P. 17 - Sem dúvida, esta é uma prova inquestionável de que, pela nossa vocação mencionada na passagem relatada de São Paulo [P.16], se entende a nossa vocação para a fé e para a Igreja de Cristo; mas como isso pode ser provado?
Nada é mais evidente pelo texto do Novo Testamento; pois, onde quer que o objeto de nossa vocação seja mencionado, é sempre declarado que é a fé e a Igreja de Cristo. Assim, São Paulo, falando de sua própria vocação, diz: 'Mas, quando aprouve àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa' (Gl 1,15-16). Assim, ao nos exortar a abraçar dignamente a vocação à qual fomos chamados, com humildade e caridade, ele imediatamente acrescenta os objetos de nossa vocação como um motivo poderoso para fazermos isso: 'Um corpo, um espírito, um Senhor, uma fé, um batismo' (Ef 4,4). E também: 'Que a paz de Cristo reine em vossos corações, à qual também fostes chamados em um corpo' (Cl 3,15). E ainda: 'nós vos temos exortado, estimulado, conjurado a vos comportardes de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu Reino e à sua glória.' (1Ts 2,12); para o seu reino aqui, e para a sua glória no futuro.
O objeto, portanto, de nossa vocação é a única fé em Cristo; o corpo de Cristo e o reino de Cristo, que é a sua Igreja. Daí o mesmo apóstolo santo dizer em outro lugar: 'Mas vós vos aproximastes do monte Sião, da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e da companhia de muitos milhares de anjos, e da Igreja dos primogênitos que estão escritos nos céus' (Hb 12,22). Vede aqui o objeto de nossa vocação, a Igreja de Cristo; e São Pedro diz: 'Mas vós sois uma geração eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua luz gloriosa' (1Pd 2,9). Ser, portanto, membro desta nação santa, ser um deste povo adquirido, ser levado à gloriosa luz da verdadeira fé, é o grande fim para o qual nossa vocação nos conduz.
P. 18. Mas como podemos reconciliar isso com a infinita bondade de Deus, que ninguém será salvo sem a verdadeira fé em Cristo, e sem estar em comunhão com a sua Igreja, visto que, de acordo com isso, a maior parte da humanidade deve ser perdida, já que o número daqueles que não têm a fé, e que não estão em comunhão com a sua Igreja, sempre excede de longe o número dos que estão?
Que a maior parte da humanidade será perdida é uma verdade que Cristo mesmo declara quando diz que 'muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos' e que 'muitos andam pelo caminho largo que leva à destruição, mas poucos são os que encontram o caminho estreito que leva à vida'. A dificuldade de reconciliar isso com a bondade de Deus desaparecerá se considerarmos o que a revelação cristã ensina; pois por meio dela aprendemos que o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, tendo perdido o estado feliz no qual Deus o havia criado, tornou-se indigno de qualquer favor ou misericórdia de Deus; de modo que Deus, com a maior justiça, poderia, se quisesse, tê-lo deixado sem remédio para a miséria que seus pecados mereciam, como Ele de fato aplicou aos anjos caídos.
Foi, portanto, efeito apenas da sua infinita bondade que Deus se agradou em mostrar misericórdia ao homem; e ainda mais, em prover um remédio tão inaudito para seus males. 'Deus amou tanto o mundo' - diz nosso bendito Salvador - 'que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas tenha a vida eterna' (Jo 3,16). Mas como o homem, pelo uso voluntário de seu livre-arbítrio, perdeu o favor de seu Deus, Deus decretou que nenhum que chegue ao pleno uso de sua razão colherá o benefício da redenção de Cristo, senão pela performance voluntária das condições que Ele exige deles, pois Cristo 'tornou-se a causa da salvação eterna para todos os que lhe obedecem' (Hb 5,9).
O homem, pela miserável corrupção de sua natureza pelo pecado, era absolutamente incapaz de realizar essas condições, por isso Deus, da riqueza da sua bondade, e do desejo de que todos sejam salvos, por meio dos méritos de Jesus Cristo, dá a toda a humanidade as ajudas sobrenaturais da sua graça, conforme Ele vê ser apropriado para o estado atual de cada um, com vistas à sua salvação. Deus, por meio dessas graças, move os homens a fazer o bem e evitar o mal; e, se cooperarem com as suas graças, Ele lhes dará novas e maiores graças. Se continuarem a corresponder, Ele lhes dará ainda mais, até que os conduza finalmente à verdadeira fé e Igreja de Cristo, e a um fim feliz; mas se resistirem às suas graças, se delas abusarem e agirem contra elas, se rejeitarem esses chamados e ofertas de misericórdia, Deus os suportará por um tempo, mas, por fim, Ele interromperá a continuidade de tais favores imerecidos e os deixará perecer em sua ingratidão e obstinação. Daí, se a maior parte da humanidade se perder, isso se deve totalmente a si mesmos, pelo abuso da bondade de Deus e pela resistência aos meios que Ele usa para a salvação deles; de modo que nossa salvação vem unicamente da bondade de Deus, e nossa perdição é totalmente de nossa responsabilidade, conforme o que Ele diz por meio do seu profeta: 'A destruição é tua, ó Israel; o teu auxílio está somente em Mim' (Os 13,9).
(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)