que produz bons frutos - coração e palavras do homem bom - feita prática viva do apostolado cristão, que nos transforma em fieis cooperadores das graças divinas e herdeiros dos Céus.

sábado, 1 de março de 2025

DEVOÇÃO DAS 40 HORAS

 

Estamos a poucos dias do início da Quaresma, tempo singular de oração e penitência. E precedido por um tempo também singular de desvario e liberação total de escândalos públicos que arrastam as almas para os abismos do pecado. Há maneiras diversas de um católico viver livre destas amarras ou fazer atos de desagravo nestes tempos de carnaval e antecipar o tempo quaresmal de penitência, mas um, bastante especial, é a chamada Devoção das 40 Horas ao Santíssimo Sacramento nestes dias e antes da Quarta-Feira de Cinzas, que constitui um antigo rito litúrgico da Igreja quase relevado ao esquecimento nos dias atuais.

A devoção teve origem na Idade Média (pelo menos desde o século X) como devoção ao Santo Sepulcro do Salvador, que era erigido desde a Adoração da Cruz, na Sexta-Feira Santa, até a Missa de Ressurreição do Domingo de Páscoa. Durante este tempo (cerca de 40 horas), os fiéis oravam diante dele, recitando ou cantando salmos e outras preces, em memória da morte e sepultura do Senhor, que esteve no Sepulcro por cerca também de 40 horas.

A Exposição do Santíssimo ─ visível ou velado no cálice ─ para sua adoração pelos fiéis, constitui uma das principais práticas de adoração a Jesus na Sagrada Eucaristia, particularmente por meio da Festa de Corpus Christi e da Devoção das 40 Horas. Estas práticas litúrgicas constituem, portanto, o termo feliz da evolução da devoção original ao Santo Sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo. A celebração da Devoção das 40 Horas foi aprovada inicialmente pelo papa Paulo V em 1539 e Clemente XI ordenou definitivamente a sua prática litúrgica, em termos de Adoração Perpétua, mediante a famosa Instrução Clementina de 1705.

A devoção pode ser praticada em quaisquer datas, mas especialmente é indicada no Tempo Pascal, durante as quarenta horas que antecedem o dia de Corpus Christi e durante os três dias de carnaval que antecedem a Quarta-Feira de Cinzas (domingo, segunda-feira e terça-feira), como rito de reparação aos pecados cometidos nesta época. As comunidades dividem-se em grupos e horas alternadas, de modo a adorar Jesus Sacramentado por 40 horas ininterruptas. As práticas de Devoção das Quarenta Horas é comumente intercalada com celebrações de missas coram exposito (mediante exposição do Santíssimo Sacramento).

HOJE É O PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS