PARTE I - SOBRE A MORTE
II. Sobre os Ataques de Satanás na Hora da Morte
Embora a morte seja em si mesma muito amarga, sua amargura é ainda mais intensificada pela lembrança vívida dos pecados de nossa vida passada, pelo pensamento do julgamento que está por vir, da eternidade que temos diante de nós e pelos ataques de Satanás. Essas quatro coisas enchem a alma de tal terror que ela inevitavelmente se desesperaria, a menos que fosse fortalecida pela ajuda de Deus. Vamos entrar em algumas explicações sobre cada uma dessas quatro coisas e também indicar alguns meios de combater os medos que elas inspiram.
Com relação aos ataques de Satanás, saiba que o Deus totalmente justo permite que ele tenha grande poder para nos atacar na hora da morte; não para nossa perdição, mas para nossa provação. Antes de expirar, o cristão ainda tem que provar que nada pode fazê-lo abandonar seu Deus. Por essa razão, o inimigo maligno emprega todo o poder que recebeu e usa todas as suas forças contra o homem quando ele está morrendo, na esperança de fazê-lo pecar e empurrá-lo para o inferno. Durante toda a nossa vida, ele nos ataca ferozmente e não negligencia nenhum meio pelo qual possa nos enganar. Mas todas essas perseguições não se comparam ao ataque final com o qual ele se esforça para nos vencer no fim. Então ele se enfurece no limite, como um leão rugindo, procurando quem possa devorar.
Isso aprendemos na seguinte passagem do Apocalipse: 'Ai da terra e do mar, porque o diabo desceu a vós, tendo grande ira, sabendo que tem pouco tempo' (Ap 12,12). Essas palavras têm uma aplicação especial para os moribundos, contra os quais o diabo concebe uma grande ira e a quem ele faz todos os esforços para seduzir. Pois ele sabe muito bem que, se não os colocar sob seu poder agora, nunca mais terá a chance de fazê-lo. Ouça o que São Gregório diz sobre esse ponto: 'Considerem bem como é terrível a hora da morte e como será assustadora a lembrança de nossas más ações naquele momento. Pois os espíritos das trevas recordarão todo o mal que nos fizeram e nos lembrarão dos pecados que cometemos por sua instigação. Eles não irão apenas ao leito de morte dos ímpios, mas estarão presentes com os eleitos, esforçando-se para descobrir algo pecaminoso de que possam acusá-los. Ai de nós! Como será para nós, mortais infelizes, naquela hora, e o que poderemos dizer em nossa defesa, vendo quantos são os pecados que nos serão imputados? O que poderemos responder aos nossos adversários, quando eles colocarem todos os nossos pecados diante de nós, com o objetivo de nos levar ao desespero?'
Os espíritos malignos tentarão sua infeliz vítima no momento da morte em vários pontos, mas especialmente no que diz respeito aos pecados em que ela mais frequentemente caiu. Se durante sua vida ela nutriu ódio por alguém, eles conjurarão diante de seus olhos moribundos a imagem dessa pessoa, relembrando tudo o que ela fez para prejudicá-la, a fim de reavivar a chama do ódio contra esse inimigo ou acendê-la novamente. Ou, se alguém transgrediu contra a pureza, eles lhe mostrarão o cúmplice de seu pecado e se esforçarão para despertar a paixão culpada que sentia por essa pessoa. Se ele foi atormentado por dúvidas sobre a fé, eles lhe lembrarão o artigo de crença que ele tinha dificuldade em aceitar, representando-o como falso. Se um homem tem tendência à pusilanimidade, os espíritos malignos a incentivarão nela, para que possam roubar-lhe a esperança da salvação. O homem que pecou por orgulho e se gabou de suas boas obras, procurarão enganar com bajulação, assegurando-lhe que ele está em alta graça com Deus e que tudo o que fez não pode deixar de garantir-lhe um lugar no céu. Novamente, se durante sua vida um homem cedeu à impaciência, permitindo-se ficar zangado e irritado com cada ninharia, eles fazem com que sua doença pareça mais incômoda para ele, para que se torne impaciente e se rebele contra Deus por ter lhe enviado uma doença tão dolorosa.
Ou, se ele foi indiferente e pouco devoto, sem fervor na oração ou assiduidade em seus exercícios religiosos, eles tentarão manter em sua alma esse estado de apatia, sugerindo-lhe que sua fraqueza física é grande demais para permitir que ele se junte às orações que seus familiares fazem por ele. Finalmente, eles tentarão aqueles que levaram uma vida ímpia e repetidamente caíram em pecado mortal, levando-os ao desespero, representando suas transgressões como sendo tão grandes que estão além do perdão. Em uma palavra, os espíritos do mal atacam os mortais no momento da morte com mais ferocidade em seu ponto mais vulnerável, assim como um general habilidoso atacará uma fortaleza pelo lado onde percebe que as muralhas são mais fracas.
Mas os demônios nem sempre se limitam a tentar o homem em relação às suas principais falhas e defeitos predominantes; frequentemente o tentam a cometer pecados dos quais ele até então não era culpado. Pois esses inimigos astutos não poupam esforços para enganar os moribundos e, se falham de uma maneira, tentam ter sucesso de outra. Essas tentações não são de caráter comum. Às vezes são tão violentas que é impossível para os mortais fracos resistir a elas sem ajuda sobrenatural. Se tudo o que alguém em boa saúde pode fazer é resistir aos ataques do demônio, e mesmo assim muitas vezes é vencido por eles, quão difícil deve ser para alguém enfraquecido pela doença lutar contra inimigos tão poderosos!
Sobre este ponto, um escritor piedoso disse: 'A menos que o moribundo, antes de sua última doença, tenha se armado contra esses ataques e se acostumado a lutar contra seus adversários espirituais, ele tem poucas chances de prevalecer contra eles no momento da morte. Se o fizer, será apenas com a ajuda do Deus Todo-Poderoso, de Nossa Senhora, de seu anjo da guarda ou de um dos santos. Pois nosso Deus misericordioso e seus anjos e santos abençoados não abandonam o cristão na hora de sua maior necessidade; eles correm em seu auxílio, isto é, desde que ele seja digno de sua ajuda'. A fim de se preparar antes da última doença para combater essas tentações, é aconselhável recitar com a devida devoção a seguinte oração.
ORAÇÃO
Ó Jesus, compassivo Redentor da humanidade, recordando a tripla tentação que sofrestes do inimigo maligno vos rogo, pela vossa gloriosa vitória sobre ele, que estejais ao meu lado no meu último conflito e me fortaleceis contra todas as suas tentações. Sei que, com minhas próprias forças, não posso lutar contra um inimigo tão poderoso e certamente serei vencido, a menos que Vós e vossos santos abençoados, me concedais a ajuda oportuna. Portanto, imploro sinceramente o vosso auxílio e a dos vossos santos, e proponho armar-me da melhor maneira possível com a vossa graça, para enfrentar as tentações que me aguardam. Prometo pois, diante de Vós, dos santos anjos e dos santos abençoados, que nunca me exporei voluntariamente a qualquer tentação, seja ela de que natureza for, mas com a ajuda da vossa graça, hei de combatê-las com todas as minhas forças. Amém.
(Excertos da obra 'The Four Last Things - Death, Judgment, Hell and Heaven', do Pe. Martin Von Cochem, 1899; tradução do autor do blog)