CONTOS DE FANTASIA (LENDAS)
405. A LENDA DE FREI PACÔMIO
Em princípios do século décimo, vivia num convento de beneditinos um santo religioso, chamado Frei Pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansam de contemplar por toda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos. Um dia, o prior do convento mandou que ele fosse a um bosque vizinho para recolher alguma lenha. Foi com gosto, mas mesmo no trabalho não o largavam as dúvidas. De repente ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos. Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador como jamais vira em sua vida.
Saltava de um ramo para o outro, cantando, brincando e internando-se na selva. Seguiu-o Frei Pacômio, todo encantado, sem dar-se conta nem do tempo nem do lugar. A certa altura a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu. Lembrando-se então de seu trabalho, procurou o machado para voltar ao convento, mas - coisa esquisita! - achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de renha, que ajuntara, mas não o encontrou.
Alguém o teria roubado? - pensou consigo. Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato de outrora; ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos. Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois decerto se havia extraviado. Todos o olharam com surpre, mas, em seguida, indicaram-lhe o caminho até o mosteiro. Quando lá chegou - grande Deus! - como estava mudado! Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido a abriu.
➖ Sois recém-chegado, disse-lhe Pacômio, eu venho do bosque onde me mandou esta manhã o prior D. Anselmo para buscar lenha.
Admirado o porteiro, deixando ali o hóspede, foi avisar o prior que na portaria estava um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo prior Anselmo.
O caso era curioso. O prior, abrindo os registos do convento, descobriu na lista o nome do prior Anselmo, que ali vivera há quatrocentos anos. Continuou a ler e achou nos anais daquele tempo o seguinte:
➖ Esta manhã, Frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu.
Chamaram o hóspede e fizeram-no entrar e contar a sua história. Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sobre a felicidade e o paraíso e o prior começou a compreender o mistério. Deus quis mostrar ao pio religioso que, se o canto de uma avezinha era capaz de encantar-lhe a alma por séculos inteiros, quanto mais a formosura de Deus não há de embevecer os bem aventurados por toda a eternidade sem que eles jamais se cansem.
406. O GIGANTE SÃO CRISTÓVÃO
A história deste gigante tem para as crianças um atrativo especial. Era São Cristóvão um gigante que ganhava a vida carregando em seus ombros os viajantes de uma margem para outra de um rio caudaloso sobre o qual não havia ponte. A correnteza não podia com ele. Dava alguns passos largos e já estava do outro lado. Largava ali o passageiro, recebia os cobres e ia carregar outro. Contam que um dia se apresentou à beira do rio um menino louro como um raio de sol e sorridente como uma rosa de primavera. Era pequeno, pesava pouco, mas era lindo como um anjo.
Logo que o viu, disse São Cristóvão com muito carinho:
➖ Menino, queres que te passe para o outro lado? Andas tão sozinho por estes caminhos.
O formoso menino respondeu:
➖ Ando pelo mundo à procura de um tesouro que perdi.
Quisera passar para a outra banda do rio para ver se, por esses campos e caminhos, o encontro; mas não poderás comigo.
Cristóvão soltou uma gargalhada:
➖ Não poderei contigo? Anjinho de Deus, não te levarei nos ombros, mas na ponta do dedo.
Dito isso, aquele vigoroso gigante tomou o menino e, como se fosse uma pena, colocou-o sobre os ombros e, saltando ao rio, caminhava para a margem oposta. Mas, quando estava no meio da torrente, o menino começou a pesar de tal forma que o gigante tremia. Vendo que a correnteza o arrastava, exclamou estupefato:
➖ Menino, pesas muito; tens que ser mais que um simples menino.
E o menino respondeu:
➖ Tens razão. Cristóvão; eu peso mais que todo o mundo, porque eu sou o menino Deus. Ando por estas terras à procura de um tesouro que são as almas. Agora venho buscar a tua alma. Se crês em mim e me amas, não só não te pesarei sobre os ombros, mas ainda te levarei no meu coração e te farei feliz neste mundo e no outro.
Chegando à margem oposta, Cristóvão pôs o menino sentadinho sobre a areia e, ajoelhando-se diante dele, disse:
➖ Menino, tu és Deus. Creio em ti e amo-te, e só a ti quero amar por toda a minha vida.
E cumpriu a sua palavra, porque desde aquele dia dedicou-se a servir e amar a Deus.
407. AS TRÊS LÁGRIMAS
Havia no céu um anjo curioso! Queria saber o que se passava pelo mundo; escapou-se do céu e baixou à terra. Que amarga foi a sua decepção! Não viu senão sangue; não pisou senão barro. Agitou suas asas brancas e rumou para o ceú. Estavam fechadas as portas. Ouviu uma voz que lá de dentro lhe dizia:
➖ Anjo, não poderás entrar de novo no céu se não trouxeres da terra, num cálice, uma lágrima que recolheres por um ato de caridade que fizeres.
Rápido baixou o anjo à terra. Ouviu um leve gemido, que saía de uma casa perdida no meio do campo e entrou. Era um menino que estava a morrer sozinho, abandonado de todos.O anjo olhou para ele e o pobrezinho sorriu-lhe e de seus olhos correu uma lágrlma... e morreu. O anjo recolheu em seu cálice de ouro aquela lágrima e, rico com aquele tesouro, cruzou os ares e atravessou as nuvens, chegando às portas do céu.
➖ Anjo, que trazes aí?
➖ Senhor, uma lágrima que recolhi dos olhos de um menino agonizante que não tinha ao seu lado nem os olhos carinhosos de sua mãe.
➖ Anjo, isso não basta.
E desceu novamente o anjo à terra. E outro ai lastimoso chegou-lhe aos ouvidos. Vinha de muito longe. Chegando ao fundo de um deserto, entrou em uma caverna. Um santo anacoreta entrava em agonia! Pôs o anjo a sua mão esquerda debaixo da cabeça do homem de Deus, à maneira de macio travesseiro macio e, com a mão direita, indicava-lhe os belos horizontes da eternidade. O anacoreta sorriu e morreu. Uma lágrima caía dos seus olhos abertos. O anjo recolheu aquela lágrima e, rico com aquele tesouro, cruzou os ares e atravessou as nuvens, chegando à porta do céu.
➖ Anjo, que trazes aí?
➖ Senhor, uma lágrima recolhida dos olhos de um anacoreta a quem consolei em sua última agonia.
➖ Isso ainda não basta!
E outra vez o anjo desceu à terra. Uma multidão imensa conduzia à forca uma jovem rainha, que já se achava no fatal banquinho dos condenados. O anjo aproximou-se dela, ouviu-a e viu que era inocente. Levantou-se, fez um discurso e provou àquela multidão revoltada que aquela jovem rainha era inocente. E a multidão entusiasmada proclamou-a de novo sua rainha e soberana. Do seu banquinho fatal, levantou-se a rainha, caiu de joelhos diante do anjo e uma lágrima de gratidão rolou dos seus olhos. O anjo recolheu em seu cálice aquela preciosa lágrima e, rico com aquele tesouro, cruzou os ares e atravessou as nuvens, chegando às portas do céu.
➖ Anjo, que trazes aí?
➖ Senhor, uma lágrima colhida dos olhos de uma rainha vilmente caluniada e por mim livrada da morte.
➖ Isso ainda não basta não.
O anjo baixou de novo à terra, agora triste e acabrunhado. Assentou-se em uma pedra. Olhou para o céu e exclamou chorando: Adeus céu, adeus! Eu te perdi e não te tereis mais, porque não encontro na terra uma lágrima que mereça as tuas alegrias. Deixou cair a cabeça e o desespero começou a apoderar-se dele. De repente a terra tremeu, o mundo estremeceu, o sol ocultou sua face, as rochas partiram-se e as trevas cobriram o universo. O anjo levantou espantado a cabeça, olhou por toda a imensidade do escuro horizonte...
Lá, ao longe, descobriu um ponto de luz, uma colina, sobre a colina uma cruz, na cruz uma vítima e, aos pés da cruz, uma mulher que chorava. O anjo agitou impetuosamente as asas até lá. Ao chegar - Santo Deus! - o que viu? Esta vítima é Jesus, o meu Deus! Esta mulher é a minha rainha... é Maria! E o anjo recolheu em seu cálice de ouro uma lágrima de Jesus e outra lágrima de Maria. O anjo chorou também, e aquela sua lágrima caiu no mesmo cálice e fundiu-se com as outras duas. E o anjo, rico com aquele tesouro, cruzou os ares e atravessou as nuvens, chegando às portas do céu.
➖ Anjo, que trazes aí?
➖ Senhor, uma lágrima de Jesus, uma lágrima de Maria e outra lágrima que é minha....
➖ Entra! entra!
E entrou de novo, no reino da felicidade, o anjo das três lágrimas.
(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)