quinta-feira, 13 de março de 2025

BREVIÁRIO DIGITAL - ICONOLOGIA CRISTÃ (IV)

 

CRISTO DA HUMILDADE PERFEITA

Quando exposto ao jugo do orgulho e da vanglória, responda com a nudez da imolação e da pobreza. Diante às perseguições injustas, recline a cabeça. Face às zombarias, infâmias e falsas acusações, cruze os braços sobre o coração e receba com humilde acolhimento o que é oferecido com despeito. E quando confrontado com a pergunta: 'Até onde devo tolerar tamanha vergonha e tanta injustiça?', lembre-se de que a resposta é 'até o túmulo'. O ícone nos direciona e nos incentiva buscar pela humildade a perfeita Imitação de Cristo.

quarta-feira, 12 de março de 2025

SOBRE PRESUNÇÃO E PROGRESSO ESPIRITUAL

A razão porque não somos melhores é que não queremos ser melhores; o pecador e o santo diferenciam-se apenas por uma série de pequeninas decisões que se tomam no recôndito do nosso coração. Em parte alguma encontram-se opostos tão próximos como no reino do espírito; um abismo separa o pobre do rico, o qual só se pode transpor com a ajuda de circunstâncias externas e de boa sorte. A linha que divide a ignorância da erudição é também profunda e extensa: tempo livre para o estudo e um espírito bem dotado são necessários para converter um ignorante em um homem culto. Mas a passagem do pecado à virtude, da mediocridade à santidade não precisa de 'sorte' e nem ajuda das circunstâncias externas. Pode realizar-se por um ato eficaz da vontade, em colaboração com a graça de Deus.

Santo Tomás diz-nos que 'não somos santos porque não queremos sê-lo'. Não diz, note-se bem, que não desejamos ser santos; muitos, na verdade, têm veleidades disso. Mas a simples veleidade é o desejo de que alguma coisa aconteça, sem que para isso ponhamos da nossa parte o trabalho. Querer significa que estamos dispostos a pagar as custas necessárias em esforço e em sacrifício. Por vezes iludimo-nos, imaginando que temos buscado ser melhores, quando, na verdade, fizemos muitas reservas e resolvemos não mudar muitos dos nossos modos de proceder.

Então o desejo é simplesmente uma veleidade. O segredo do progresso espiritual encontra-se no Credo: 'Desceu aos infernos; ao terceiro dia ressuscitou'. Cada um de nós também deve descer ao subconsciente, às regiões do nosso espírito que a treva envolve, porque é aqui que se ocultam as secretas reservas. Estas reservas não são facilmente vistas por nós, mas dão cor a tudo o que vemos; são como essas janelas coloridas que fazem chegar ao nosso intelecto a verdade da realidade externa mudada. A realidade é deformada, se temos reservas tais como preconceitos, hábitos de pecado, orgulho, avareza e inveja; qualquer destas coisas pode tornar-nos impossível um juízo honesto. A verdade é, então, distorcida, para a ajustar às nossas imperfeições; mentimos a nós próprios, para não ter de mudar, nem de abandonar estes hábitos tão estimados de pecado.

Muitos de nós passamos a nossa vida tendo de nós uma falsa ideia, que de modo nenhum queremos ceder; receamos a amargura de nos encontrarmos menos nobres do que gostamos de nos julgar. Coamos a realidade através de um crivo de amor-próprio, pondo de lado toda a verdade que nos incomode. Usar este critério pessoal de verdade é tão errado e vão como seria deixar às nossas preferências decidir qual tecla do piano é o lá médio. Podíamos fazer de conta que uma tecla mais fácil de tocar fosse esse lá médio, e agir de acordo com essa preferência; mas resultaria daí a desarmonia, não a harmonia. A realidade não pode ser forçada a adaptar-se aos nossos desejos.

Essas reservas a que nos prendemos, estas atitudes que teimamos em não abandonar ou mudar, afetam os nossos juízos e tornam-se falsos. Antes de podermos, algum dia, levantar-nos para alegria da realidade de Deus, temos de descer ao inferno, onde escondemos estas faltas que queremos desconhecer. Isto exige de nós uma análise plena de nós próprios à luz das imutáveis leis de Deus.

Há expressões da gíria, ou ditos populares, que recomendam que não se tenha presunção. Nada, de fato, se opõe tanto ao nosso progresso para Deus como o egoísmo, e o egoísta está sempre cheio de ilusões voluntárias, a respeito de si mesmo, de faltas 'sagradas', a que não quer renunciar, que nem mesmo quer confessar que as tem. Eis porque o egoísta, que existe em todos nós, tem necessidade urgente de uma inspeção desapiedada a todos os ângulos e cantos escondidos do espírito. Importa sobremaneira ver o que na realidade somos e não o que julgamos ser. Devemos amar mais a Verdade do que o nosso eu; devemos estar dispostos a renunciar a todas as nossas faltas que ainda não descobrimos se, enfim, queremos realmente nos tornar aptos para ver a Verdade como ela é.

Nada faz coxear tanto a nossa vida espiritual como estes 'parasitas' escondidos no motor da nossa alma. Podem ser uma ou outra das nossas faltas comuns, tais como a ganância, a acrimônia para com os outros, a inveja e o ódio. Aqueles que se esforçam por se aproximar cada vez mais de Deus sem autoanálise, admiram-se de sofrer tão frequentes derrotas: é invariavelmente por causa do Cavalo de Troia que está dentro deles, o defeito dominante ainda não reconhecido. Enquanto não for extirpado e confessado diante de Deus, com o desejo de o destruir, não existirá real progresso espiritual. Com justeza se exprimia Santo Agostinho, quando dizia: 'O Vosso melhor servo, Senhor, não é aquele que procura ouvir de Vós aquilo que ele mesmo quer, mas antes aquele que procura querer o que ouve de Vós'.

(Excertos da obra 'Rumo à Felicidade' do Venerável Fulton Sheen)

terça-feira, 11 de março de 2025

FRASES DE SENDARIUM (XLVIII)

'O Calvário proclama que as nossas dores serão santificadas, se unidas à Cruz de Cristo'

 (São Josemaria Escrivá)

Senhor, não vos peço não ter tentações ou sofrimentos e nem que se cumpra as minhas humanas vontades, mas que o teu propósito para mim se realize em plenitude em cada dia da minha vida.

segunda-feira, 10 de março de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XIX)


87. O erro está em termos uma opinião demasiado elevada daquilo a que o mundo chama de honra, estima e fama. Por mais que o mundo me louve ou honre, isso não pode aumentar nem um pouco o meu mérito ou a minha virtude; e também, se o mundo me vituperar, não pode tirar de mim nada do que tenho ou do que sou em mim mesmo. Conhecerei a vaidade da verdade à luz dessa vela bendita que terei na mão à hora da minha morte. De que me servirá, então, ter sido estimado e honrado por todo o mundo, se a minha consciência me convencer de pecado diante de Deus? Ah, que loucura seria para um nobre, possuidor de talentos que o tornariam querido pelo seu rei e o fariam um favorito na corte, se ele procurasse antes ser adulado por seus servos e servas, e encontrasse prazer em tal adulação miserável. Mas é uma loucura muito maior para um cristão, que poderia ganhar o louvor e a honra de Deus e de todos os anjos e santos no céu, procurar antes ser louvado e honrado pelos homens e gloriar-se nisso. Pela humildade, posso agradar a Deus, aos anjos e aos santos; portanto, não é um orgulho desprezível que me faz desejar a estima, o louvor e a aprovação dos homens, quando nos é dito que 'é aprovado aquele a quem Deus recomenda?' [2Cor 10,18].

O pensamento da morte é proveitoso para adquirir a humildade; e a humildade ajuda-nos muito a obter uma morte santa. Santa Catarina de Sena, pouco antes da sua morte, foi tentada a ter pensamentos de orgulho e vanglória por causa da sua própria santidade; mas a esta tentação ela respondeu: 'Dou graças a Deus por nunca ter sentido, em toda a minha vida, qualquer vanglória'. Oh, como é belo poder exclamar no leito de morte: 'Nunca conheci a vanglória'.

88. Mesmo admitindo o valor da estima e da fama do mundo, pelo simples fato de a amarmos e desejarmos no nosso coração, podemos deduzir daí quão grande é a virtude da humildade, pois, oferecendo a Deus tudo o que temos de tão precioso, juntamente com o nosso amor-próprio, oferecemos-lhe algo que estimamos muito. O voto de castidade é considerado heroico, porque assim sacrificamos a Deus os prazeres dos sentidos. O martírio é considerado heroico, porque o mártir oferece assim a sua vida em holocausto a Deus. E também é considerado heroico dar todos os seus bens aos pobres. Mas a nossa autoestima é certamente o que temos de mais precioso do que o dinheiro, a satisfação dos sentidos, ou mesmo a própria vida, porque muitas vezes arriscamos todas estas coisas em nome da nossa reputação. Assim, ao oferecermos a Deus a nossa autoestima com humildade, oferecemos aquilo que consideramos mais precioso.

Isto é verdadeiramente oferecer a Deus 'o sacrifício, o incenso e o perfume da lembrança' [Eclo 40,15]. Os que vivem no mundo podem muitas vezes ter mais mérito pela sua humildade de coração do que os que fazem votos de pobreza e castidade no claustro sagrado, porque é pela prática desta humildade que formamos em nós a 'nova criatura', sem a qual São Paulo nos diz que 'nem a circuncisão nem a incircuncisão valem nada' [Gl 6,15], o que equivale a dizer que, quer sejais sacerdote ou leigo, o vosso estado nada pode valer sem a humildade. A humildade sem a virgindade pode ser agradável a Deus, mas nunca a virgindade sem a humildade. As cinco virgens loucas não lhe foram desagradáveis? Vanitate superbiæ - diz Santo Agostinho. E se a própria Virgem agradou a Deus pela sua virgindade, mereceu também ser escolhida para ser sua Mãe pela sua humildade, como diz São Bernardo: 'Pela sua virgindade agradou a Deus, pela sua humildade o concebeu' [Hom. I sup. Missus est].

89. É muito fácil uma pessoa orgulhosa cair em pecados graves e terríveis; e, depois de ter caído, encontrar grande dificuldade em acusar-se deles no sacramento da penitência; porque, amando demasiado a sua autoestima e reputação e temendo perdê-las aos olhos do seu confessor, prefere cometer um sacrilégio a revelar a sua fraqueza. Procura um confessor que lhe seja desconhecido, para não se envergonhar; mas, se não se envergonhava de pecar, por que se envergonharia tanto de confessar o seu pecado, se não fosse por motivos de orgulho? Minha alma, dize a ti mesma: 'A razão pela qual não sinto verdadeira dor pelos meus pecados é a minha falta de humildade, pois é impossível que o coração sinta arrependimento ou contrição se não for humilde. Falta-me humildade, e é por isso que não tenho coragem de confessar os meus pecados com franqueza e sem desculpas'. Pede a Deus humildade; e, à medida que o teu coração se tornar mais humilde, sentirás uma dor mais profunda por o teres ofendido, e dessa humildade sincera as palavras fluirão sem dificuldade para os teus lábios, porque 'quem magoa um coração, nele excita a sensibilidade' [Eclo 22,24]. 

É o orgulho que nos compele a reter os nossos pecados no confessionário e a procurar amenizar a sua maldade com muitas desculpas. Ó orgulho maldito, causa de inúmeros sacrilégios! Mas, ó bendita humildade! O rei Davi foi humilde no seu arrependimento, porque não desculpou os seus pecados, mas acusou-se publicamente deles; nem pôs a culpa dos seus pecados nos outros, mas atribuiu-os apenas à sua própria maldade: 'Eu sou aquele que pecou' [2Rs 24,17]. Também Madalena, no seu arrependimento, não procurou Jesus Cristo num lugar escondido, mas procurou-o na casa do fariseu e quis mostrar-se pecadora diante de todos os convidados. Santo Agostinho, sendo verdadeiramente humilde no seu arrependimento, fez a confissão dos seus pecados a todo o mundo para sua maior confusão e vergonha.

90. É difícil para nós darmo-nos conta do nosso nada, e é difícil também referir todas as coisas a Deus sem reservar nada para nós mesmos, porque não é realmente nosso o nosso trabalho, a nossa diligência e a cooperação da nossa vontade? Admitamo-lo, mas se tirarmos a luz, a ajuda e a graça recebidas de Deus, o que é que nos resta de todas estas coisas? As nossas ações naturais só se tornam meritórias quando são amparadas espiritualmente por Cristo Jesus. É Jesus Cristo que eleva e enobrece todas as nossas ações que, por si sós, seriam totalmente insuficientes para nos proporcionar a glória da vida eterna.

O modo como a vontade é levada a cooperar com a graça é um mistério que não compreendemos completamente; mas é certo que, se formos para o céu, daremos graças pela nossa salvação unicamente à misericórdia de Deus: 'As misericórdias do Senhor cantarei para sempre' [Sl 88,2]. Podemos, pois, dizer com o santo rei Davi e estar plenamente persuadidos da sua verdade, que a natureza humana é mais fraca e mais impotente do que podemos imaginar, porque na natureza que recebemos de Deus só temos, pela queda de Adão, a ignorância do espírito, a fraqueza da razão, a corrupção da vontade, a desordem das paixões, a doença e a miséria do corpo. Não temos, portanto, nada em que nos gloriar, mas em tudo podemos encontrar motivos de humilhação. 'Humilha-te em todas as coisas' [Eclo 3,20] diz o Espírito Santo e Ele não nos diz para nos humilharmos apenas em algumas coisas, mas em todas - in omnibus.

91. A santa humildade é inimiga de certas especulações sutis; por exemplo: dizes que não podes compreender como é que tu próprio és um mero nada, no fazer e no ser, porque não podes deixar de saber que, na realidade, tu és alguma coisa e podes fazer muitas coisas; que não podes compreender porque é que és o maior de todos os pecadores, porque conheces tantos outros que são maiores pecadores do que tu; nem como é que mereces todos os vitupérios dos homens, quando sabes que não fizeste nenhuma ação digna de culpa mas, pelo contrário, muitas dignas de louvor.

Deves censurar-te por estares ainda tão longe da verdadeira humildade e pensares que podes compreender o sentido destas coisas. O verdadeiro humilde crê que é em si mesmo um simples nada, um pecador maior do que os outros, inferior a todos, digno de ser injuriado por todos por ser, mais do que todos, ingrato para com Deus. Ele sabe que este sentimento da sua consciência é absolutamente verdadeiro, e não se preocupa em investigar como é que isto torna-se verdade; o seu conhecimento é prático, e mesmo que ele não se compreenda a si próprio, e não possa explicar aos outros, com raciocínios sutis o que sente no seu coração, importa-se tão pouco com o fato de não o poder explicar como se importa com o fato de não poder explicar como é que o olho vê, a língua fala, o ouvido ouve. Daí se deduz que não é preciso ter grandes talentos para ser humilde e que, portanto, diante do tribunal de Deus, não será desculpa válida dizermos 'Não fui humilde porque não sabia, porque não compreendia, porque não estudava'. Podemos ter uma boa vontade, um bom coração, e não sermos inteligentes; e não há ninguém que não possa compreender esta verdade, que de Deus vem todo o bem que se possui e que ninguém tem nada de seu, exceto a sua própria malícia. 'A destruição é tua, ó Israel; teu socorro está somente em Mim' [Os 13,9], disse Deus pela boca do seu profeta.

92. A humildade é um meio poderoso de subjugar a tentação e, da mesma forma, as tentações servem para manter a humildade; porque é quando somos tentados que estamos praticamente conscientes de nossa própria fraqueza e da necessidade que temos da graça divina. É por isso que Deus permite que caiamos em tentação, reduzindo-nos por vezes ao próprio limite de sucumbir a ela, para que aprendamos a fraqueza da nossa virtude e o quanto precisamos do auxílio de Deus.

E até nisto podemos ver a infinita sabedoria de Deus, que dispôs que os próprios demônios, espíritos de orgulho, contribuíssem para nos tornar humildes, se soubéssemos aproveitar bem as nossas tentações. No entanto, devemos lembrar-nos de que, em todas as nossas tentações, a primeira coisa a fazer é exercitar a humildade que deriva de um conhecimento prático de nós mesmos e de como somos propensos ao mal, se Deus não estender a sua mão para nos refrear através da sua graça. Não esperemos para conhecer a nossa fraqueza até termos caído; mas conheçamo-la de antemão, e o conhecimento dela será um meio eficaz para nos impedir de cair. 'Antes da doença, toma-se um remédio; antes da doença, humilha-te' [Eclo 18, 20-21], diz a Sagrada Escritura. Os humildes nunca carecerão de graça no tempo da tentação e, com a ajuda dessa graça, tirarão proveito dessas mesmas tentações; pois a misericordiosa providência de Deus dispôs as coisas de tal modo que, com a ajuda especial da sua graça, Ele 'não deixará que nenhuma tentação se apodere de vós' [1Cor 10,13].

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

domingo, 9 de março de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Em minhas dores, ó Senhor, permanecei junto de mim!' (Sl 90)

Primeira Leitura (Dt 26,4-10) - Segunda Leitura (Rm 10,8-13) -  Evangelho (Lc 4,1-13)

  09/03/2025 - PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA

O JUGO DAS TENTAÇÕES 


Se há algo que liga de forma admirável todo o universo da criação é o zelo imposto à fidelidade e à obediência aos desígnios de Deus. O que significa dizer que criatura alguma não perpassou por tais provas de fidelidade sem o jugo das tentações. A primeira prova foi imposta aos anjos e uma miríade deles se condenou. Depois, Adão e Eva sucumbiram à tentação e o pecado deles marcou indelevelmente a história humana. Sob o jugo cotidiano de tentações diversas, todos nós percorremos nosso vale de lágrimas.

Mas Jesus, embora não possuindo a mais remota imperfeição, também foi tentado. E não, uma, duas ou três vezes como nos revelam as Sagradas Escrituras, mas muitas outras vezes naqueles 'quarenta dias no deserto' (Lc 4, 2). Aquele que disse de si 'Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida' (Jo 14,6) foi sempre exemplo. Sabendo de nossas imperfeições e da ação diabólica sobre a natureza humana, Jesus quis mostrar as provas e os riscos de nossa caminhada terrena: seremos tentados, mas temos todos os meios disponíveis para superar a malícia do tentador. Assim, Jesus submeteu-se às tentações do demônio no deserto para 'compadecer-Se de nossas fraquezas' e, em tudo, menos no pecado, assumir incondicionalmente a dimensão do homem.

E este Primeiro Domingo da Quaresma nos lembra as três tentações sofridas por Jesus e descritas nos Evangelhos. Depois de quarenta dias, em jejum e oração, Jesus teve fome. Jesus teve fome, como qualquer ser humano privado de alimento por longo tempo. A manifestação maligna ousou, então, tentar Jesus: diante a suspeição de ser Jesus o Filho de Deus pairava a incontestável condição humana de um homem debilitado pela fome. E, por isso, a primeira tentação tem essa via, em que o vômito maligno titubeia por ânsias de dubiedade: 'Se és Filho de Deus, diz a esta pedra que se converta em pão' (Lc 4,3). Ao que Jesus, citando as Escrituras, responde: 'Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra de Deus' (Lc 4,4), porque Jesus poderia alcançar o seu sustento por vias naturais mas, principalmente, para mostrar a ascensão da vida espiritual sobre a dimensão puramente física.

A segunda tentação foi a tentativa de idolatria, diante da soberba do poder diabólico, exposta pelo brilho feérico e a falsa concessão de 'todos os reinos do mundo'. Quantos homens não se perdem nessa vereda diante de migalhas de luxo e esplendor mesquinhos? Jesus vai responder ao espírito maligno: 'Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás' (Lc 4,8). Satanás sentiria reverberar em seus ouvidos a sentença de Miguel: 'Quem, como Deus?'. E chegaria a ousadia satânica a uma terceira tentação, misto de vanglória e desmedido orgulho, ainda mais abominável porque supostamente amparada nos próprios textos das Escrituras: 'Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz... Eles te levarão nas mãos para que não tropeces em alguma pedra' (Lc 4, 9.11). Jesus, uma vez mais, se submete ao desvario diabólico, para desmascarar suas ciladas e malícias e reduzi-lo como macaqueador de Deus: 'Não tentarás o senhor teu Deus' (Lc 4,12). A lição do Mestre sobre os benefícios das tentações e das provas humanas torna-se cristalina: não devemos temer o demônio, mas sim, o pecado, pois é o pecado que nos deixa à mercê da ação maligna de todos os demônios.

sábado, 8 de março de 2025

A INQUIETUDE DE DEUS

Na vida cotidiana moderna, a ciência e o progresso ditaram uma nova religião que impõe, como premissa absoluta, o esquecimento de Deus. Os clichês são os mesmos e variados, mas todos centrados na ideia de uma razão suprema, de uma ciência deificada, de um culto à tecnologia e ao progresso como irmãos siameses do conhecimento e da felicidade verdadeiros. Essa onda se infla do próprio estertor: o vazio de Deus.

O orgulho é a raiz de todos os pecados e de todos os desvarios. E o orgulho é patético em todas as suas raízes, porque é absolutamente incompatível com a miséria humana. O que é o homem na dimensão do homem? Um saco de ossos desconjuntados que usa e abusa do livre arbítrio para gestar do nada uma fotografia de coisa alguma. Que vai morrer de AVC ou de câncer, que vira um demente diante de uma cólica renal, que se aniquila diante de uma tragédia pessoal.

Para retaliar essa realidade esmagadora, a criatura assume o papel de náufrago nas águas turvas de sua incredulidade, e esconde-se de Deus por trás das máscaras da fuga ou da indiferença. Um homem sem Deus vive de quebrar espelhos, na crença doentia de que o ato de quebrar o espelho possa garantir a inexistência da imagem. 

Deus não está ali, porque espelhos se quebram e espelhos quebrados são apenas espelhos quebrados, que não valem nada. É na alma - imagem de Deus e não espelho do homem - que Deus inquieta o coração humano. É essa alma que pulsa, independentemente de espelhos quebrados todos os dias, pela nostalgia de Deus. É essa alma que reage ao estupor físico e mental do livre-arbítrio contra o esvaziamento da imagem e semelhança de Deus, que grita contra o indiferentismo e o orgulho reinantes, que incendeia escombros em cinzas. Eis aí onde mora a inquietude de Deus.

Em que minuto de sua vida tão valiosa essa inquietude vai fazer você se encontrar com Deus? Cada minuto de sua vida, Ele espera por você, pela imagem da graça divina gravada na sua alma. Ou esse minuto nunca vai existir e a sua vida, tão valiosa, não vai valer nada além de espelhos quebrados?

sexta-feira, 7 de março de 2025

INDULGÊNCIA PLENÁRIA DAS SEXTAS-FEIRAS DA QUARESMA

   

Indulgência Plenária: rezar com piedosa devoção a oração En ego, o bone et dulcissime Iesu (Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesus!) nas sextas-feiras da Quaresma, diante de uma imagem de Jesus Crucificado e depois da comunhão.

En ego, o bone et dulcissime Iesu, ante conspectum tuum genibus me provolvo, ac maximo animi ardore te oro atque obtestor, ut meum in cor vividos fidei, spei et caritatis sensus, atque veram peccatorum meorum paenitentiam, eaque emendandi firmissimam voluntatem velis imprimere; dum magno animi affectu et dolore tua quinque vulnera mecum ipse considero ac mente contemplor, illud prae oculis habens, quod iam in ore ponebat tuo1 David propheta de te, o bone Iesu: Foderunt manus meas et pedes meos: dinumeraverunt omnia ossa mea. Amen.

Eis-me aqui, ó bom e dulcíssimo Jesus! De joelhos me prostro em vossa presença e vos suplico com todo o fervor de minha alma que vos digneis gravar no meu coração os mais vivos sentimentos de fé, esperança e caridade, verdadeiro arrependimento de meus pecados e firme propósito de emenda, enquanto vou considerando com vivo afeto e dor as vossas cinco chagas, tendo diante dos olhos aquilo que o profeta Davi já nos fazia dizer, Ó bom Jesus: ‘Transpassaram minhas mãos e meus pés e contaram todos os meus ossos’.

(SI 21,17; cf. Missal Romano, ação de graças depois da missa)

É sempre importante lembrar que a indulgência não é o perdão dos pecados, mas a reparação das penas e danos devidos aos pecados. Para se obter a indulgência plenária é preciso:

1. ter uma disposição interior de afastamento total de todo o pecado, mesmo do pecado venial;
2. ter feito confissão recente;
3. receber a Sagrada Comunhão;
4. rezar em intenção do Santo Padre e da Santa Igreja (orações livres, mas que a Santa Sé recomenda fazer na forma de um 'Pai Nosso' e de uma 'Ave Maria').

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS