Esses estão em um estado muito diferente dos muçulmanos, judeus e pagãos, desde que tenham entre eles o verdadeiro batismo; pois, se não possuem o batismo ou alteraram a forma de ministrá-lo conforme ordenado por Cristo, então não estão em melhor condição, no que diz respeito à possibilidade de salvação, do que os pagãos, ainda que possam assumir o nome de cristãos. Mas, se possuem o batismo válido, por meio dele são feitos verdadeiros membros da Igreja de Cristo e aqueles que morrem jovens, em sua inocência batismal, sem dúvida serão salvos.
Quanto àqueles que atingem a idade da razão, são educados em uma fé falsa e vivem e morrem em um estado de separação da comunhão da Igreja de Cristo, também devemos distinguir entre dois casos diferentes. O primeiro é o daqueles que vivem entre católicos ou têm católicos vivendo no mesmo país, sabem de sua existência e frequentemente ouvem falar deles. O segundo refere-se àqueles que não têm tal conhecimento e raramente ou nunca ouvem falar de católicos, exceto sob uma luz falsa e odiosa.
P. 10 - O que se pode dizer daqueles que vivem entre os católicos? Se estiverem em ignorância invencível e morrerem nesse estado de separação, poderão ser salvos?
É quase impossível que alguém dessa classe esteja em estado de ignorância invencível, pois, para ser verdadeiramente ignorante de forma invencível, são necessários três requisitos.
Primeiro, a pessoa deve ter um desejo real e sincero de conhecer a verdade; pois, se for fria e indiferente em relação a um assunto tão importante quanto a sua salvação eterna, se for negligente quanto a estar ou não no caminho certo; se, escravizada a esta vida presente, não se preocupar com a próxima, então é evidente que a ignorância decorrente dessa disposição é uma ignorância voluntária e, portanto, altamente culpável aos olhos de Deus. Isso é ainda mais grave se a pessoa estiver positivamente relutante em buscar a verdade por medo de inconveniências mundanas e, por isso, evitar toda oportunidade de conhecê-la. Sobre essas pessoas, a Escritura diz: 'Passam os seus dias entre riquezas, e num momento descem à sepultura. E dizem a Deus: Afasta-te de nós, não desejamos conhecer os teus caminhos' (Jó 21,13-14).
Segundo, para que alguém seja realmente ignorante de forma invencível, é necessário que esteja sinceramente disposto a aceitar a verdade onde quer que a encontre e qualquer que seja o custo. Pois, se a pessoa não estiver plenamente decidida a seguir a vontade de Deus em tudo o que for necessário para a salvação; se, pelo contrário, estiver disposta a negligenciar seu dever e arriscar sua alma para não desagradar amigos ou sofrer alguma perda ou desvantagem temporária, sua ignorância é culpável e nunca poderá justificá-la diante do Criador. Sobre isso, Nosso Senhor diz: 'Quem ama pai ou mãe, ou filho ou filha, mais do que a Mim, não é digno de Mim' (Mt 10,37).
Terceiro, é necessário que a pessoa faça um esforço sincero para conhecer seu dever e, especialmente, que recomende essa questão a Deus Todo-Poderoso, rezando por luz e orientação dEle. Pois, independentemente do desejo que possa ter de conhecer a verdade, se não utilizar os meios adequados para encontrá-la, sua ignorância não é invencível, mas voluntária. A ignorância só é invencível quando uma pessoa tem um desejo sincero de conhecer a verdade, com plena disposição para aceitá-la, mas não tem nenhum meio possível de conhecê-la ou, após fazer todos os esforços, não consegue descobri-la.
Portanto, se uma pessoa falha em buscar conhecer seu dever, sua ignorância não é invencível — é sua própria culpa não conhecê-lo. Se a desatenção, a indiferença, os motivos mundanos ou preconceitos injustos influenciam seu julgamento e a fazem ceder ao peso da educação que recebeu, essa pessoa não tem ignorância invencível nem o temor de Deus. Ora, é inconsistente com a bondade e as promessas de Deus que uma pessoa criada em uma religião falsa, mas que está na condição descrita por esses três requisitos e faz o máximo esforço para conhecer a verdade, seja deixada em ignorância invencível. Mas, se, por apego ao mundo ou a objetos sensuais e egoístas, essa pessoa não estiver bem disposta e negligenciar os meios adequados para chegar à verdade, então sua ignorância será voluntária e culpável, e não invencível.
P. 11 - Mas, e se nunca surgir dúvida em sua mente, e a pessoa continuar de boa fé no caminho em que foi criado?
É um erro supor que uma dúvida formal seja necessária para tornar a ignorância do seu dever voluntária e culpável; basta que haja razões suficientes para duvidar, ainda que, por seus preconceitos injustos, obstinação, orgulho ou outras más disposições do coração, ele impeça que essas razões despertem uma dúvida formal em sua mente.
Saul não teve dúvida alguma quando ofereceu sacrifício antes que o profeta Samuel chegasse; pelo contrário, estava convencido de que tinha as razões mais fortes para fazê-lo, e ainda assim foi condenado por essa mesma ação, sendo ele e sua família rejeitados por Deus Todo-Poderoso. Os judeus acreditavam que estavam agindo corretamente quando condenaram Nosso Senhor à morte; mais ainda, o sumo sacerdote declarou diante do conselho que era conveniente para o bem e a segurança da nação que assim o fizessem. Eles estavam grosseiramente enganados e terrivelmente ignorantes de seu dever, mas sua ignorância era culpável e foram severamente condenados pelo que fizeram, mesmo que o tenham feito por ignorância.
Na verdade, todos aqueles que agem a partir de uma consciência falsa e errônea são altamente culpáveis por terem tal consciência, ainda que nunca tenham tido uma dúvida formal. E mais, a ausência de dúvida, quando há razões justas e sólidas para duvidar, torna a culpa ainda maior, pois revela uma maior corrupção do coração e uma disposição ainda mais depravada.Uma pessoa criada em uma fé falsa — que a Escritura chama de seitas de perdição, doutrinas de demônios, coisas perversas, mentiras e hipocrisia — e que já ouviu falar da verdadeira Igreja de Cristo, que condena todas essas seitas, e que observa suas divisões e dissensões, tem sempre diante de seus olhos os mais fortes motivos para duvidar da segurança de seu próprio estado.
Se fizer qualquer exame sincero de consciência, deverá perceber que está no erro; e quanto mais examinar, mais claramente verá isso, pois é simplesmente impossível que uma doutrina falsa, baseada em mentiras e hipocrisia, possa ser sustentada por argumentos sólidos capazes de satisfazer uma pessoa razoável que sinceramente busca a verdade e suplica a Deus por luz para guiá-la nessa busca. Portanto, se uma pessoa nunca duvida, mas continua, como se supõe, bona fide em seu próprio caminho, apesar das fortes razões para duvidar do que tem diante de si diariamente, isso demonstra claramente que ou ela é extremamente negligente nos assuntos de sua alma ou que seu coração está totalmente cego pela paixão e pelo preconceito.
Havia muitas pessoas assim entre os judeus e pagãos no tempo dos apóstolos, que, apesar da luz esplêndida da verdade que esses santos pregadores difundiam por toda parte — uma luz que deveria levá-los a duvidar de suas superstições —, estavam tão longe de duvidar que acreditavam estar prestando um serviço a Deus ao matar os apóstolos. De onde vinha essa incredulidade? O próprio São Paulo nos informa: 'Renunciamos às coisas ocultas da desonestidade, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus, mas, pela manifestação da verdade, recomendando-nos à consciência de todo homem diante de Deus' (2Cor 4,2).
Aqui ele descreve a força da luz da verdade que pregava; e ainda assim essa luz era oculta para muitos. Ele imediatamente explica o motivo: 'E se o nosso Evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto, nos quais o deus deste mundo cegou as mentes dos incrédulos, para que a luz do Evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus, não resplandeça sobre eles' (2Cor 4,3-4). Eis a verdadeira causa da incredulidade: eles estão tão escravizados às coisas deste mundo, pela depravação de seu coração, que o diabo os cega, impedindo-os de ver a luz. Mas a ignorância que surge dessas disposições depravadas é uma ignorância culpável e voluntária e, portanto, jamais poderá servir de desculpa.
(Excertos da obra 'The Sincere Christian', V.2, do bispo escocês George Hay, 1871, tradução do autor do blog)