quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (V)

P.9 - Que julgamento as Escrituras fazem sobre todos os cristãos que estão separados da Igreja pela heresia? Podem eles ser salvos se estiverem em ignorância invencível e viverem e morrerem nesse estado de separação da verdadeira Igreja de Cristo?

Esses estão em um estado muito diferente dos muçulmanos, judeus e pagãos, desde que tenham entre eles o verdadeiro batismo; pois, se não possuem o batismo ou alteraram a forma de ministrá-lo conforme ordenado por Cristo, então não estão em melhor condição, no que diz respeito à possibilidade de salvação, do que os pagãos, ainda que possam assumir o nome de cristãos. Mas, se possuem o batismo válido, por meio dele são feitos verdadeiros membros da Igreja de Cristo e aqueles que morrem jovens, em sua inocência batismal, sem dúvida serão salvos.

Quanto àqueles que atingem a idade da razão, são educados em uma fé falsa e vivem e morrem em um estado de separação da comunhão da Igreja de Cristo, também devemos distinguir entre dois casos diferentes. O primeiro é o daqueles que vivem entre católicos ou têm católicos vivendo no mesmo país, sabem de sua existência e frequentemente ouvem falar deles. O segundo refere-se àqueles que não têm tal conhecimento e raramente ou nunca ouvem falar de católicos, exceto sob uma luz falsa e odiosa.

P. 10 - O que se pode dizer daqueles que vivem entre os católicos? Se estiverem em ignorância invencível e morrerem nesse estado de separação, poderão ser salvos?

É quase impossível que alguém dessa classe esteja em estado de ignorância invencível, pois, para ser verdadeiramente ignorante de forma invencível, são necessários três requisitos.

Primeiro, a pessoa deve ter um desejo real e sincero de conhecer a verdade; pois, se for fria e indiferente em relação a um assunto tão importante quanto a sua salvação eterna, se for negligente quanto a estar ou não no caminho certo; se, escravizada a esta vida presente, não se preocupar com a próxima, então é evidente que a ignorância decorrente dessa disposição é uma ignorância voluntária e, portanto, altamente culpável aos olhos de Deus. Isso é ainda mais grave se a pessoa estiver positivamente relutante em buscar a verdade por medo de inconveniências mundanas e, por isso, evitar toda oportunidade de conhecê-la. Sobre essas pessoas, a Escritura diz: 'Passam os seus dias entre riquezas, e num momento descem à sepultura. E dizem a Deus: Afasta-te de nós, não desejamos conhecer os teus caminhos' (Jó 21,13-14).

Segundo, para que alguém seja realmente ignorante de forma invencível, é necessário que esteja sinceramente disposto a aceitar a verdade onde quer que a encontre e qualquer que seja o custo. Pois, se a pessoa não estiver plenamente decidida a seguir a vontade de Deus em tudo o que for necessário para a salvação; se, pelo contrário, estiver disposta a negligenciar seu dever e arriscar sua alma para não desagradar amigos ou sofrer alguma perda ou desvantagem temporária, sua ignorância é culpável e nunca poderá justificá-la diante do Criador. Sobre isso, Nosso Senhor diz: 'Quem ama pai ou mãe, ou filho ou filha, mais do que a Mim, não é digno de Mim' (Mt 10,37).

Terceiro, é necessário que a pessoa faça um esforço sincero para conhecer seu dever e, especialmente, que recomende essa questão a Deus Todo-Poderoso, rezando por luz e orientação dEle. Pois, independentemente do desejo que possa ter de conhecer a verdade, se não utilizar os meios adequados para encontrá-la, sua ignorância não é invencível, mas voluntária. A ignorância só é invencível quando uma pessoa tem um desejo sincero de conhecer a verdade, com plena disposição para aceitá-la, mas não tem nenhum meio possível de conhecê-la ou, após fazer todos os esforços, não consegue descobri-la.

Portanto, se uma pessoa falha em buscar conhecer seu dever, sua ignorância não é invencível — é sua própria culpa não conhecê-lo. Se a desatenção, a indiferença, os motivos mundanos ou preconceitos injustos influenciam seu julgamento e a fazem ceder ao peso da educação que recebeu, essa pessoa não tem ignorância invencível nem o temor de Deus. Ora, é inconsistente com a bondade e as promessas de Deus que uma pessoa criada em uma religião falsa, mas que está na condição descrita por esses três requisitos e faz o máximo esforço para conhecer a verdade, seja deixada em ignorância invencível. Mas, se, por apego ao mundo ou a objetos sensuais e egoístas, essa pessoa não estiver bem disposta e negligenciar os meios adequados para chegar à verdade, então sua ignorância será voluntária e culpável, e não invencível.

P. 11 - Mas, e se nunca surgir dúvida em sua mente, e a pessoa continuar de boa fé no caminho em que foi criado?

É um erro supor que uma dúvida formal seja necessária para tornar a ignorância do seu dever voluntária e culpável; basta que haja razões suficientes para duvidar, ainda que, por seus preconceitos injustos, obstinação, orgulho ou outras más disposições do coração, ele impeça que essas razões despertem uma dúvida formal em sua mente.

Saul não teve dúvida alguma quando ofereceu sacrifício antes que o profeta Samuel chegasse; pelo contrário, estava convencido de que tinha as razões mais fortes para fazê-lo, e ainda assim foi condenado por essa mesma ação, sendo ele e sua família rejeitados por Deus Todo-Poderoso. Os judeus acreditavam que estavam agindo corretamente quando condenaram Nosso Senhor à morte; mais ainda, o sumo sacerdote declarou diante do conselho que era conveniente para o bem e a segurança da nação que assim o fizessem. Eles estavam grosseiramente enganados e terrivelmente ignorantes de seu dever, mas sua ignorância era culpável e foram severamente condenados pelo que fizeram, mesmo que o tenham feito por ignorância.

Na verdade, todos aqueles que agem a partir de uma consciência falsa e errônea são altamente culpáveis por terem tal consciência, ainda que nunca tenham tido uma dúvida formal. E mais, a ausência de dúvida, quando há razões justas e sólidas para duvidar, torna a culpa ainda maior, pois revela uma maior corrupção do coração e uma disposição ainda mais depravada.Uma pessoa criada em uma fé falsa — que a Escritura chama de seitas de perdição, doutrinas de demônios, coisas perversas, mentiras e hipocrisia — e que já ouviu falar da verdadeira Igreja de Cristo, que condena todas essas seitas, e que observa suas divisões e dissensões, tem sempre diante de seus olhos os mais fortes motivos para duvidar da segurança de seu próprio estado. 

Se fizer qualquer exame sincero de consciência, deverá perceber que está no erro; e quanto mais examinar, mais claramente verá isso, pois é simplesmente impossível que uma doutrina falsa, baseada em mentiras e hipocrisia, possa ser sustentada por argumentos sólidos capazes de satisfazer uma pessoa razoável que sinceramente busca a verdade e suplica a Deus por luz para guiá-la nessa busca. Portanto, se uma pessoa nunca duvida, mas continua, como se supõe, bona fide em seu próprio caminho, apesar das fortes razões para duvidar do que tem diante de si diariamente, isso demonstra claramente que ou ela é extremamente negligente nos assuntos de sua alma ou que seu coração está totalmente cego pela paixão e pelo preconceito.

Havia muitas pessoas assim entre os judeus e pagãos no tempo dos apóstolos, que, apesar da luz esplêndida da verdade que esses santos pregadores difundiam por toda parte — uma luz que deveria levá-los a duvidar de suas superstições —, estavam tão longe de duvidar que acreditavam estar prestando um serviço a Deus ao matar os apóstolos. De onde vinha essa incredulidade? O próprio São Paulo nos informa: 'Renunciamos às coisas ocultas da desonestidade, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus, mas, pela manifestação da verdade, recomendando-nos à consciência de todo homem diante de Deus' (2Cor 4,2).

Aqui ele descreve a força da luz da verdade que pregava; e ainda assim essa luz era oculta para muitos. Ele imediatamente explica o motivo: 'E se o nosso Evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto, nos quais o deus deste mundo cegou as mentes dos incrédulos, para que a luz do Evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus, não resplandeça sobre eles' (2Cor 4,3-4). Eis a verdadeira causa da incredulidade: eles estão tão escravizados às coisas deste mundo, pela depravação de seu coração, que o diabo os cega, impedindo-os de ver a luz. Mas a ignorância que surge dessas disposições depravadas é uma ignorância culpável e voluntária e, portanto, jamais poderá servir de desculpa.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

'O VINHO BOM'


Como a heresia é sempre inoculada na sã doutrina de Cristo na forma de uma gota de veneno incorporada a uma bela taça de vinho, convivemos hoje com realidades tão amargas e distorcidas que ainda as tomamos como vinho:

(i) ecumenismo: vinho ruim, miserável mesmo, para atender as mazelas aromáticas de bebedores de aguardente;

(ii) a comunhão na mão: vinho azedo e oxidado, vendido como vinagre;

(iii) livre liberdade de consciência católica: vinho mofado e mal cheiroso, tomado com náuseas, fechando-se bem as narinas.

Santa e bela Igreja Católica de todos os tempos: onde está o 'vinho bom' das Bodas de Caná?

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

OS GRANDES TESOUROS DA MÚSICA SACRA (II)


Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: 'Tu também estavas com Jesus, o galileu'. Mas ele negou diante de todos, dizendo: 'Não sei o que dizes'. E, saindo para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: 'Este também estava com Jesus, o Nazareno'. E ele negou outra vez com juramento: 'Não conheço tal homem'. E, daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: 'Também tu és um deles, pois a tua fala te denuncia'. Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: 'Não conheço esse homem'. E imediatamente o galo cantou. E lembrou-se Pedro das palavras de Jesus, que lhe dissera: 'Antes que o galo cante, três vezes me negarás'. E, saindo dali, chorou amargamente (Mt 26, 69-75).


Erbarme dich, mein Gott, um meiner Zähren Willen! - 'Tem piedade de mim, meu Deus, veja minhas lágrimas!' é uma ária para contralto da segunda parte da 'Paixão Segundo São Mateus', a obra prima de Johann Sebastian Bach (1685-1750). Na ária, a solista pede perdão pela tríplice negação de Pedro e a música sustenta a comoção do seu amargo pranto. O lamento sublime fez com que a própria ária assumisse um patamar independente da 'Paixão', como um dos grandes triunfos da música sacra universal.

Erbarme dich, mein Gott,
um meiner Zähren willen!
Schaue hier, Herz und Auge
weint vor dir bitterlich.
Erbarme dich, mein Gott.

Tem piedade de mim, meu Deus,
e veja as minhas lágrimas!
Olha aqui, o coração e os olhos
choram amargamente diante de Ti.
Tem piedade de mim, meu Deus.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Rei da glória é o Senhor onipotente!' (Sl 23)

Primeira Leitura (Ml 3,1-4) - Segunda Leitura (Hb 2,14-18) -  Evangelho (Lc 2,22-40)

  02/02/2025 - FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR 

APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO


No Templo de Jerusalém, a Mãe de Deus e o Salvador do Mundo fazem cumprir integralmente as prescrições da lei mosaica: servir e seguir com retidão extrema a lei da Igreja: 'Todo primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor' (Lc 2,23). E, com a consagração do filho, a purificação da mãe. No Templo de Jerusalém, os mistérios de Deus se harmonizam na Apresentação de Jesus e na Purificação de Nossa Senhora.

Simeão, o velho Simeão, tão justo e piedoso que 'O Espírito Santo estava com ele e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor' (Lc 2,25-26), representa a Igreja. Jesus se doa, pelas mãos de Maria, à Igreja e à toda a humanidade. Doação reconhecida pela Igreja, nas palavras do Velho Simeão: 'meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel' (Lc 2,30-32).

Ao tomar a criança nos seus velhos e cansados braços, Simeão é a Igreja que acolhe Jesus. Ao ser recebido nos braços do velho sacerdote, Jesus acolhe para si o resgate e a redenção da humanidade pecadora. Neste encontro no Templo, é forjada a missão da Igreja: permanecer, ainda que envelhecida e cansada, nos braços de Cristo, até o último dia da humanidade. No encontro no Templo, é revelado o plano da salvação humana: 'Ele será um sinal de contradição' (Lc 2,34) que perpassa pela Paixão de Cristo: 'Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma' (Lc 2,35). Os mistérios de Deus começaram a ser revelados aos homens, pelo velho Simeão e pela sacerdotisa Ana, naquele dia no Templo de Jerusalém.

Santos e portentosos mistérios que levaram os próprios pais de Jesus à admiração profunda: 'O pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele' (Lc 2,33). Com quanto zelo e reflexão profunda não devem ter guardado nos corações aqueles acontecimentos extraordinários, quando regressavam para Nazaré. E quanto zelo, admiração e louvor a Deus não devem ter experimentado nos dias, meses e anos seguintes, ao ver e testemunhar que aquele menino 'crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele' (Lc 2,40).

sábado, 1 de fevereiro de 2025

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XCV)

 

Capítulo XCV

Vantagens e Recompensas pela Devoção às Santas Almas - Purgatório na Terra em Substituição ao Purgatório Após a Morte - Servos de Deus: Irmão Gaspar Lourenço e Padre Michel de la Fontaine 

Além das vantagens que já consideramos, a caridade para com as almas do Purgatório é extremamente salutar para aqueles que a praticam, pois estimula o fervor no serviço a Deus e inspira os pensamentos mais santos. Pensar nas almas do Purgatório é refletir sobre os sofrimentos da outra vida; é lembrar que todo pecado exige expiação, seja nesta vida ou na próxima. Ora, quem não entende que é melhor fazer satisfação aqui, já que os castigos futuros são tão terríveis? Uma voz parece emergir do Purgatório, repetindo estas palavras da Imitação de Cristo: 'É melhor purgar agora os nossos pecados e cortar os nossos vícios do que deixá-los para purgação depois'.

Lembramos também desta outra sentença, presente no mesmo capítulo: 'Lá, uma hora de punição será mais grave do que cem anos da mais amarga penitência aqui'. Penetrados por este temor salutar, suportamos voluntariamente os sofrimentos da vida presente e dizemos a Deus com Santo Agostinho e São Luís Bertrand: Domine, hic ure, hic seca, hic non parcas, ut in aeternum parcas – 'Senhor, aplica aqui o ferro e o fogo; não me poupes nesta vida, para que me poupes na próxima'. Com esses pensamentos, o cristão encara as tribulações da vida presente, especialmente os sofrimentos de uma doença dolorosa, como um Purgatório na terra que o dispensará do Purgatório após a morte.

No dia 6 de janeiro de 1676, faleceu em Lisboa, aos sessenta e nove anos, o servo de Deus Gaspar Lourenço, Irmão Coadjutor da Companhia de Jesus e porteiro da casa professada dessa ordem. Ele era cheio de caridade para com os pobres e para com as almas do Purgatório. Não sabia poupar esforços no serviço dos desafortunados e era maravilhosamente engenhoso em ensinar-lhes a bendizer a Deus pela miséria que lhes garantia o Céu. Ele próprio estava tão penetrado da felicidade de sofrer por Nosso Senhor que crucificava sua carne quase sem medida, e acrescentava outras austeridades nas vigílias dos dias de Comunhão.

Aos setenta e oito anos, não aceitava dispensa dos jejuns e abstinências da Igreja e não deixava passar um dia sem ao menos duas disciplinas corporais. Mesmo em sua última enfermidade, o Irmão Enfermeiro observou que a proximidade da morte não o fazia tirar a camisa de cilício, tamanha era sua vontade de morrer na cruz. Os sofrimentos de sua agonia, que foram cruéis, poderiam ter substituído as mais rigorosas penitências. Quando lhe perguntaram se sofria muito, ele respondeu com ar alegre: 'Estou passando pelo meu Purgatório antes de partir para o Céu'.

O Irmão Lourenço nasceu no dia da Epifania e Nosso Senhor revelou-lhe que esse mesmo dia seria também o de sua morte. Ele indicou a hora na noite anterior; e, quando o Irmão Enfermeiro o visitou ao amanhecer, disse com um sorriso de dúvida: 'Não é hoje, irmão, que esperas desfrutar da visão de Deus?' 'Sim' - respondeu ele - 'assim que eu receber o Corpo do meu Salvador pela última vez'. De fato, ele recebeu a Sagrada Comunhão e expirou sem luta e sem agonia. Há, portanto, todas as razões para acreditar que ele falava com um conhecimento sobrenatural da verdade ao dizer: 'Estou passando pelo meu Purgatório antes de partir para o Céu'.

Outro servo de Deus recebeu da própria Santíssima Virgem a garantia de que seus sofrimentos terrenos substituiriam o Purgatório. Refiro-me ao Padre Michel de la Fontaine, que adormeceu suavemente no Senhor no dia 11 de fevereiro de 1606, em Valência, na Espanha. Ele foi um dos primeiros missionários a trabalhar pela salvação do povo peruano. Sua maior preocupação ao instruir os novos convertidos era inspirá-los a um horror soberano ao pecado e levá-los a uma grande devoção à Mãe de Deus, falando das virtudes daquela admirável Virgem e ensinando-os a rezar o rosário em sua honra.

Maria, por sua vez, não recusava os favores que lhe eram pedidos. Um dia, quando exausto de cansaço, estava prostrado no chão, sem forças para se levantar, ele foi visitado por aquela que a Igreja, com razão, chama de Consoladora dos Aflitos. Ela reanimou sua coragem, dizendo-lhe: 'Confiança, meu filho; suas fadigas substituirão o Purgatório para você; suporte seus sofrimentos pacientemente, e, ao deixar esta vida, sua alma será recebida na morada dos bem-aventurados'.

Essa visão foi, para o Padre Michel de la Fontaine, durante a vida, mas especialmente na hora de sua morte, uma fonte abundante de consolação. Em gratidão por esse favor, ele praticava, a cada semana, alguma penitência especial. No momento em que expirou, um religioso de eminente virtude viu sua alma partir para o Céu acompanhada pela Santíssima Virgem, pelo Príncipe dos Apóstolos, São João Evangelista e São Inácio, o fundador da Companhia de Jesus.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

TESTAMENTO ESPIRITUAL DE SÃO JOÃO BOSCO


Antes de partir para a minha eternidade, devo cumprir alguns deveres para convosco e assim satisfazer o grande desejo do meu coração. Antes de mais nada agradeço-vos com o mais vivo afeto do coração a obediência que me prestastes e todo trabalho que tivestes para sustentar e propagar a nossa Congregação.

Eu vos deixo aqui na terra, mas apenas por pouco tempo. Espero da infinita misericórdia de Deus que um dia nos possamos encontrar todos na feliz eternidade. Lá vos espero. Recomendo-vos que não choreis a minha morte. É uma dívida que todos havemos de pagar, mas depois será copiosamente recompensado todo trabalho sofrido pelo amor de nosso Mestre, o nosso Bom Jesus.

Em vez de chorar, fazei firmes e eficazes resoluções de permanecerdes fiéis à vocação até a morte. Ficai atentos e cuidai a fim de que o amor do mundo, a afeição dos parentes, tampouco o desejo de uma vida mais cômoda não vos levem ao grande despropósito de profanar os santos votos e assim transredir a profissão religiosa, com que nos consagramos ao Senhor. Nenhum de nós tome de novo o que já demos a Deus.

Se me amastes no passado, continuais a amar-me no futuro com a exata observância das nossas Constituições. Morreu o vosso primeiro Reitor. Mas o nosso verdadeiro Superior, Jesus Cristo, não morrerá. Será ele sempre o nosso Mestre, nosso Guia, nosso Modelo. Não vos esqueçais, porém, de que a seu tempo será o nosso Juiz e Remunerador da fidelidade em seu serviço.

O vosso Reitor já não vive, mas será eleito outro que cuidará de vós e da vossa eterna salvação. Ouvi-o, amai-o, obedecei-lhe, rezai por ele, como fizestes para comigo. Adeus, queridos filhos, adeus. No céu vos espero. Lá falaremos de Deus, de Maria, Mãe e sustentadora da nossa Congregação; lá bendiremos por todo o sempre esta nossa Congregação, cujas regras por nós observadas contribuíram poderosa e eficazmente para a nossa salvação. Bendito seja o nome do Senhor de agora até o século futuro (Sl 113, 2). Em ti, Senhor, esperei, e não serei confundido na eternidade (Sl 71,1).

(São João Bosco)

São João Bosco, rogai por nós!

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

QUESTÕES SOBRE A DOUTRINA DA SALVAÇÃO (IV)

P.7 - E no caso de uma pessoa completamente ignorante da fé [a chamada ignorância invencível] em Jesus Cristo e da sua Igreja, isso [a consciência e a razão] não a poderia salvar?

Esta também é uma proposição muito atraente e temo que, por não ser devidamente considerada, ela seja ocasião de um erro perigoso para muitos; portanto, vamos tentar examiná-la de forma completa. E aqui devemos observar que duas questões diferentes são comumente misturadas quando as pessoas falam sobre a chamada ignorância invencível: (I) uma pessoa que é invencivelmente ignorante da verdadeira fé ou Igreja de Cristo será condenada precisamente por essa ignorância? Ou seja, essa ignorância será imputada a ela como um crime? Ou essa ignorância invencível a desculpará da culpa de não crer? A isso respondo que, como nenhum homem pode ser culpado por um pecado ao não fazer o que está absolutamente fora de seu poder, portanto, uma pessoa que é invencivelmente ignorante da verdadeira fé e Igreja de Cristo não será condenada por essa ignorância; tal ignorância não será imputada a ela como um crime, mas sem dúvida a desculpará da culpa da descrença: nisso todos os teólogos concordam sem dúvida ou hesitação. 

Um pagão, por exemplo, que nunca ouviu falar de Jesus Cristo, não será condenado como criminoso precisamente pela falta de fé nEle; um herege que nunca teve nenhum conhecimento da verdadeira Igreja de Cristo não será condenado como culpado por não estar em comunhão com essa Igreja. Até aqui, a primeira questão não admite disputa. 

A segunda questão é: (II) pode uma pessoa invencivelmente ignorante da verdadeira fé ou Igreja de Jesus, vivendo e morrendo nesse estado, ser salva? Esta é uma questão muito importante, mas bem diferente da anterior, embora frequentemente confundida com ela. Agora, para responder a essa questão de forma clara e distinta, devemos considerar dois casos diferentes: primeiro, o dos muçulmanos, judeus e pagãos que, nunca tendo ouvido falar de Jesus Cristo ou da sua religião, são invencivelmente ignorantes dela; e, em segundo lugar, o dos diferentes grupos de cristãos que estão separados da verdadeira Igreja de Cristo por heresia.

P.8 -  O que se deve então dizer de todos aqueles muçulmanos, judeus e pagãos que, nunca tendo ouvido falar de Jesus Cristo ou da sua religião são, portanto, invencivelmente ignorantes em relação a ambos? Podem ser salvos, se viverem e morrerem nesse estado?

A resposta direta a isso é que eles não podem ser salvos; que nenhum deles 'pode entrar no reino de Deus'. É verdade, como vimos acima, que não serão condenados precisamente por não terem a fé em Cristo, da qual são invencivelmente ignorantes. Mas a fé em Cristo, embora seja uma condição essencial para a salvação, é apenas uma condição; outras também são necessárias. E, embora a ignorância invencível certamente livre um homem do pecado, por não saber aquilo do que é invencivelmente ignorante, é impossível supor que essa ignorância invencível sobre um ponto substitua a falta de todas as outras condições exigidas. Agora, todos aqueles de quem falamos aqui estão no estado do pecado original - 'estranhos a Deus e filhos da ira' -  por não serem batizados; e é um artigo da fé cristã que, a menos que o pecado original seja apagado pela graça do batismo, não há salvação; pois o próprio Cristo declara expressamente: 'Em verdade, em verdade, vos digo, se alguém não nascer da água e do Espírito Santo, não poderá entrar no reino de Deus' (Jo 3,5).

E, de fato, se até mesmo os filhos de pais cristãos, que morrem sem o batismo, não podem ir para o céu, quanto menos aqueles que, além de não serem batizados, vivem e morrem na ignorância do verdadeiro Deus, de Jesus Cristo e de sua fé, e, por essa razão, podem ser considerados como tendo cometido muitos pecados atuais. Além disso, imaginar que pagãos, muçulmanos ou judeus que vivem e morrem nesse estado podem ser salvos é supor que a ignorância salvará adoradores de ídolos, de Maomé e blasfemadores de Jesus Cristo, tanto no pecado atual quanto no original; o que seria colocá-los em uma posição melhor do que os próprios cristãos e dos seus filhos. O destino de todos esses é decidido pelas Escrituras da seguinte forma: 'O Senhor Jesus será revelado do céu, com o anjo do seu poder, em uma chama de fogo, infligindo vingança àqueles que não conhecem a Deus e que não obedecem ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais sofrerão punição eterna na destruição, longe da face do Senhor e da glória do seu poder' (2Ts 1,7-8). Isso é, de fato, uma resposta clara e decisiva à questão apresentada.

(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)