terça-feira, 10 de junho de 2025

O SENTIDO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA

É bem possível que o empecilho [à vida espiritual] seja a falta de devoção a Nossa Senhora. Sem esta devoção, a vida interior é impossível, porque não está em conformidade com a vontade de Deus. E esta reside sobretudo em Nossa Senhora. Ela é a solidez da devoção, e não nos lembramos bastante disso. Os principiantes estão com frequência tão ocupados com a parte metafísica da vida espiritual, que não dão a esta devoção a necessária importância. Mencionarei aqui alguns pontos que eles não parecem não levar em consideração.

A devoção à Mãe de nosso Senhor não é um ornamento do sistema católico, uma beleza supérflua, nem mesmo um auxílio, dentre os muitos que podemos ou não empregar, mas é parte integral do cristianismo e, sem ela, nossa religião não é, estritamente falando, cristã. Seria uma religião diferente da que Deus revelou. Nossa Senhora é uma lei distinta de Deus, um meio especial de graça, cuja importância ressalta do ódio instintivo que lhe tem a heresia.

Maria é o pescoço do corpo místico unindo portanto todos os membros à Cabeça, e sendo o canal e o instrumento que dispensa todas as graças. A devoção a nossa Senhor é a verdadeira imitação de Jesus, porque, após a glória do Pai, foi a devoção mais ligada e mais cara ao sagrado Coração. É de uma solidez a toda prova, porque está perpetuamente ocupada como o ódio do pecado e a aquisição de virtudes substanciais. Descuidar-nos dela é desprezar a Deus, pois ela é a sua lei; é ferir a Jesus em sua Mãe.

Deus mesmo a colocou na Igreja, como um poder distinto, e, portanto, o seu culto é eficaz, é fonte de milagres, é parte da nossa religião, que de modo algum podemos pôr de lado. A espiritualidade é necessariamente ortodoxa. Isto é evidente. Ora, a doutrina não seria ortodoxa, se preterisse o ofício e as prerrogativas da Mãe de Deus. Assim, também a espiritualidade não é ortodoxa, em se desviando ou separando duma devoção tão generosa quão justa. Com efeito, um erro de doutrina é duplamente perigoso quando se relaciona com a vida espiritual. Envenena a tudo, e não há prejuízo que não se possa prever para a infortunada alma que lhe é sujeita.

Se, então, tendes os sintomas que indicam algo de errado, algo que vos retarda, verificai primeiro se vossa devoção a Nossa Senhora é o que devia ser, em qualidade e grau, em fé e confiança, em amor e lealdade. A perfeição está sob a sua proteção particular, porque é uma das especiais prerrogativas de que goza como rainha dos santos.

(Excertos da obra 'Progresso na Vida Espiritual', do Pe. Frederick Faber)

OS PAPAS DA IGREJA (XIV)

 


segunda-feira, 9 de junho de 2025

ÓDIO AO PECADO E AMOR AO PECADOR

O que há então aqui? É o amor? É o ódio? Nem uma coisa e nem outra? Sim, há aqui, ao mesmo tempo, ódio e amor. Ódio contra o que vem de você e amor por você. O que quer dizer: ódio contra o que vem de você e amor por você? Isto quer dizer que há ódio contra as suas obras e amor pela obra de Deus.

O que são suas obras, se não são seus pecados? Qual é a obra de Deus, se não é você mesmo, formado por ele à imagem dele e à semelhança dele? Infelizmente, você despreza a obra de Deus e tem afeto pelas suas! Você ama, fora de você, o que você fez e negligencia, em você, a obra de Deus. Assim, você merece se desgarrar, cair, correr para longe de você mesmo e ouvir ser chamado de um sopro que vai e não volta (Sl 77,39).

Volte seu olhar para Aquele que chama você e que grita para você: 'Voltai a mim e eu voltarei a vós' (Zc 1,3). Deus não se afasta quando é olhado. Ele fica e é imutável, tanto para repreender quanto para corrigir. Se ele está longe de você foi porque você se afastou dele. Foi você que se separou; não foi Ele que se escondeu. Desta forma então, preste atenção à sua voz: 'Voltai a mim e eu voltarei a vós'. Em outros termos: 'Quando eu volto a você, é você que volta a mim'. 

O Senhor, efetivamente, busca os fugitivos e se eles retornam para ele, eles se veem iluminados. Para onde fugirá você, infeliz, ao fugir para longe de Deus? Para onde fugirá você, ao se afastar daquele que não está restrito a nenhum lugar e que não se ausenta de nenhum lugar? Ao se unir a ele encontra-se a liberdade e ao se afastar dele encontra-se o castigo. Para quem se afasta ele é um juiz e, para quem retorna, ele é um pai.

(Santo Agostinho, Sermão 42)

domingo, 8 de junho de 2025

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da terra toda a face renovai!' (Sl 103)

Primeira Leitura (At 2,1-11) - Segunda Leitura (1Cor 12,3b-7.12-13) -  Evangelho (Jo 20,19-23)

  08/06/2025 - FESTA DE PENTECOSTES

NA DIVERSIDADE DOS DONS, O MESMO ESPÍRITO


Emitte Spiritum tuum et creabuntur. Et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada após 50 dias da Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 22).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

sábado, 7 de junho de 2025

PALAVRAS ETERNAS (XXII)

 

'Minha misericórdia é maior que os seus pecados e os do mundo inteiro. Quem pode medir a extensão da minha bondade? Por você, desci do céu à terra; por você, deixei que me pregassem na cruz; por você, deixei que o meu Sagrado Coração fosse transpassado por uma lança, abrindo assim para você a fonte da misericórdia. Venha, então, com confiança, extrair graças desta fonte. Eu nunca rejeito um coração contrito. Sua miséria desaparece nas profundezas da minha misericórdia. Por que haveria então de discutir comigo a sua miséria? Você me dará alegria se me entregar todos os seus problemas e tristezas, pois Eu acumularei sobre elas os tesouros da minha graça'.

(Excertos do Diário de Santa Faustina)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

TRATADO SOBRE A HUMILDADE (XXIV)

 

Exame sobre a Humildade para com Deus - Parte II

108. Há algumas pessoas que, sob o pretexto de praticar atos de humildade, desejam, de vez em quando, acusar-se na confissão de algum pecado grave e vergonhoso de sua vida passada. Se por acaso você estiver entre essas pessoas, cuidado para que isso não resulte mais de um desejo de parecer humilde do que de ser humilde na realidade. O amor próprio é astuto e sabe agir secretamente. Esta falta foi denunciada por São Bernardo: 'Quanto mais sutil é a confissão vaidosa, mais perigosamente prejudicial ela é, como quando, por exemplo, não temos vergonha de revelar nossos atos vergonhosos, não porque somos humildes, mas para parecermos ser assim. O que há de mais perverso ou vergonhoso do que a confissão, guardiã da humildade, servir sob a bandeira do orgulho?' [Serm. vi in Cant.].

Esse tipo de humildade nem sempre é desejável, mesmo fora do confessionário, porque pode facilmente nos levar a criar escândalo ao falar de certos pecados que nem deveriam ser mencionados. Se você tem essa estranha falta, não há razão para se orgulhar dela, mas sim para se envergonhar; pois, como diz o santo abade: 'Que espécie de orgulho é esse que você deseja ser melhor pelo que parece ser pior? Que você não pode ser considerado santo sem parecer ser mau?'

109. E também, após a confissão, você deve lembrar-se dos pecados que cometeu, a fim de despertar em seu coração sentimentos de vergonha e tristeza, humilhando-se diante de Deus. Mas você se lembra de exercitar-se nessa humildade? Esta é uma humildade de preceito. 'Toda a vida do cristão deve ser uma longa penitência' [Ses. I, cap. ii]. Assim fala o santo Concílio de Trento, onde toda a Igreja de Cristo se reuniu, e seus dogmas são infalíveis não menos em questões de moralidade do que em questões de fé.

O Concílio de Trento diz 'deve ser', que é uma fórmula não de exortação, mas de necessidade; e não prescreve penitências como flagelações, cilícios ou jejuns, mas fala de maneira geral; e não podemos interpretar o sentido dessas palavras com mais discrição do que dizendo: Se você não pode realizar certas penitências exteriores, não deve, contudo, negligenciar as penitências interiores que consistem na contrição e humilhação do coração, dizendo como Davi: 'Tem misericórdia de mim, ó Deus... porque pequei contra Vós' [Sl 41,4] e 'Um coração contrito e humilde, ó Deus, tu não desprezarás' [Sl 50,19]. Você pratica essa humildade penitencial? Ó meu Deus! Seus pecados são tão numerosos e, no entanto, você vive em absoluto esquecimento deles, como se fosse inocente! Você se lembra da obrigação que tem que pensar frequentemente: 'O que eu fiz? Que grande mal eu cometi para ofender a Deus'?' Reze a Deus para que Ele lhe dê luz para conhecer a gravidade do seu pecado, e você terá aquele contínuo pesar que o rei Davi tinha, se puder dizer com ele: 'Eu reconheço as minhas iniquidades'.

110. A sua própria fé pode ensinar-lhe como a humildade é necessária para que você se aproxime dignamente da Sagrada Comunhão. Mas, na sua preparação para esse Sacramento Divino e na sua ação de graças, você pratica os devidos atos de humildade? É verdade que você se ajoelha com toda a humildade exterior e bate no peito ao dizer Domine non sum dignus - Senhor, eu não sou digno - mas você tem realmente aquela verdadeira humildade de coração que convém a uma função tão sagrada?

O centurião foi santificado quando recebeu Jesus Cristo em sua própria casa, porque se preparou para recebê-lo com profunda humildade e disse, mais com o coração do que com os lábios: 'Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa'1 [Mt 8, 8]. Este mistério, mais do que outros, exige humildade, e quando o Filho de Deus se encarnou no ventre da Bem-Aventurada Virgem Maria, foi especialmente em virtude da humildade dela, 'porque Ele considerou a humildade da sua serva' [Lc 1,48]. Ó se você refletisse que é um Deus que você vai receber; mas você pensa nisso como o próprio Deus o exorta a fazer? - 'Aquietai-vos e vede que Eu sou Deus' [Sl 45,11].

111. Como você humilha o seu intelecto em relação aos mistérios da fé católica? Você tem curiosidade em buscar e desejar conhecer as razões das coisas que a Igreja propõe para sua crença, inclinando-se a se render mais ao raciocínio humano do que à autoridade divina? Em questões de fé, é muito necessário praticar a humildade, e quanto mais humilde for nossa crença, mais honra ela dá a Deus.

É por esta razão que a Sagrada Escritura, depois de ter dito que Deus é honrado pelos humildes, nos exorta enfaticamente a humilhar nosso intelecto: 'Ele é honrado pelos humildes. Não busque as coisas que são muito elevadas para você, e não investigue as coisas que estão acima de sua capacidade; mas as coisas que Deus lhe ordenou, pense nelas sempre, e em muitas de suas obras não seja curioso' [Eclo 3, 22]. Quando se trata de fé, o Apóstolo nos ensina que não devemos procurar saber o porquê e o motivo, mas humilhar qualquer dimensão do nosso entendimento em reverência humilde a Jesus Cristo, 'levando cativo todo entendimento à obediência a Deus' [2Cor 10,5]. Isso é extremamente necessário. E, especialmente quando temos tentações contra a fé, é necessário que nos humilhemos imediatamente, sem entrar em discussão ou disputa com o diabo. Mas você é prudente em tomar essas medidas imediatamente e diz como o rei Davi: 'Senhor, meu coração não se enche de orgulho, meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas, nem coisas superiores a mim'? [Sl 130,1].

112. Mas se somos obrigados a humilhar nosso intelecto nas coisas que dizem respeito à nossa fé, não devemos humilhar menos nossa vontade de fazer aquilo que nos é ordenado. Nisso consiste principalmente a essência da verdadeira humildade, mas como você a observa? Você se humilha prontamente em obediência aos mandamentos divinos, convencido de que foi colocado neste mundo apenas para fazer a vontade de Deus e não a sua própria? Quando você recita o Pai Nosso, que pensamento você dá a estas palavras: 'Seja feita a tua vontade'? [Mt 6,10]. Quantas vezes você as diz apenas com os lábios e não com o coração?

('A Humildade de Coração', de Fr. Cajetan (Gaetano) Maria de Bergamo, 1791, tradução do autor do blog)

PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

OS PAPAS DA IGREJA (XIII)